Entrevista realizada em 05/04/2007
João Sérgio da Silva Videira tinha, na altura, 24 anos e concluiu a licenciatura no tempo regulamentar. Exerce a profissão de Engenheiro Civil e começou a trabalhar logo que acabou o curso. Está casado com uma médica natural de Bragança e tem dois filhos gémeos. Vive na Maia mas nunca se desligou de Bragança, vindo, com a família, quase todos os fins-de-semana. Se pudesse, trabalharia e viveria em Bragança.
João Sérgio da
Silva Videira, nascido a 11 de Março de 1983 em França, filho de pais
portugueses, frequentou a escola primária e
dois anos de escola preparatória em Clermont
Ferrand, veio para Portugal em 1997 para o sétimo ano de escolaridade, tendo
frequentado a Escola Secundária Miguel Torga até à conclusão do décimo segundo
ano. Ingressou na licenciatura de Engenharia Civil na Faculdade de Engenharia
da Universidade do Porto no ano de 2002/2003, futuro engenheiro civil com a
conclusão de a licenciatura em 2007.
À sua entrevista vamos chamar-lhe “À
procura de uma vida de sucesso”. Primeira questão: Nasceste em França, filho de
emigrantes Portugueses. Fala-nos da tua infância.
J.V.- A minha infância foi boa em
França. Andei lá na escola e adaptei-me bem Fiz muitos amigos por lá. Acho que
foi uma infância normal como a das crianças de cá. Houve uma boa adaptação. Não
houve nenhuma diferença de tratamento entre este filho de emigrantes e o resto
das crianças francesas.
E quais são as principais diferenças
entre o ensino em França e no nosso país?
J.V.- No meu caso é um bocadinho
complicado porque sempre quis vir para Portugal estudar. Nunca gostei muito de
estudar em França. A minha escolaridade foi um bocadinho atribulada. Penso que
o sistema de ensino francês é, sensivelmente o mesmo. O grau de dificuldade é o
mesmo, não há grande diferença.
O nível de exigência não é maior?
J.V.- Não é maior. Acho que a única
diferença é na motivação que os professores dão aos alunos, que a escola dá aos
alunos, acho que cá a escola é muito mais participativa, lá é muito restrita,
há horas para tudo, era muito dedicada ao estudo e pouca diversão o que motiva
pouco os alunos.
Foi difícil a adaptação?
J.V.- Não de nada, não foi nada
difícil, foi um bocadinho complicado ao inicio entender o método de avaliação
cá em Portugal que era completamente diferente do francês. Lá é uma avaliação
de zero a vinte, fazem-se os testes; com média de dez passa-se, com média de
nove reprova-se. Cá esta perspectiva do unificado onde com três cadeiras abaixo
da média passa-se, foi um bocadinho complicado de entender. Para mim, na
França, tinha-se de se passar a tudo com positiva, senão reprovava-se… No
início foi um bocadinho confuso.
Faz as pessoas mais responsáveis…
J.V.- Também, mas a pessoa com dez
anos, onze anos acho que não querem só estudar, querem também diversão e se
calhar misturar a diversão com o trabalho consegue-se ter maior rendimento, do
que só trabalho, só estudo.
Com 14 anos, decidiste vir para
Portugal porquê?
J.V.- Porque eu queria vir para cá. Tenho
a família toda em Portugal, sempre quis vir para Portugal apesar de a minha mãe
não querer vir. Havia algumas diferenças mas gostava disto. Tinha cá as minhas
raízes, e sempre pensei vir para cá pelo menos para ver como isto era. Foi essa
a principal motivação.
Portugal era um país melhor para
viver, para estudar e para trabalhar do que a França na altura?
J.V.- Para viver e para estudar,
certamente. Para trabalhar não seria, como deve imaginar, mas para viver muito
melhor do que a França. Acho que o povo é muito mais aberto e as condições de
vida cá não são más, pelo contrário.
Porquê engenharia civil e porquê na
faculdade de engenharia do Porto?
J.V.- Na faculdade de engenharia do
Porto porque tem boa reputação. Toda a gente fala bem da faculdade tem um bom nome
no país e internacionalmente, e engenharia civil porque é a única coisa de que
gostava.
Foi mesmo uma paixão.
J.V.- Sim, literalmente por gosto, não
havia nenhuma outra razão.
O curso tem corrido bastante bem,
ainda não perdeste nenhum ano e tudo aponta para a conclusão da licenciatura já
neste ano lectivo. Agora vem o mais difícil...
J.V.- Exacto. Sim. Agora vem o mais
complicado. A procura de emprego que nesta altura da vida, com esta fase que o país
atravessa, bastante complicada, em que o mercado está em crise, a própria
construção civil está bastante mal. É um ramo que está muito mal mas
consegue-se arranjar emprego. Já não é com bons salários mas, o que interessa,
é poder trabalhar, ganhar experiência e viver.
Passa pelas possibilidades rurais ou o
regresso a França?
J.V.- Em último recurso, só se não
conseguir arranjar cá emprego é que volto para lá mas, preferia ficar cá, é
claro.
Os portugueses estão agora a recorrer
novamente à emigração devido a falta de emprego, não é?
J.V.- Exacto. Recorrem, mas a vida em
Portugal é muito melhor, é melhor viver cá como engenheiro do que ter uma vida
como emigrante que não é nada agradável.
E o regresso a Bragança depois do
final do curso para trabalhar.
J.V.- Eu gostava muito, mas é muito
complicado. O país está mal, o mercado está mal em todo o lado e Bragança não é
excepção à regra, pelo contrário. É um mercado pequeno, é muito mais
complicado.
Quais são as obras de eleição para um
engenheiro civil?
J.V.- As obras de eleição, no meu caso,
são os edifícios, habitação, mas o mais emblemático são as pontes. Aquela coisa
enorme com um grande investimento e que não é qualquer um que faz… parece-me
que é o que representa mais a engenharia. Não é o que se faz mais e, se calhar,
um engenheiro, durante a sua vida, nunca irá fazer uma ponte.
Tens algum engenheiro de referência...
J.V.- O engenheiro Edgar Cardoso,
porque é o mestre de engenharia em Portugal, da minha escola, e penso que seja
um exemplo para todos nós. Edgar Cardoso conseguiu fazer pontes memoráveis no
tempo dele, em que não havia computadores, não havia máquinas de calcular,
regra de cálculo, etc. É completamente impensável para um jovem engenheiro como
eu. É um sonho chegar ao nível dele.
Às vezes parece simples chegar ali,
chegar de um lado ao outro, fazer uma ponte e…
J.V.- De simples não tem nada. As
pessoas pensam que engenharia civil, construir uma casa é uma coisa simples… construir
uma casa para que não caia, qualquer um faz, mas depois tem sempre patologias,
ou humidade, a casa é fria, ou as paredes a rachar. Pensa-se que uma ponte é
fácil. É meia dúzia de vigas de ferro e tal e está feito. Não é o caso. Pede
muito estudo, muito trabalho, e não é um aluno que, ao fim de cinco anos,
consegue fazer uma ponte. É capaz de fazer um projecto mas com muitas ajudas
dos professores. É preciso uma vida de experiência e a engenharia civil é uma
ciência completa, não é como as pessoas pensam, consigo fazer qualquer coisa,
ou vejo o que o amigo fez e consigo fazer o mesmo… só pode dar asneira. Fazem-se
coisas mal feitas, coisas com custos enormes. Muito do trabalho do engenheiro
civil é fazer casas, mas com custo acessível e com boas condições para se poder
habitar.
Penso que a diferença entre um engenheiro
civil e um arquitecto, é que o arquitecto desenha livremente e depois o
engenheiro tem que encontrar as formas matemáticas daquilo tudo.
J.V.- Exacto. Tem de conseguir
encaixar vigas, pilares, fazer as paredes minimamente isoladas… O arquitecto
faz o desenho e nós temos que nos adaptar ao desenho, para que aquilo possa
crescer, dar as bases aos trabalhadores para que a obra aconteça. Não são
paredes de tijolo que vão aguentar uma casa.
As operações de engenharia civil
exigem grande responsabilidade, da parte de quem as projecta e executa, pois
delas dependem a segurança e o bem estar das pessoas, no entanto, os acidentes
continuam a acontecer, sem que ninguém na maioria das vezes seja
responsabilizado. O que poderá ser feito para alterar estas situações?
J.V.- É uma questão muito complicada
porque, ao contrário de outras indústrias, porque a construção civil é uma
indústria e numa indústria qualquer de automóveis a fábrica é sempre a mesma,
os trabalhadores estão no mesmo sítio, não mexem, estão lá a apertar parafusos
e não há grande risco e, se houver risco, elimina-se. É muito fácil de
eliminar. Num estaleiro de uma obra qualquer, um trabalhador tem que ir de um
lado para o outro às vezes a 10, 15m de altura. Existe muita gente envolvida,
pessoas de empresas diferentes, e é muito complicado conseguir juntar as
pessoas todas e haver métodos de segurança. É claro que há provas de segurança
que são implementadas, há regras, material de segurança e faz-se o máximo para
ter o máximo de segurança. Mas existem muitos casos de acidentes na construção
civil, porque são muitas pessoas a trabalhar de empresas diferentes. Algumas
empresas com muita política na área da segurança e outras nem por isso. A
algumas só interessa o dinheiro e que o trabalhador esteja a trabalhar e mais
nada. É muito complicado tentar regular isso.
Às vezes será o próprio trabalhador a
facilitar…
J.V.- Alguns trabalhadores em
Portugal, diria mesmo, na Península Ibérica, sem querer ofender ninguém, são
aqueles “machos latinos”: “Eu sou bom, consigo levar isto, consigo fazer aquilo,
e se consigo, sou o melhor”.
Depois de muitas vezes não tomarem
medidas de segurança, para mostrar que são bons, acontece. Em vez de serem mais
humildes e pensarem que podem arriscar-se a cair e que se usarem medidas de
segurança, podem evitar partir um braço ou cortar-se ou mesmo morrer ou ficarem
com problemas físicos para a vida. Poderiam evitar-se muitos acidentes se se
cumprissem as regras de segurança. É claro que não vai haver um engenheiro ou
um responsável de segurança atrás de cada trabalhador, é impossível. Felizmente,
já se nota uma maior consciência relativa aos acidentes de trabalho.
Pratica-se um pouco por todo o país a
subempreitada com empresas de construção de menor dimensão, por vezes com
consequências bastante gravosas. De quem é a responsabilidade desta situação no
país?
J.V.- Do mercado. Consegue-se fazer
obras mais baratas, a quem lhe é adjudicada a obra. Querem poupar dinheiro e
poupar responsabilidades. É certo que se essa empresa tiver 2000 trabalhadores
tem que ter sempre obras para que esses 2000 trabalhadores estejam a trabalhar,
se for uma empresa com um bom núcleo mas com os mesmos trabalhadores que
consiga fazer subempreitadas, pouca dinheiro, porque se não houver obra, não
tem que pagar salários e já pode seleccionar as obras. Em conclusão, só se faz subempreitada
devido ao mercado. As empresas grandes estão a perder muitos trabalhadores, a
desempregar muita gente no caso de não haver obras, mas quando existem obras
contratam-se pequenas empresas para fazer os trabalhos que são menos
especializadas. Em parte, pode ser bom ao contrário do que as pessoas pensam,
porque uma empresa geral não é obrigada a saber de tudo de todas as áreas. Se
tiver um bom núcleo faz um esboço, depois contrata um canalizador especializado
para se fazer o trabalho e consegue ter um trabalho com muita mais qualidade.
Essa é uma das vantagens das subempreitadas O grande problema é quando são
contratadas só para poupar dinheiro e essas pequenas empresas não têm força
para implementar segurança e medidas de segurança.
Quando se poupa é preciso tirar de
algum lado, não é.
J.V.- Exacto. É esse o grande
problema.
Qual é o papel do Laboratório Nacional
de Engenharia Civil?
J.V.- O grande papel do LNEC é, em
parte, tentar regulamentar tudo em termos de leis, em termos de certificações,
caso uma empresa queira certificar material; são especializados em muitas áreas
e conseguem fazer parcerias e estudos em todo o país de diversas coisas, que
empresas normais podem não estar habilitadas a fazer. O LNEC tem um bom núcleo
de engenheiros profissionais que estudam diversas áreas e conseguem desenvolver
bons trabalhos em termos de engenharia em todo o país, para ajudar as empresas
e o país em todas as questões.
Qual é a importância da Ordem dos Engenheiros?
J.V.- A ordem dos engenheiros, pelo
que eu sei, pelo que eu tenho visto tem um bom trabalho na organização da
classe de trabalhadores e na orientação dos trabalhadores, neste caso os
engenheiros. Nem todos os engenheiros estão habilitados a fazer tudo. Para se
fazer certas coisas é preciso ter outros cursos, ter outra formação, ser
acreditado, a ordem dos engenheiros tem esse poder e esse trabalho, poder
acreditar as pessoas para poderem fazer um certo trabalho…
Uma espécie de controlador da classe.
J.V.- Totalmente. Totalmente e acho muito
bem, porque não está disperso por vários organismos. É só a ordem. Veja-se o
caso dos professores: vários sindicatos, que lutam uns contra os outros e, no
final, estão a prejudicar a própria classe. A ordem dos engenheiros trabalha
para os engenheiros, para a nossa classe, sejam engenheiros electrotécnicos,
civis, mecânicos, mas trabalha para nós e para desenvolver o país. A ordem consegue
ter mais força junto ao governo e às entidades patronais.
Há muita especulação a nível da
construção civil reservada à habitação?
J.V.- Houve. Hoje em dia já não é bem
o caso. Há cinco, seis anos, o preço das habitações tem vindo a estagnar e nos
grandes centros o preço tem vindo a descer, porque não se consegue vender. Construiu-se
muito as pessoas não tem meios e quem quer comprar não pode. Muitas vezes quem
quer comprar não tem meios para pagar um crédito, ou têm créditos para 30 ou 40
anos. E o preço da habitação tem vindo a baixar, pouco, mas tem vindo a baixar.
Perde a habitação a qualidade ou
as empresas estão a ganhar dinheiro a mais.
J.V.- Por um lado estavam a ganhar
dinheiro a mais, mas a habitação não está a perder qualidade. Quem está a
perder qualidade são os trabalhadores. Antigamente saía-se da faculdade,
ganhava-se bons salários. Hoje em dia, vai-se trabalhar quase a pedir por favor
porque não há mercado e eles cortam, não na qualidade, já que quando se vai ver
um apartamento, se não tiver qualidade, não se compra. As casas têm qualidade
como tinham antes, ou se calhar até têm mais. As habitações não são mais caras
quem perde com isso são os trabalhadores.
Há cada vez mais pessoas
especializadas em vários ramos.
J.V. Porque é o mercado que vende,
antigamente o engenheiro fazia de tudo e tentava e conseguia desenrascar porque
havia mercado para todos, hoje em dia o mercado está muito mais restrito, e
umas das soluções é especializar no ramo e tentar apostar nesse ramo e ganhar esse
dinheiro e não dispersarem e no final não ganhar nada porque as pessoas querem
é bom trabalho com qualidade.
De quem é a responsabilidade quando um
prédio, seja de habitação ou não, começa a apresentar problemas?
J.V.- Depende. Quem é responsável é o
construtor claro. Tem uma garantia de dez anos, não sei ao certo se já passou
ou não, mas o responsável é o construtor, o empreiteiro. Muitas vezes é
complicado provar que a responsabilidade é dele. São processos morosos e a
justiça em Portugal é muito lenta.
É possível imputar as culpas ao
engenheiro?
J.V.- Possível é, se a
responsabilidade for dele, mas aí é um processo crescente. Primeiro vai-se ao
empreiteiro, depois responsabiliza-se quem fez o empreendimento e caso seja um
problema da concepção vai-se sempre voltar ao engenheiro.
Se pudesses escolher, que obra de
engenharia, a nível mundial, gostarias de chamar tua?
J.V.- Isso é complicado, ao certo não
sei, existem tantas obras magníficas de engenharia que ao certo não faço ideia.
Para mim, talvez a torre Eiffel. É uma coisa linda, feita naquela altura, é espectacular.
Em que ponto enquadras a nova ponte
sobre o Tejo, uma ponte enorme em dimensão, extensão e milhões?
J.V.- Numa ponte necessária. Necessária
para uma capital. Não sei se haveria outras hipóteses de localização. Neste
caso, obrigou a uma extensão enorme, a uma obra enorme numa zona bastante
complicada, mas é uma obra necessária. Uma capital tem de estar ligada, tem de
ter passagem para a outra margem.
A que estudos obriga uma ponte
daquelas que atravessa pontos que podem por em causa a segurança da própria
ponte?
J.V.- Para já, um grande trabalho
geotécnico das fundações para ver que tipo de fundações se poderão colocar no
sítio, penso que é o trabalho principal antes de se fazer a ponte, para além
dos estudos ambientais, que muitas vezes são postos de parte e muitas vezes
muito mal feitos, mas isso é outra questão. O principal é o estudo das
fundações, do solo e, a partir daí, escolher as opções certas, porque em
qualquer sítio, em qualquer solo, consegue-se fazer aquilo que se quiser, com custos
maiores ou menores.
A poupar não está, obviamente, o
governo no aeroporto da Ota. Parece-te uma boa opção?
J.V.- Pelo que eu ouvi dizer, e pelo
que eu ouvi na RTP, pelos factos apontados acho que é uma má opção. Apresentaram
o projecto Ota ao público e não puseram mais escolha nenhuma. Acho que é um
trabalho muito leve, impor uma escolha sem se verem outras hipóteses. Mas aí
não é um problema da engenharia. É um problema de política e isso, em Portugal,
deixa muito a desejar.
Os engenheiros já chegaram à conclusão
de que daqui a 10, 15 anos aquele aeroporto estará ultrapassado. Não dá para
estender essa insistência.
J.V.- Não conheço o caso, não sei nada
sobre ele, mas pelo que ouvi dizer é verdade. Supõem-se que, ao fim de 30 anos
o aeroporto vai estar completamente cheio, e é preciso nessa altura ou antes
começar a construir outro. Acho que é uma estupidez para um país pobre como o
nosso, gastar tanto dinheiro num sítio como aquele, com solos que pedem grande
investimento para se tornarem viáveis e que ao fim de trinta anos deixarão de
cumprir os requisitos, o que obrigará à construção de um novo aeroporto, noutro
lugar, com todo o investimento que acarretará.
Na tua opinião, que futuro espera os
jovens portugueses?
J.V.- Bastante negro. Pela mentalidade
dos portugueses vai continuar mal, e vai continuar assim durante muitos anos,
porque o português tem uma mentalidade muito esquisita. Se estiver tudo bem é
uma alegria toda a gente. Toda a gente está em euforia por todo o país. Começa
a estar mal, estamos todos mal, pobrezinhos, coitados de nós e estamos à espera
que nos dêem algum dinheiro da Europa, que foi dedicação de 20 anos desde que
entramos na Europa. Os portugueses foram habituados a isso. Não, o país não
esta mal, mas como as pessoas o põem, vai continuar mal porque não há ninguém
que abra os olhos e diga vamos para a frente. Vamos trabalhar para desenvolver
o nosso país, como trabalham, por exemplo, os espanhóis.
Hoje em dia cerca de 20% da população
mundial preocupa-se com a ecologia. Para quando casas ecológicas?
J.V.- Está-se a começar a trabalhar
bastante nesse ramo, mas ainda estamos no início. Acho que se poderia fazer
muito mais e copiar modelos nórdicos, que já trabalham nesses projectos há
muito, muito mais tempo do que nós, só que ficam muito mais caras. Sempre a
questão económica. O dinheiro em Portugal é escasso, as pessoas não querem
gastar dinheiro. Esse dinheiro seria recuperado a médio prazo mas, o português diz:
“Aquela casa é cara, aquela é mais barata. Vou comprar a mais barata”.
Mas quando falamos de casas ecológicas
falamos de casas como?
J.V.- Com painéis solares, com muito
melhor isolamento, segundo a orientação da casa consegue-se poupar muito calor,
ganhar calor, consegue-se poupar água, poupar muita electricidade, só que é
preciso um grande esforço, um grande esforço de engenharia. Os projectos seriam
mais caros, os empreiteiros não querem pagar, a casa por ela própria, com os
materiais que se poderiam utilizar, fica mais cara. Em Portugal é bastante
complicado seguir esse caminho mas acho que é o futuro.
O que poderá ser feito em prol do
desenvolvimento da região de Trás-os-Montes?
J.V.- Isso é muito complicado, muito
complicado. Acho que a região de Trás-os-Montes precisava de outro dinamismo, o
grande problema de Trás-os-Montes é que a agricultura está a desaparecer, não
há indústria, conclusão as pessoas vão fugindo de cá. Se houvesse algum
dinamismo, algum investimento em Trás-os-Montes, seria o princípio do caminho
inverso, só que para isso são necessárias pessoas que queiram arriscar e
Portugal não é país de pessoas que queiram arriscar. Querem coisas seguras.
Bastante. Quem tem dinheiro não
o quer perder. Conclusão, Trás-os-Montes fica para segundo plano e vai investir
em mercados mais seguros como o litoral.
Se tivesses o dom de escolher uma
grande obra de engenharia aqui para Trás-os-Montes qual era a obra que
escolhias.
J.V.- Não é uma grande obra mas é uma
obra que fazia falta que era uma auto-estrada Porto Bragança e de Bragança até
ao Algarve porque temos uma bela auto-estrada que vai de Braga até ao Algarve
pelo litoral, mas pelo interior Portugal não existe. Quer dizer, não somos de
Portugal nem de Espanha. Ninguém toma conta de nós. Nem digo uma auto-estrada.
Seria melhor uma boa rede de estradas. Quem vê agora o caso de Vimioso onde não
querem deixar construir a estrada por causa de uma espécie de morcegos, antes
eram ratos agora são morcegos… é por isso que Trás-os-Montes é o atraso que é.
Para se fazerem 80 km demora-se uma hora e tal. Se tivéssemos uma boa rede de
estradas que ligasse o nosso país, talvez não fosse muito mais vantajoso do que
uma auto-estrada propriamente dita.
Mas é irónico que se queira construir
um aeroporto na Ota e não se deixe construir uma estrada por causa de um
morcego.
J.V.- Por causa de vinte ou trinta
quilómetros, é uma estupidez. É o país que temos onde, meia dúzia de ecologistas,
que vivem em Lisboa venham para cá protestar por causa de um morcego.
É uma falta de interesse pelo
interior.
J.V.- Completamente. Estão a fechar
hospitais, a fechar centros de saúde… para se fazerem oitenta quilómetros
demora-se uma hora e tal, não querem fazer estradas e depois é normal que os
jovens que estão cá e querem trabalhar fujam de cá, porque não há condições,
não estão para estar aqui, terem um problema e não se conseguirem desenrascar.
Não estão para estar completamente fechadas no meio do mundo.
Quais são os principais problemas desta
região?
J.V.- Falta de juventude. É uma região
muito envelhecida. Não há incentivos para os jovens. Um jovem como eu, eu
conheço muitos jovens de Bragança que estão a estudar lá em Lisboa, Porto ou
noutros locais e que gostariam de voltar para cá. No meu caso, se puder vir
venho, mas é complicado. Já sei que é complicado, porque não há mercado, não há
trabalho, o pouco trabalho que há já está organizado para certas pessoas e é
muito complicado para uma pessoa como eu que não tem a cunha que se conhece
para arranjar emprego. Uma pessoa tem que lutar pelo que quer. O que falta é juventude
em Portugal, juventude em Trás-os-Montes e é complicado. Não estou a ver grande
solução para isto.
Se calhar, podem surgir indústrias que
tragam de novo a juventude que foi embora, não é?
J.V.- Se acontecer sim, é uma solução.
É a única que pode trazer juventude para cá. Sem isso nada pode ser feito.
E as estradas, como anteriormente
referiste…
J.V.- Se o dinheiro fosse gasto numa
boa rede de estradas em Trás-os-Montes que ligasse Vimioso, Mogadouro, Moncorvo,
etc. a Bragança, seria muito mais vantajoso do que uma auto-estrada, já que
afinal o IP4 (itinerário principal4) é uma dupla auto-estrada com a vantagem de
não pagar portagens.
E para terminar a entrevista de hoje
do Nordeste com Carinho, que personalidade ou personalidades mais te marcaram ao
longo da sua vida.
J.V.- Os meus pais. Acho que toda a
gente deve dizer isso. Foram e são uns bons pais. Agora, personalidades há
tantas! Portugal tem muita gente e muita gente boa, de valor. Tem e teve só que,
as pessoas não dão valor a esse conhecimento. Acho que isso é uma questão de
cada um e prefiro guardá-la para mim.
Muito bem. Obrigado pela entrevista ao
nordeste com carinho.
J.V. Eu é que agradeço.