Publicado por António G. Rodrigues em Jornal Mensageiro de Bragança
Nascem cada vez menos crianças no distrito de
Bragança. De acordo com os últimos números do Instituto Nacional de Saúde
Pública Dr. Ricardo Jorge relativo aos testes do pezinho realizados, o distrito
de Bragança é aquele onde nasceram menos crianças em todo o país nos primeiros
três meses do ano.
No primeiro trimestre de 2022, foram
estudados 19.628 recém-nascidos no âmbito do Programa Nacional de Rastreio
Neonatal (PNRN), coordenado pelo INSA, através da Unidade de Rastreio Neonatal,
Metabolismo e Genética do seu Departamento de Genética Humana. Comparando com
igual período do ano passado, realizaram-se mais 1.402 “testes do pezinho”
(18.226).
De acordo com os dados do PNRN relativos aos
primeiros três meses de 2022, observa-se que o maior número de bebés rastreados
nasceram nos distritos de Lisboa e do Porto, com 5.774 e 3.617 testes
efetuados, respetivamente, seguidos de Setúbal, com 1.546, e Braga, com 1.479.
Por outro lado, Bragança (132), Guarda (135), Portalegre (147) e Vila Real
(220) foram os distritos com menos recém-nascidos estudados.
Já o mês de janeiro tinha tido apenas 46
nascimentos, um número que só teve comparação em 2016, quando nasceram apenas
45 bebés na maternidade do hospital de Bragança, a única do distrito.
O ano de 2019 tinha sido o que tinha tido
maior volume de partos, com 75 crianças nascidas.
Para Henrique Ferreira, sociólogo, este é um
fenómeno que “poderia ser ainda pior” se não fossem as comunidades imigrantes.
“A demografia é uma área interdisciplinar em
que as disciplinas interferentes são muitas. Podemos dizer que a demografia é
uma das áreas interdisciplinares mais amplas. Nela, demografia, interferem a
geografia, a economia, a cultura, o sistema de valores, o sistema de motivações
sociais, o sistema de oportunidades e o sistema de gratificações. Muitas destas
áreas estão incluídas ou derivam das políticas públicas em relação à
demografia, à natalidade, à educação e, sobretudo, às perspetivas de futuro.
Não se pode dizer que uma determinada
comunidade não quer ter filhos. Isso também pode acontecer mas não é comum. O
que acontece é que as pessoas avaliam a sua situação face aos contextos e
decidem não ter filhos ou porque sentem que não têm condições para lhes dar uma
vida boa ou porque acham que ainda não é oportuno tê-los face à situação em que
se encontram. O resultado é que os filhos ou vêm cada vez mais tarde na idade
dos casais, sobretudo das mulheres, ou, simplesmente, já não vêm porque passou
o tempo.
O número de nascimentos fornecidos pela
Unidade de Rastreio Neonatal, Metabolismo e Genética do Departamento de
Genética Humana do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (https://www.insa.min-saude.pt/rastreio-neonatal-19-628-recem-nascidos-e…)
estão em linha com os dos anos anteriores: regiões mais populosas têm mais
nascimentos e menos populosas têm menos. Sem um algoritmo de comparação não
podemos dizer que na região A houve mais nascimentos que na B. Essa afirmação
implicaria saber, por exemplo, quantos nascimentos por cada 1000 habitantes ou
quantos por cada 1000 mulheres. Não temos esse referente.
Porém, calculamos (apesar das variáveis
interferentes do clima) que os 132 nascimentos registados no Distrito de
Bragança, para o primeiro trimestre do presente ano, resultariam em 560
nascimentos para o ano inteiro, o que não é consolação nenhuma porque mantém o
número dos anos anteriores, mesmo com o recurso à imigração, o que implicará
que a situação seria ainda pior se não houvesse o recurso às comunidades
estrangeiras ou naturalizadas, tais como a africana, a brasileira e a europeia,
nesta particularmente a dos países do Leste Europeu”, explicou o investigador.
De acordo com Henrique Ferreira, “a população
do Distrito continuará a envelhecer, particularmente nos concelhos mais
afastados da A4, onde as oportunidades de vida e de serviços são menores para
os jovens e adultos.
Precisaríamos de nascimentos ao ritmo de 10
por cada mil habitantes (1260 nascimentos por ano) para mantermos o atual nível
etário da população do Distrito. Precisaríamos de um ritmo de 13 por cada mil
para, em 70 anos, transformarmos o Distrito num distrito razoavelmente jovem.
Estamos com 4,4 por mil. A tarefa é hercúlea”.
Henrique Ferreira frisa ainda que, apesar de
haver a presença, nos últimos anos, de vários imigrantes oriundos dos PALOP,
não é esperado o aumento do número de nascimentos.
“Em princípio, não, relativamente aos
imigrantes dos PALOP, na medida em que estes não vieram para ficar. Se ficam, é
em número pouco representativo. No entanto, face a números de anos anteriores,
é expectável que cerca de 100 nascimentos tenham origem nas diferentes
comunidades estrangeiras ou naturalizadas e nas comunidades ciganas, o que já é
um bom contributo. Portanto, estas últimas parecem estar a contribuir para o
aumento de nascimentos.
Porém, sendo a demografia a tal área
sistémica e interdisciplinar não será apenas com as comunidades imigrantes que
vamos resolver o nosso problema demográfico. É melhorando as condições de vida
de todos e oferecendo fortes apoios aos pais com filhos e aos jovens com
expectativas de ter filhos. Além disso, há que apostar na educação para o
futuro e para o amor. Nada ensinará mais a amar que a relação pai/mãe- filho. É
tempo de pensarmos numa sociedade intergeracionalmente solidária e não apenas
em idosos abandonados em lares e jovens hedonistas a divertirem-se nos bares e
discotecas e a terem de emigrar para ganhar o dia-a-dia. Perdeu-se a noção do
futuro e do amor. Exportamos toda a nossa inteligência sem pensarmos no futuro
do país. É isso que os grandes países da Europa querem: que lhes sustentemos o
progresso e a demografia sem gastarem um tostão com a formação”, sustenta.
O investigador sublinha que “estamos em
comunidades que lutam pela sua própria morte, não pela sua vida e pelo seu
futuro”.
“Basta olharmos para as nossas aldeias e
vermos a tristeza das escolas fechadas. Ali já não saltam nem brincam crianças
e os idosos sentem-se a morrer porque não vêem futuro razoável para as suas
vidas. O envelhecimento, também ele é sistémico. Não é apenas um problema de
idade biológica. É também um problema afetivo, de autonomia, de perda de
confiança no futuro, de não-partilha de cultura e de afetos. Hoje destrói-se o
passado alienando-se o futuro. Até os adultos-filhos alienam os seus
progenitores nos lares privando-se a eles próprios das ricas histórias dos mais
velhos e dos ensinamentos destes. Estamos em comunidades que lutam pela sua
própria morte, não pela sua vida e pelo seu futuro.
Em 1993, no primeiro artigo que escrevi sobre
a demografia no Distrito, previa que este já só teria 130.000 habitantes em
2020. A realidade ultrapassou a minha previsão e também estava longe de
imaginar que a maior parte dos nossos concelhos estariam com índices de
envelhecimento superior a 400% (400 idosos para cada 100 crianças e
pré-adolescentes até 14 anos), havendo-os com 700%. Mesmo o de Bragança já
atingiu os 281% quando os mais jovens andam pelos 50%”, diz.
Seria preciso o triplo dos nascimentos para
rejuvenescer a população
Henrique Ferreira explica que o distrito de
Bragança precisava do triplo dos nascimentos para um processo de
rejuvenescimento da população.
“Precisaríamos de entre 1550 e 1600
nascimentos por ano contra os presumíveis 560 de 2022. Uma taxa de natalidade
de 13 por mil e, mesmo assim, demoraríamos 70 anos, a chegar a uma taxa de
envelhecimento de 50% e a uma taxa de juvenilização de 30% contra os atuais 7%
(crianças e pré-adolescentes até 14 anos face a idosos com mais de 64 anos)
Esse desiderato é já impossível com a
população existente no Distrito face à distribuição etária dela. Com a nossa
população, o máximo que conseguiremos é ter entre 600 e 700 nascimentos. A
pirâmide etária está invertida e, por isso, há que importar população jovem que
possa dar-nos crianças mas isso levanta outros problemas de socialização,
integração e apoio que é necessário salvaguardar e que vejo muito pouca gente a
reflectir. Os portugueses e, em geral os europeus, só querem o seu bem-estar,
pouco se preocupando com o dos outros e com o futuro. Foi este o principal
efeito perverso das democracias e do Estado Social. Até que lhes aconteça como
aos ucranianos”, concluiu.
Sobre esta matéria, Henrique Ferreira
publicou já uma série de artigos.
Retirado de www.mdb.pt
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