quinta-feira, 18 de julho de 2024

JORGE MORAIS: PERSONAGENS (4)

    Germano Cauteleiro

Mudo, não, não era mudo. Contrariamente a um cauteleiro que nos 60 e 70 provinha com alguma regularidade de Mirandela na motora da manhã e apregoava pelas ruas e cafés, particularmente no Chave D´Ouro e Cruzeiro, a sua mercadoria abanando-a e folheando-a como um harmónio colorido frente a clientes interessados ou não, Germano permanecia quase estático, quase sempre nos mesmos lugares chave da Praça da Sé, ora frente aos Coelhos, hora frente à farmácia na borda do lajedo da eira.

Quase impercetível, quase mudo, digo, com um trejeito muito próprio de lábios finos franzidos, uma mão segurando o ramalhete de cautelas e a outra metida na aba da gabardine curta e puída de longos anos. Sapatos grandes e bicudos, calças curtas de perna e estreitas de forma.

Era de Babe, foi gaseado, ao que consta, na fatídica primeira Grande Guerra. Ficou assim, nunca o vi sorrir, mas olhava o mundo à sua volta com uma certa penetração, talvez com espanto por ver o mundo rodopiando ainda vivo. Não apregoava, colorida e espalhafatosamente o seu artigo.

Estranhamente recordo-o quase sempre na borda dos passeios ou da eira, talvez que pronto a largar para um outro lugar, ou então, porque, simplesmente, tímido, não querendo meter-se no torvelinho de vida que era essencialmente dos outros, não quereria sobressaltar. De vezes em quando abanava levemente o leque do seu molho de cautelas e esperava, apenas.



 

Texto e fotografias de Jorge Morais

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