Mudo, não, não era mudo.
Contrariamente a um cauteleiro que nos 60 e 70 provinha com alguma regularidade
de Mirandela na motora da manhã e apregoava pelas ruas e cafés, particularmente
no Chave D´Ouro e Cruzeiro, a sua mercadoria abanando-a e folheando-a como um
harmónio colorido frente a clientes interessados ou não, Germano permanecia
quase estático, quase sempre nos mesmos lugares chave da Praça da Sé, ora frente
aos Coelhos, hora frente à farmácia na borda do lajedo da eira.
Quase impercetível, quase mudo,
digo, com um trejeito muito próprio de lábios finos franzidos, uma mão segurando
o ramalhete de cautelas e a outra metida na aba da gabardine curta e puída de longos anos. Sapatos grandes e bicudos, calças
curtas de perna e estreitas de forma.
Era de Babe, foi gaseado, ao que
consta, na fatídica primeira Grande Guerra. Ficou assim, nunca o vi sorrir, mas
olhava o mundo à sua volta com uma certa penetração, talvez com espanto por ver
o mundo rodopiando ainda vivo. Não apregoava, colorida e espalhafatosamente o
seu artigo.
Estranhamente recordo-o quase sempre na borda dos passeios ou da eira, talvez que pronto a largar para um outro lugar, ou então, porque, simplesmente, tímido, não querendo meter-se no torvelinho de vida que era essencialmente dos outros, não quereria sobressaltar. De vezes em quando abanava levemente o leque do seu molho de cautelas e esperava, apenas.
Texto e fotografias de Jorge Morais
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