domingo, 20 de novembro de 2016

Expedição ao inferno




Primeiro o espanto. Depois o choro e ranger de dentes, os suspiros de desânimo. Este é o retrato das criaturas desesperadas, que sempre recusaram ver o outro lado do espelho.
Foi o referendo na velha Inglaterra, agora as eleições na América, com a França a desaferrolhar a porta.
Perante a derrocada do palácio etéreo da democracia inevitável, que se precipita sobre uma humanidade que festejou displicente o hedonismo, o que agora se impõe não é um infinito muro de lamentações. Pelo contrário, chegámos a um tempo em que a racionalidade é o único caminho, por mais que os perigos possam parecer insondáveis e as armadilhas traiçoeiras surjam por todo o lado.
A angústia não é boa conselheira. O que está feito, já não tem remissão. Mas amanhã não tem que ser o inferno, mesmo que já sintamos o crepitar das labaredas.
Talvez valha a pena encararmos o próximo futuro como uma expedição, arriscada sem dúvida, às cavernas povoadas pelos demónios que fomos construindo durante milénios, para, definitivamente, acabar com as suas gargalhadas fedorentas.
Na verdade, a construção da democracia não é empresa leve, nem consolidada. É um desígnio que exige dedicação permanente, muita coragem e nenhuma preguiça. Requer ainda a generosidade de quem estiver disposto a não gozar todas as delícias desse paraíso a encontrar. Do que se trata é de compreender que a democracia é a eterna utopia, mas desistir é mergulhar na selva sem contemplações, onde a morte triunfará, mais cedo ou mais tarde.
É preciso enfrentar esta expedição, agora inevitável, com a clarividência de que há que corrigir erros. Desde logo a omissão das consequências do nosso próprio egoísmo, da sobrevalorização do nosso conforto e tranquilidade, que têm muito de ilusório, porque não olhamos em redor, para onde se escondem todos os venenos de que não encontrámos o antídoto, como a ignorância, a irracionalidade, a dissimulação e a cobardia.
Quando percebemos que as massas, afinal, tanto podem carregar regimes dos amanhãs cantantes, como escavacá-los dando força a quem lhes promete a mesa do pequeno almoço, entre famintos moribundos, somos tentados a desistir. Mas, não devemos, em nome do direito dos nossos filhos ao futuro.
Para que possamos ter sucesso na dura expedição temos que recusar convicções vesgas. Impõe-se um trabalho de franqueza, sem temor de denunciar os erros, intencionais ou ingénuos, dos que se arrogam senhores da verdade, apesar de repetidamente desmentidos pela vida.
Tenhamos sempre em conta a lição de 1933, quando Hitler chegou ao poder por voto democrático, determinado simplesmente por raivas, que são isso mesmo, erupções do instinto primitivo. Agora não é muito diferente.
Vai ser difícil, mas podemos ainda voltar vivos e depurados dos pecados que nos conduziram às proximidades do inferno.

Escrito por: Teófilo Vaz (Diretor do Jornal Nordeste)

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