quarta-feira, 11 de abril de 2018

MEMÓRIAS DA EMIGRAÇÃO NO NORDESTE - 11/04/2018



«Memórias do Salto» recolheu 72 testemunhos de emigrantes que partiram à procura de uma vida melhor durante o Estado Novo. Foram 900 mil portugueses que emigraram nesta altura e 550 mil a salto.
César Afonso tem 81 anos, é de Nuzedo de Cima, Vinhais. Foi a salto para França em 1964 e usou o método da fotografia rasgada para os pais pagarem a sua passagem quando chegasse a França. “O passador português levou-me até à Espanha, o espanhol até à França e o francês é que me levou para Clermont- Ferrand. Eram três passadores. Eu só paguei depois de lá estar, eram 7 mil escudos. Eu dei-lhe uma fotografia minha rasgada. Levei metade comigo e eles ficaram com outra metade. Quando eu lá cheguei, a fotografia que eu deixei aqui, já tinha chegado a Clermont-Ferrand. Quando reunimos as duas partes da fotografia é que eu mandei pagar aos meus pais a passagem” contou César Afonso. Este é um dos testemunhos que foi recolhido através do projecto «Memórias do Salto» que o Museu Abade Baçal, em Bragança, inaugurou na sexta-feira, às 21h00. Um projecto de levantamento de testemunhos de transmontanos que entre 1954 e 1974 emigraram a salto. A exposição «Memórias do Salto» retrata a emigração clandestina na raia com 72 testemunhos com “vários perfis, que vão desde o passador, ao PIDE, guarda-fiscal e aos emigrantes”, explicou a directora do museu, Ana Maria Afonso. A apresentação deste trabalho, permite a nível histórico, antropológico e sociológico, fazer um estudo bastante profundo e sobretudo comunicar e dar voz a estes protagonistas que de outra maneira se perderia porque como era emigração clandestina, não existia registo. “É uma obrigação que temos e de homenagem a estas pessoas”, acrescentou a directora do espaço que também acolhe a exposição «Douro, lugar de um encontro feliz» da autoria de António Barreto. Outros dos testemunhos é de António Machado que foi agente da PIDE. Esteve no posto de fronteira de Quintanilha entre 1959 e 1963 e contou que a PIDE tinha má fama, mas muitas histórias eram exageradas. O objectivo do seu trabalho era apanhar os passadores e afirmou que “era muito difícil fazerem os emigrantes falarem, pouco servia apertar com eles, não confessavam nada” refere António Machado.  
A apresentação do projecto contou, sábado, com um ciclo de conferências dedicadas ao tema. O primeiro painel esteve a cargo de Victor Pereira, historiador francês com ascendência portuguesa que explicou o contexto histórico do Estado Novo.  “O Estado Novo e a ditadura vigente até 1974 não emitiam facilmente passaportes porque não se pretendia que as pessoas fossem embora. Por um lado, havia as guerras coloniais, a partir de 1961 e eram precisos soldados e colonos.” Continuou a contar que existia uma forte resistência dos proprietários agrários que não queriam que as pessoas fossem embora, porque iam aumentar os salários, e também porque tinham medo que quando os portugueses emigrassem para a França, sendo este um país democrático, onde já havia sindicatos e a emergência do Partido Comunista e temia-se que os portugueses voltassem comunistas, como se dizia na altura. “Por esses diversos motivos, era muito difícil ter um passaporte de migração e muitas pessoas escolhiam ir a salto” relatou Victor Pereira. 
Uma das referências a nível nacional e internacional sobre a migração que esteve presente nas conferências que decorreram no sábado foi Maria Beatriz Trindade, que congratulou o trabalho desenvolvido, “eu acho que este museu e esta cidade estão de parabéns e sobretudo este projecto para o futuro. O espaço da exposição é excelente e a prova é que conseguiu encher um auditório e estes assuntos mais ligados às humanidades, nem sempre despertam nem catalizam o interesse” contou a professora Catedrática da Universidade Aberta e fundadora do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais – CEMRI. 
Mélanie Lopes foi a investigadora de «Memórias do salto», no âmbito de uma dissertação apresentada em Setembro de 2016 e que resultou neste acervo cultural que retrata a emigração de 900 mil portugueses e 550 mil clandestinamente. 
Para além do ciclo de conferências também foram exibidos os filmes «O Salto», «A Fotografia Rasgada» e «Lissac».
Os municípios onde foram recolhidas estas histórias de vida foram Vinhais, Bragança, Vimioso, Miranda do Douro, Mogadouro e Macedo de Cavaleiros. 
Um projecto desenvolvido pelo Museu Abade Baçal, pela Associação dos Amigos do Museu e pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. O projecto teve o valor de 100 mil euros, com o apoio do Norte 2020. As exposições vão estar patentes até ao dia 30 de Junho. 

Escrito por: Jornalista Maria João Canadas

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