quinta-feira, 28 de julho de 2011

Entrevista com Teófilo Vaz

À entrevista de Teófilo Vaz demos-lhe o nome de “À procura da irreverência”.

Com tenra idade acompanhou os seus pais na ida para Angola regressando depois de completar o quinto ano. Que recordações guarda desse tempo?


Não guardo grandes recordações do continente Africano. Isto é, o continente Africano para mim não constitui nenhum fascínio especial. Vivi numa zona tropical húmida que não me era muito agradável. Desde a minha infância, fui para lá ainda não tinha cinco anos mas, ao fim de pouco tempo sentia a falta de referências, provavelmente não tinha consciência delas mas tinham a ver com o contexto em que nasci e em que gerações anteriores a mim cresceram e viveram. Portanto, de facto, África e, neste caso, Angola e o Norte de Angola, ao contrário do que acontece com a generalidade das pessoas que por lá estiveram, não constitui para mim um tempo gratificante. Foi um tempo que…

Faltavam-lhe raízes?

Faltavam-me referências, as coisas pareciam-me estranhas. Isto é, o clima, a cor da terra, a vegetação eram-me sempre estranhas, portanto, eu não me sentia propriamente no meu ninho. Sentia que estava bastante distanciado do que era autêntico para mim, daquilo que me suportava. Portanto tive sempre aquilo que eu chamo saudades do desconhecido, no fundo, pelo menos conscientemente desconhecido. E a primeira vez que vim passar férias, aos dez anos, senti desde logo que o meu espaço era efectivamente este.

Era aqui que queria voltar mais tarde?

Sim! Foi o que aconteceu. Com16 anos vim deliberadamente para Bragança….

Era uma diferença… bastante frio… lá calor, cá frio, havia essa diferença que também se notava.

Já escrevi uma vez que o ambiente, vamos lá, eu sentia o ambiente como um ambiente apodrecido em África. A humidade era muita, de facto, durante nove meses chovia todos os dias e o céu estava plúmbeo permanentemente, ou quase e de facto, não celebrava aquela presença, sentia-me deslocado.

Era um hábito que o corpo não queria, durante esse tempo todo.
                                         
Sim, de facto, eu também era atreito a muitas, como é que lhe havemos chamar? Muitas doenças, digamos assim, aquele espaço e aquele clima, também um clima muito propicio a determinado tipo de infecções, e por aí fora, e eu durante essa minha infância de três em três meses estava doente. Enfim, não foi de facto, um tempo gratificante.

Não foi um tempo que recorde com especial carinho?

Não! Não foi. No fundo, a minha família foi para Angola para melhorar, naturalmente a vida e proporcionar um futuro melhor para os filhos. O que é verdade é que aceitando isso e reconhecendo que a África ajudou a que eu pudesse fazer um percurso eventualmente mais cómodo do que a generalidade das pessoas da minha aldeia e da minha região. Não foi uma coisa que me deixasse grandes saudades.


Fazia-se um pouco, na altura, para Angola o que se faz hoje para outros países mas da Europa, não é? Ia-se à procura de outras condições?

Ora, vamos lá ver, nessa altura já se ia para França e para outros espaços. O que acontecia era que o espaço colonial era apresentado à generalidade das pessoas como território nacional e, naturalmente, havia quem preferisse, em vez do desenraizamento, numa relação com a manutenção do território nacional, o sentido da pátria, embora isso não fosse muito facilitado, isto é, há aqui alguma coisa de contraditório.
O regime de Salazar não era propriamente um regime que tenha propiciado uma ocupação efectiva dos espaços Africanos; aliás criava bastantes dificuldades. Eu diria mesmo que, se calhar, e apesar de tudo, até 1961/62 quando se iniciaram os conflitos coloniais era talvez mais fácil sair para o estrangeiro do que para o espaços coloniais.

Era aqui ao lado…

Era mais fácil, não havia tantos impedimentos, tanta burocracia, era mais fácil talvez ir para o Brasil ou para a Argentina, por exemplo, na década de 30, 40 do que ir para África.

Nessa altura, a viagem, como é que foi?

Eu fiz a viagem de barco, num barco que era novo e que até 1975 funcionou, que era o Timor, aliás um nome interessante e que era um misto de cargueiro e de barco de passageiros, que demorou 16 dias de Lisboa a Luanda, depois fiz outras viagens em barcos mais rápidos, já em 1973, na última viagem que fiz a Angola no Infante D. Henrique, demorei 7 dias e era uma viagem já muito mais interessante….

Era menos de metade na altura

Sim, portanto era um tempo em que de facto as pessoas em nome do futuro, digamos assim, se aventuravam, umas aventuravam-se para a Europa outros aventuravam-se para África para as regiões sertanejas da África.

Chegado depois a Portugal, foi para Lisboa para prosseguir os estudos, mas não se demorou muito por lá. Terá sido o apelo das raízes, ou como referiu José Monteiro, o nosso anterior entrevistado, foi à procura do osso que deixou enterrado em Trás-os-montes?

Essa figura do osso pode servir; evidentemente eu ouvi, aliás, uma conferência que Augusto José Monteiro fez noutro dia no liceu, uma das comemorações dos 150 anos, dessa figura de ter deixado o osso, um pouco à maneira do cão que esconde o osso e é uma referência.
Bom foi o apelo das raízes, eu julgo que sim, apesar de Lisboa ser nessa altura muito gratificante do ponto de vista da vivência, da abertura para o mundo, estávamos em 1971/72, o que é verdade é que esse apelo ainda que inconsciente, digamos assim, estava presente e quando saí de Lisboa fui andando até que parei em Bragança.

Era a capital havia sempre outras oportunidades, outros chamarizes, era mais cultura que não havia em Bragança…

Mas era um tempo em que em Lisboa se vivia ainda de uma forma relativamente pacata, de facto, isso era agradável, circulava-se pelas ruas de Lisboa de madrugada, a qualquer hora, sem quase nenhum tipo de problemas como aqueles que nós hoje conhecemos. Lisboa nessa altura era interessante, mas de facto o contacto com Bragança a partir dos dezasseis anos e a permanência cá, consolidou essa sensação de que aqui é que se podia crescer.

Bragança é conhecida pela sua vida nocturna. Naquele tempo….

Naquele tempo, já lá vão 20 anos, as coisas eram diferentes, mas ….

Mas mesmo assim atractiva. Foi aí que nasceu o gosto pela noite?

Bragança nessa altura tinha, o que é interessante, cafés abertos até às duas da manhã. Havia vários, quase uma dezena de cafés, que estavam abertos até às duas da manhã. Eram cafés mistos com a possibilidade de haver serviço de snack. O que dá origem a que, de facto, houvesse grupos de juventude e gente até mais entrada na idade que cultivasse a noite, a noite até às duas da manhã, conversando, tertuliando nos diversos espaços.

Havia oferta?

Havia. Não havia a concorrência que há hoje nos determinados tipos de diversões nocturnas, que no fundo são uma forma de as pessoas não comunicarem. Este é que é o problema. Quando falamos na animação nocturna de Bragança hoje, na maior parte dos casos, falamos de discotecas, de alguns pubs que nalguns casos são interessantes mas muitas vezes caiem no exagero de impor, ou se quiserem embarcar numa dinâmica que passa muito por encher a cabeça das pessoas de música muito intensa, o que impede na maior parte dos casos a conversa, a reflexão que nessa altura se fazia. Portanto, hoje muitas vezes há muitos espaços, há muita gente nalguns espaços, o que há é pouca comunicação, isto é anda tudo um bocado a abanar o capacete, e depois abana o capacete na discoteca, no dia seguinte à tarde no café onde há uma música muito alta, geralmente cafés para malta nova, e depois à noite vão ao pub onde também há música alta e, portanto, o espaço de reflexão, de convívio e até de perspectivação, por exemplo, de intervenções sociais e culturais e por aí fora fica muitas vezes prejudicado. Andamos um bocado numa perspectiva muito hedonista, isto é a procura do prazer individual e imediato embora esse prazer se procure muitas vezes no meio da multidão, mas numa multidão em que a comunicação é quase inexistente, às vezes se calhar, imagino eu nas discotecas sobrevalorizam os aspectos sensitivos, os toques os olhares, os roços, o que quiserem e os aspectos que tem a ver com a reflexão, a participação não são tão valorizados.

Havia mais respeito na altura pelo consumidor? Nesse aspecto de se por a música alta, música muito alta…

O que acontece hoje é que a maior parte dos clientes desses espaços de facto já só estão habituados a estar em condições de barulho, não é! E portanto estranham quando assim não acontece e penso eu que se pode chegar a um ponto em que se as pessoas não tiverem música ficam a olhar para o infinito. O que indicia que estamos a matar a possibilidade da comunicação e a possibilidade da participação e a possibilidade da consideração pelo outro, se quisermos da admiração pelo outro, da sedução… enfim, quer dizer há coisas que parece que propiciam determinadas possibilidades mas no fundo criam limites impressionantes.

É tudo mais repentino!

É um pouco isso que eu dizia, o hedonismo imediatista, entende-se como o estar nos espaços, e um dos exemplos flagrantes disso, é por exemplo, os exageros que alguns jovens relativamente novos protagonizam nesses espaços, que é beberem coisas extremamente fortes do ponto de vista alcoólico de uma forma muito intensa, muito rápida, ficando embotados imediatamente ou induzindo determinado tipo de processos mais ou menos degradantes, que depois torna desagradável a participação, enfim, isto no fundo pode estar a contribuir para que a famosa, se quiserem, noite de Bragança esteja a tornar-se em algo que se pode revelar muito desinteressante.

É uma trova que já passou.

Embora haja lugares de resistência. O que é verdade, é que há alguma gente da minha idade, e estamos a falar de gente com perto de cinquenta anos, que continua a resistir e a procurar encontrar os espaços de participação e de reflexão e de convívio, porque a noite não é o espaço do diabo. É preciso iluminá-la, ou então, é preciso que as sombras da noite sejam caminhos para novas luzes.

E nem tudo o que anda na noite é mau, como muita gente pensa.

Não …aliás, a maior parte das grandes reflexões são produzidas à noite, ou na solidão ou eventualmente com a participação na conversa, na reflexão em conjunto, não é?

Encontra-se muita coisa à noite?

Encontram-se os outros lados da vida, porque muitas vezes de dia, as pessoas vivem um pouco de artifícios, não é? De aparências. E à noite na maior parte dos casos, se calhar é da obscuridade, as coisas tornam-se mais autênticas.

É a tal história dos gatos!

Nem todos são pardos, como é evidente!

Vou convidá-lo para ouvir uma música de Adriano Correia de Oliveira, aliás a sua escolha, “trova do vento que passa”.

Escolhi Adriano Correia de Oliveira, porque Adriano Correia de Oliveira na década de sessenta e na década de setenta constituiu de facto uma referência fundamental na dignificação dos Portugueses como gente, como cidadãos. Os contributos dele ao nível da música, a transposição para a música de poemas de autores notáveis como por exemplo Manuel Alegre, que também fez grandes combates em nome da dignificação cidadã dos Portugueses faziam parte dos grandes modelos que nós nessa altura com dezasseis, dezassete anos, dezoito procurávamos que fossem instalados no país e portanto isso incitava à participação, atento à vida politica, à vida social e não há dúvida nenhuma de que estamos em presença com Adriano Correia de Oliveira de obras muito simples mas extremamente marcantes e que eu julgo que ficarão por muitas décadas, eventualmente séculos, como referência da cultura Portuguesa.

É pena que muitas destas músicas só sejam ouvidas na altura do 25 de Abril…

Pois, é pena porque houve depois uma conotação política inculcada e fundamentalmente e infelizmente a este nível a comunicação em geral também vai muito nas modas, vai muito na indústria, no comércio, da música e claro que assim acontece que muitas das grandes referências ficam guardadas nas gavetas, mas o que é verdade é que elas lá permanecerão e há-de haver sempre quem as retome.

Julgo saber que foi o Padre Sampaio que lhe meteu o bichinho do jornalismo. Terá tido também alguma influência o facto de ter vivido no Ultramar que o tornou mais crítico?

O viver no Ultramar e o contacto com jornais era, no meu caso, diário e permanente e, portanto, a atenção à actualidade vem dos meus tempos de, ainda do fim da infância, mas não aconteceu que o bichinho do jornalismo fosse colocado por alguém, o que aconteceu é que eu espontaneamente, em 1972, me fui oferecer ao jornal da terra, neste caso o Mensageiro de Bragança, para lançar da minha responsabilidade e com um conjunto de amigos uma página, que eu chamei página de participação jovem e que aliás se veio a chamar mesmo “Participação”. E foi assim que em Maio de 1972 eu apareci espontaneamente no gabinete do Director Padre Manuel Sampaio que depois se tornou Professor no Porto e abandonou até o sacerdócio mas que acolheu com muito entusiasmo a minha proposta de participação. O que não era uma novidade no jornal de então, porque já havia uma página “A tribuna dos novos” em que alguns jovens apareciam a fazer poesia, por exemplo e a escrever textos de reflexão. A minha página, a minha proposta era de maior intervenção político-social e, de facto, foi aí que iniciei a minha participação jornalística, e interessante é que à terceira edição da página recebi uma carta do Marcolino Cepeda a propor-se para integrar a página e integrar o grupo donde surgiu a minha amizade e a minha relação que já vai em 32 anos ou 33 com o Marcolino Cepeda sempre com proveitosos trabalhos em nome da cidade da região, nos jornais e noutros sítios.

Que depois se tornou também um grupo de amigos quando estiveram no “Mensageiro de Bragança”.

Nessa altura, como no Mensageiro de Bragança já colaborava o Carlos Pires e o Ernesto Rodrigues também já aparecia a escrever algumas coisas. Depois, este grupo veio de facto a desempenhar um papel com algum significado na vida do Mensageiro de Bragança em 1972, 73 e depois em 74, quando o senhor Bispo de então D. Manuel Jesus Pereira resolveu que este grupo de jovens não deveria continuar o que deu origem a que viéssemos a fundar o “énie”, um jornal que, durante cerca de dez meses, naquele período agitado chamado quente de 1975, contribuiu para que em Bragança se fizesse um jornalismo sério, empenhado evidentemente na mudança politica e que terminou ingloriamente porque a agitação foi tal que viemos a ser objecto de ameaças, de agressões, enfim, de acções menos dignas de alguns grupos da cidade de Bragança. O Carlos Pires, por exemplo, foi agredido e teve que levar doze pontos na cabeça, por um grupo de caceteiros que se movimentavam na cidade de Bragança, sem nenhuma razão porque nós não éramos tendenciosos do ponto de vista político – partidário. Bom, mas foi um projecto que empenhadamente, naturalmente, levámos até Novembro de 1975 com algum proveito para todos e para a cidade julgo que também.

Não havia a chamada liberdade de imprensa.

Não! Em 1975 havia.

Antes.

Antes não, quando comecei a colaborar no Mensageiro, e que para além da página, passámos alguns de nós a ser autênticos redactores. Fazíamos trabalhos mais diversos e era interessante, havia a censura instalada e ainda me lembro de que era preciso levar as provas das páginas ao Tenente Figueiredo que era um homem da censura, que era um homem da GNR em Bragança e ele cortava o que achava. E há até um episódio interessante protagonizado pelo Desidério Martins que era também um dos indivíduos que participava nestas coisas, que um dia escreveu sobre aquele gigante negro Moçambicano, um tal Gabriel que andava por aí nos circos a ser exibido. O Desidério Martins escreveu uma coisa notável em que dizia que aquilo era um exemplo de subdesenvolvimento e que era preciso que as pessoas tivessem outro tipo de reacções perante aquele tipo de espectáculos degradantes, num texto de três colunas. O tal tenente Figueiredo considerava que a palavra subdesenvolvimento não podia estar, tudo o resto podia ficar menos a palavra subdesenvolvimento e foi preciso negociar com o homem até ao ponto em que ele se convenceu que, de facto, podia ficar a palavra subdesenvolvimento. Eram tempos difíceis a esse nível, mas nós conseguíamos, naturalmente, com os nossos artifícios, dar a volta ao censor que era mais ou menos cego, enfim, meio nabo digamos assim, mas havia coisas piores.
Uma vez na última página publicámos uma fotografia de um garoto da ilha do rei que era aqui um espaço entre a escola e o liceu, onde havia uma espécie de barracas e a gente bastante pobre. Tirámos uma fotografia a um garoto bastante sujo, enfim no meio da lama e tal e pusemos simplesmente um versículo do evangelho a propósito da relação com as crianças e nada mais. O que é verdade é que o Ministro do Interior de então senhor António Gonçalves Rapazote que é um homem, era um homem aqui de Parada não esteve com meias medidas e, na semana seguinte, quando chegou o jornal a Lisboa telefonou para o director a insultá-lo e a ameaçar agir contra ele. Assim se vê como nos movimentávamos num espaço em que eram difíceis os exercícios da cidadania.

E ai do director que repudiasse as…

Sim, o Director, naturalmente, com o senhor Ministro ao telefone não ia… foi dizendo que não tinha sido com intenção de ofender sua excelência, esse tipo de coisas.

Mas mesmo ao escrever já havia o cuidado de não se porem esse tipo de coisas que pudessem ferir…

O que dava origem a que, como aconteceu em todo o lado, as pessoas exercitassem grandes capacidades ao nível das metáforas e de outras figuras de estilo, de modo a iludir a linearidade dos censores o que deu origem a que houvesse gente que até exercitasse muito as suas capacidades de criação escrita.

Mas era complicado escrever-se e depois dar-se o texto a um censor cujo nível cultural não era assim tão alto.

Mas era o que estava estabelecido e não se podia fazer nada ou eles cortavam e nós substituíamos ou então tentávamos negociar com eles convencê-los de que aquilo não era tão grave como eles consideravam….

Exceptuando o período da faculdade em Lisboa nunca deixou de intervir no jornalismo e na cultura colaborando com diversas publicações. Actualmente é o chefe de redacção do Jornal “A voz do Nordeste”. Há muito trabalho envolvido nisso?

Ora bom, há muito trabalho envolvido, mas também há fundamentalmente uma grande paixão, e esta é que é a grande questão. Eu nunca encarei o jornalismo, pelo menos, como a minha profissão principal embora eu não consiga pensar-me e cada vez consigo pensar-me menos sem estar ligado directamente ao jornalismo e à comunicação. Se calhar o ter ido para professor fundamentalmente para a área de história também contribui para que eu me sinta cada vez mais próximo daquilo que é esta intervenção, esta reflexão sobre a sociedade, estas propostas de comunicação interactiva com as outras pessoas. Porque me parece que isso é fundamental. Agora é relativamente difícil conjugar as coisas, eu tenho o meu trabalho, tenho a minha profissão e durante duas semanas tenho que estar também atento como todos os outros jornalistas àquilo que se passa para poder, de quinze em quinze dias, produzir os textos informativos, de reportagem, de opinião enfim por aí fora.
Agora o que é verdade é que se eu não fizesse isso provavelmente sentiria falta de alguma coisa de fundamental. E é por isso que eu permaneço na actividade jornalística com todo o prazer, toda a gente perceberá mesmo os jornalistas novos que agora são e felizmente bastante activos e em Bragança eu diria com uma qualidade acima do vulgar que se vê por aí em termos regionais, percebem que eu faço isso com alegria, entusiasmo, ou seja, diria que é uma das coisas sem as quais não me parece que pudesse viver tranquilo.

Acima de tudo com gosto, não é? É como o bicho da madeira, sem madeira não há bicho…

É verdade sim, a isso pode-se chamar na gíria o bichinho destas coisas, quer dizer faz-nos falta, a mim, pelo menos, faz-me falta embora às vezes me custe por exemplo aos fins-de-semana ter que produzir 6, 7, 8, 10 peças para um jornal, mas o que é verdade é que depois, apesar desse sacrifício, dessa angústia, há uma sensação de dever cumprido que fica na segunda-feira de manhã quando o jornal vai para a tipografia e independentemente das compensações materiais que são pouquíssimas, é sempre gratificante. Porque é também entendido como um serviço à comunidade, como que uma participação para que os cidadãos estejam mais atentos, conheçam melhor as coisas e possam tomar posições de forma mais sólida.

E só isso já compensa?

Sim, porque nós, no fundo, se vivemos em sociedade, o nosso desígnio fundamental é servir a comunidade, participar naquilo que é importante para a comunidade. A minha profissão também é uma forma de participação como a generalidade das outras, mas penso que através do jornalismo e das minhas participações nos órgãos de comunicação social, estou também a dar esse contributo com aquilo que posso. Naturalmente não sou nenhum super-homem.

Na rádio começou em 1982 na RDP e foi um não mais parar de rádio.

Esta propensão para a comunicação que vinha dos jornais, depois leva a que estava eu no clube de Bragança, quando o Marcolino era Presidente da Direcção e resolvemos que poderíamos ter um espaço de intervenção na então RDP Bragança. Falámos com o senhor Berenguel, o Virgílio Cavaco e o Estácio Araújo e criou-se ali a possibilidade de haver um programa de meia hora semanal. E assim fizemos e fui eu que protagonizei essa participação. Isso deu origem a que depois fosse convidado para fazer comentários semanais na RDP. Depois da RDP fui convidado para fazer também comentários semanais na Brigantia e depois isso veio dar origem à minha participação no painel da Brigantia que dura há oito anos, que é o “Sem papas na língua” que é uma vitalidade, uma permanência no ar inédita mas que, pelos vistos, terá o seu interesse, ou pelo menos há auditório  que permanece  e que cresce , ao que dizem,  e também participei já varias vezes num painel aqui na RBA durante cerca de um ano.

É um espaço bastante irreverente, onde vocês, por vezes cascam em certas coisas?

É um modelo interessante, relativamente diferente da generalidade das tertúlias que se fizeram por esse país fora, porque por um lado não é localizado nos partidos, é gente próxima dessas áreas mas não é localizável neste ou naquele partido na maior parte dos casos e em que há suficiente distanciamento para fazer análise critica quer à nossa área politica, ideológica de intervenção quer à generalidade e fundamentalmente de uma forma suave, bem disposta, leve e sem pretensões. É como se estivéssemos no café a conversar uns com os outros, naturalmente com alguns cuidados, mas às vezes também deixando sair algumas bombas que enfim, tem a ver com as emoções de cada um, claro sem sermos mal educados, até porque temos lá senhoras.

Vamos ouvir a música de Melanie. Mais uma escolha e mais um porquê?

Melanie é uma referência fundamental do fim dos anos 60 princípios dos anos 70 também. A nível internacional ela e outras pessoas com por exemplo Bob Dylan John Lenon, que eram enfim, faziam parte daquilo que eu gostava de ouvir.

Bob Marley?

Bob Marley é mais recente, mas também.

Agora voltando à nossa entrevista depois da música. Que cultura por cá se faz?

Em Bragança há uma tradição de alguma intervenção cultural desde muito cedo, desde quando eu vim para cá. Mesmo assim apesar de todas as dificuldades e nem sequer haver espaço porque o Cineteatro tinha ardido havia pouco tempo. O que é verdade é que se mantinha uma propensão para a intervenção cultural, e aí quer no Liceu, por exemplo, quer na Escola Industrial se faziam trabalhos interessantíssimos ao nível do teatro, liderado, no Liceu, nessa altura pelo Dr. Fernando Subtil e depois numa fase posterior já em 72,73, com um grupo de teatro também na Escola Industrial, em que o Marcolino também teve um papel fundamental, o professor António Ferra que esteve cá e também o Fernando Pires, Fernando Pássaro, toda a gente conhece, também se avançou de uma forma significativa o que aliás levou a que depois o Marcolino Cepeda viesse ele próprio a criar o grupo de teatro “Sequência”. O que quer dizer que havia dinamismo havia vontade de intervenção.

Hoje já está isso mais institucionalizado, se assim podemos dizer, com a abertura do teatro…

Hoje felizmente estamos em condições de, em Bragança e, também em toda a região, assistir a espectáculos de grande qualidade e também de se poderem promover grupos com capacidade para produzir espectáculos de bastante interesse.

Isto irá ser uma espécie de boom na cultura de Bragança.

Eu espero que sim e que se aproveitem estas oportunidades, isto é não basta as infra-estruturas, é verdade que sem as haver é mais difícil, havendo-as é bom que os grupos, as pessoas se empenhem em dar-lhes vida e eu estou convencido que há condições, há alguns exemplos aí, ainda hoje há condições para que as novas estruturas disponíveis possam propiciar um, ainda mais intenso, dinamismo cultural da cidade.

Há que depois de ter a vaquinha tirar-lhe bem o leite!

Sim, é preciso que as pessoas não desaproveitem estes investimentos vultuosos. Eu não sou assim pessimista, há quem diga que é investimento a mais para a nossa dimensão. É a perspectiva das vistas curtas acho eu. Se assim pensasse o Marquês de Pombal se calhar tínhamos uma capital do país bem menos marcante no panorama nacional e até internacional.

Até porque os investimentos só o tempo é que os vai rentabilizar.

É preciso ter vistas largas, ir mais longe daquilo que significa o nosso nariz e portanto na vida política o fundamental é exactamente ter perspectiva estratégica.

Até que ponto devemos defender a nossa nordestinidade?

Nós devemos defender as nossas características e a nossa especificidade mas num contexto amplo. O isolamento não nos leva a lado nenhum. E, portanto, julgo que nós devemos procurar que a Europa unida seja um projecto definitivo um projecto sólido e devemos também empenharmo-nos nisso. Claro que isso também passa por haver alguma consolidação a nível nacional para que a nossa terra não continue a ser desertificada, não continue a sofrer os efeitos de políticas perniciosas, desenvolvidas ao longo de séculos.

Aí fazem falta as acessibilidades?

Aí fazem muita falta as acessibilidades. Infelizmente os governantes não têm, quanto a mim, tido perspectiva estratégica e em nome do imediatismo e dos votos têm prejudicados significativamente o nordeste Transmontano e Trás-os-Montes em geral. Uns e outros, cor-de-rosa, laranjas, azuis às riscas todos têm feito isso. O que é verdade é que isso é gravíssimo para nós e é preciso que haja mais uma vez e ainda a possibilidade de garantir a unidade em volta de projectos comuns e estratégicos para Trás-os-Montes e Alto Douro. Por isso, eu vejo com muito maus olhos aquilo que se está a passar nos últimos meses com o divisionismo protagonizado pela gente de Vila Real, fundamentalmente pelo Presidente do Município Vila Realense que parece não perceber que há desígnios que têm que ir para além das perspectivas imediatistas eleitoralistas dele e, por outro lado, parece-me que é preciso continuar à procura de um grupo de transmontanos, responsáveis autárquicos, por exemplo, que consigam corporizar um projecto e reivindicar de forma sistemática junto dos governos a realização de investimentos fundamentais e básicos para a região. E é preciso que cada Presidente de Câmara do distrito tenha a noção de que é mais importante que se mantenha a globalidade embora haja eventuais prejuízos imediatos no seu concelho, mas que haja estruturas que garantam a permanência do nordeste trasmontano e de Trás-os-Montes e aí eu continuo a dizer que há um objectivo estratégico que eu acho que é fundamental e decisivo, e que é de facto a Universidade de Bragança. Que poderá ser realizada de uma forma independente, autónoma, totalmente autónoma, até porque os factos estão consumados e foi criada a UTAD que deveria ser de Trás-os-montes e Ato Douro e afinal é só de Vila Real mas o que é verdade é que em Bragança uma Universidade não tem que ser uma prisqueirice, uma Universidade em Bragança pode ser, se houver uma aposta séria da parte do poder central, um pólo de altíssima qualidade. O que é preciso é que haja vontade política para que isso aconteça. Nós não temos que nos sujeitar a ter professores medíocres, alunos medíocres e estruturas medíocres, nós podemos aqui sediar uma Universidade de ponta, uma Universidade liderante em termos de qualidade e isso será, quanto a mim, uma das formas de podermos recuperar a vitalidade do nordeste transmontano. Não vejo que apesar da promessa, que eu espero seja cumprida, e que o senhor não deixe que a cara lhe caia de vergonha, o senhor doutor Durão Barroso…

Promessa reafirmada várias vezes.

É que há, infelizmente, gente do distrito que parece estar empenhada em que isso não se concretize, o que constituirá uma acção bem pior do que a do Miguel Vasconcelos, em 1640 relativamente aos portugueses, e se calhar o Miguel de Vasconcelos foi tirado do armário e atirado pela janela fora, e se calhar há outros que precisam de uma lição.

Os deputados da região não deveriam ser para defender a região?

Pois os deputados da região deveriam ser. Mas, o que é verdade, na maior parte dos casos, infelizmente para nós, num tempo democrático, temos tido deputados que são autênticos lacaios dos partidos e estão ao serviço dos seus interesses pessoais ou dos interesses de determinados grupos, sem perspectiva estratégica para a região, e isso tem dado origem a que no fundo, tenham contribuído para um desprestígio quase sistemático do nordeste transmontano. Infelizmente aí precisávamos também de ter gente que tivesse perspectiva do que são os interesses da nossa região e que independentemente da sua filiação partidária identificasse os objectivos fundamentais. É verdade que tivemos um caso de grande dignidade no último ano, nos últimos dois anos que foi o engenheiro Machado Rodrigues, que teve a coragem de bater com a porta e de dizer aos senhores do poder e do partido que não estava para ser posto em causa na sua palavra e na sua dignidade perante os transmontanos e neste caso perante os bragançanos. Era bom que outros tivessem a mesma coragem.

Mas têm medo que lhes fuja o tacho!

Provavelmente e infelizmente quando se tem do serviço público e da política uma perspectiva de masseira ou de manjedoura, evidentemente que o futuro não se apresenta com grandes cores radiosas. Isto pode dar origem a que qualquer dia os transmontanos autênticos se aborreçam mesmo, e eu espero que se aborreçam.

Para terminar personalidade ou personalidades que o marcaram ao longo da sua vida.

Algumas personalidades que me marcaram não são propriamente pessoas conhecidas. Eu diria que tive como grande referência um homem que foi director do colégio do Negage em Angola e que era sócio dos meus pais nesse empreendimento e que foi uma grande referência em termos da construção da minha personalidade, da minha relação com o mundo e da assunção de responsabilidade perante os outros. Esse homem chama-se José Manuel Carvalhosa é um idoso quase com 90 anos que ainda permanece sempre ao serviço dos outros é uma referência fundamental. Claro que há outras referências a nível mundial, houve ícones que ficaram, desde Guevara, fundamental na década de 60 e 70 para mim, pelo seu espírito de sacrifício, pela sua dádiva e depois há referências de percursos de luta sistemática em nome de ideais e da mudança política e da organização da sociedade democrática, como é o caso do doutor Mário Soares que eu continuo a achar que é definitivamente o homem de maior estatura no século XX na história de Portugal.

(Texto corrigido pelo entrevistado)


4 comentários:

  1. Gostei da entrevista. Destaco e corroboro a opinião do Teófilo ao considerar o Mário Soares (doutor para e porquê?), uma grande estatura enquanto homem e político. Na minha humilde opinião, considero-o uma das maiores figuras políticas do mundo no século XX, pese embora, não ter entendido em determinada altura que o tempo era de outros...não ouviu a trova do vento que passa...

    Um abraço.

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  2. Olá Henrique,

    O Teófilo é uma pessoa cheia de convicções e certezas. Tem a coragem de dizer o que pensa. É um grande amigo do Marcolino e, de há 23 anos a esta parte, também meu, são da mesma idade e nunca se perderam de vista. Os dois juntos fizeram grandes coisas, em separado, caminharam em rectas paralelas... a única dissonância é que ele tem três filhos e nós nenhum.
    Teófilo ouviu, com certeza, a trova do vento que passa e está mais sereno mas nunca deixará de ser ele próprio.

    Um abraço e obrigada
    Mara

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  3. Eu sei Mara :-)
    Quem não ouviu a Trova do Vento que Passa, foi o Mário Soares :-) Era a ele e, não ao Teófilo, que eu me estava a referir. Peço desculpa se não me fiz entender.

    Henrique

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  4. Olá Henrique,

    Eu entendi e concordo completamente. Apenas corroborei o comentário.
    Fiz uma pequena apologia ao Teófilo que bem a merece.
    Acho que a entrevista está bastante boa e que o Teófilo foi igual a si mesmo. Foi apenas isso que quis dizer. Já era tarde e não me soube exprimir convenientemente.

    Obrigada Henrique
    Mara

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