Nós somos um hiato no tempo. Neste micromundo a que pertencemos, criamos a nossa história e somos fruto da envolvência da época em que vivemos, do que a antecedeu e do que virá depois.
A história de Portugal
é rica em acontecimentos e personagens. Demos novos mundos ao mundo e
espalhámos a nossa cultura, as nossas tradições e a nossa “saudade” por todo o
planeta. Este país já passou por muito, as suas gentes também.
Não sou historiador,
nem disso aqui se trata. Sou, antes, um observador atento dos acontecimentos
que presenciamos e sobre os quais reflectimos e tiramos conclusões. As nossas
conclusões. Neste caso, as minhas.
Por tudo que tenho
presenciado e vivido ao longo dos meus 67 anos, defendo a existência dos
Governos Civis, não conforme legislado desde a sua implementação, mas
revestidos de um forte teor regionalista. Porquê? Porque potenciam uma maior
proximidade com a nossa terra, a nossa cultura, os nossos usos e costumes, a
nossa gastronomia.
Cada vez mais se sente
a influência do poder central que nos desenraíza, que nos atrai para os grandes
centros urbanos, sejam eles em Portugal ou noutro país qualquer. Todos querem
viver numa grande cidade, porque ali “a vida acontece”. É esta a ideia que, ao
longo do tempo, tem vindo a impregnar-se na cultura dos nossos jovens. Mantemos
a capacidade inata de ser cidadãos do mundo.
Somos governados por
pessoas que não conhecem ou não querem conhecer, a realidade do país na sua
interioridade, na sua singularidade, na sua riqueza patrimonial, urbanística,
natural. Esse é o busílis da questão.
Nós, os que cá vivemos,
somos únicos. Somos Douro. Somos Trás-os-Montes. Somos Nordeste. Somos
Alto-Douro. Somos Norte. Temos vinhos e socalcos. Temos produtos de eleição.
Temos Quintas
debruçadas sobre o rio porque é necessário vê-lo todos os dias, a toda a hora. Hotéis,
modernos, conservadores, inovadores, todos de beleza ímpar, com maravilhosas
piscinas e esplendorosas paisagens, são exemplo de qualidade e conforto.
Montes e montanhas. Desfiladeiros
por onde correm alguns dos nossos rios, com as suas pequenas cascatas que nos
transportam para a música que a natureza tão generosamente nos proporciona.
O rio Douro, que a
intervenção do Homem tornou navegável, proporciona aos naturais e aos turistas
que nos visitam, cruzeiros, passeios de barco cercados pelas arribas, desportos
náuticos, paisagens soberbas onde as vinhas são o ex-libris desta riquíssima região.
É preciso “ensinar”,
quem nos quer conhecer, a descobrir todos os segredos que as montanhas
escondem, todos os recantos onde podemos ser felizes, todas as sombras dos
rios, todos os raios de sol… sentir na boca a doçura das uvas e o veludo único
do vinho. Ouvir o crocitar da Águia Imperial, tão ameaçada. E as nossas gentes,
sempre disponíveis, sempre simpáticas.
A província de
Trás-os-Montes e Alto-Douro é, sem sombra de dúvida, o meu paraíso. O paraíso
que gostaria de mostrar ao mundo inteiro.
Desgraçadamente, o país
insiste, apenas, no desenvolvimento da faixa litorânea, qual “jangada de pedra”
saramaguiana, que já se teria libertado se fosse geologicamente possível
fazê-lo.
O foco dos nossos
governantes anda perdido. Eles não conseguem abarcar o interior em todas as
suas especificidades. A região norte-nordeste de Portugal é uma das mais ricas
do país e, principalmente o nordeste, uma das mais esquecidas e abandonadas. É
difícil lutar contra todas as adversidades entre as quais se inclui a
desertificação.
Temos, no entanto,
entre outras potencialidades, a bacia hidrográfica do Douro, grande produtora
de energia para o país. Contribuímos também, com o terceiro maior reservatório
de água de Portugal, a Albufeira do Baixo Sabor.
A acrescentar ao acima
exposto, o Alto-Douro Vinhateiro, faz-nos, há já vários anos, conhecidos por
todo o mundo. Produz vinho há mais de dois mil anos e ali nasceu o famosíssimo
Vinho do Porto. É a região vitivinícola demarcada mais antiga do mundo.
A paisagem que resultou
dessa longa tradição é absolutamente assombrosa e reflecte, sem dúvida, a
cultura destas gentes e a sua evolução tecnológica, social e económica. Esta
resiliência é uma das características das gentes originárias desta região, que
abarca os distritos de Bragança, Vila Real, Viseu, Guarda, Porto…
Este território foi
reconhecido em 2001 pela UNESCO, como Património da Humanidade, na categoria de
paisagem cultural, com tudo o que isso acarreta.
A interacção entre o
ambiente natural e as actividades humanas, com as suas tradições, folclore,
artesanato, etc., conduziu a uma paisagem natural, alterada pelo ser humano
que, ao longo do tempo, com todos os contratempos com que se deparou, deu
origem a este território tão rico, com características únicas e irrepetíveis.
A gastronomia
portuguesa é, sem dúvida, uma das melhores do mundo. Essa qualidade deve-se à
sua diversidade e aos produtos de grande qualidade existentes em Portugal. Cada
região sabe aproveitar os seus melhores produtos para cozinhar. Nós não somos
excepção. O turismo gastronómico é, hoje, um hábito enraizado. Está na moda.
Os turistas já não
querem apenas praia, sol e mar… Anseiam por outras experiências que esta região
pode oferecer. Temos montanhas, paisagens lindas, trilhos a calcorrear,
património arquitectónico… temos rios que nos fazem sonhar.
E o que dizer dos
parques naturais?
O Parque Natural do
Douro Internacional; o Parque Natural
do Alvão; o Parque Natural de Montesinho; a Paisagem Protegida da Albufeira do Azibo e o Parque Natural Regional do
Vale do Tua…
O Parque Arqueológico do Vale do Côa, distinguido pela UNESCO como
Património Mundial, é mais uma acha para a fogueira (passe a informalidade da
linguagem) desta riquíssima região. Desde 2018 Passou a integrar o Itinerário
Cultural do Conselho da Europa.
Este parque apresenta mais de 1.200 rochas distribuídas por 20 mil
hectares de terreno, com manifestações rupestres. Foram precisos vários anos de
trabalhos de campo, para colocar a descoberto, o achado do maior complexo de
arte rupestre paleolítico ao ar livre até aos dias de hoje. Onde se encontra
este património? No rio Côa, afluente do Douro.
Como se o que referi
acima fosse pouco, sinto-me, enquanto cidadão nascido e criado na província de
Trás-os-Montes e Alto-Douro, muito orgulhoso mas, ao mesmo tempo, desiludido
pelo desapego a que somos votados pelo poder central.
Tudo leva a crer que,
mais uma vez, ficaremos sem comboio. Sabe-se lá quando teremos uma ferrovia
onde possam circular comboios que nos levem, rápida e confortavelmente, onde
quisermos ir, a nós e aos nossos produtos. E nós tão perto da Europa e a Europa
aqui tão perto. Lisboa quase ao virar da esquina… Estamos cansados de sermos,
sempre, os últimos a ser chamados para a equipa.
O desenvolvimento de
qualquer país deve ser global. Todos os cidadãos devem poder ter as mesmas
oportunidades. Para quando a regionalização?
Os governos civis podem
ser uma boa opção pela maior proximidade. Entendo que a regionalização deve ser
instituída conforme consta na Constituição Portuguesa desde 1976, com os
ajustes necessários.
Defendo a divisão do
país em seis grandes regiões. A região do Douro constituída pelos distritos de
Bragança, Vila Real, Viseu e Guarda. A região da Ribeira, constituída por
Braga, Viana do Castelo, Porto, Aveiro. A região da Serra da Estrela com os
distritos de Castelo Branco, Covilhã, Coimbra, Leiria. A região de Belém com os
distritos de Santarém, Lisboa, Setúbal. A região do Alentejo com os distritos
de Portalegre, Évora, Beja. E a última Região, Faro (Algarve) como não poderia
deixar de ser. Estas regiões, obviamente, em Portugal continental. Os
respectivos Governos Civis ficarão instalados onde cada uma das regiões
entender.
O Presidente é o Governador
Civil. Haverá seis Secretarias: Saúde, Educação, Agricultura, Cultura, Ambiente
e Indústria. As verbas da União Europeia serão aplicadas, como é óbvio, pelos
Governos Civis.
As eleições serão
realizadas em cada uma das regiões.
A 15 de Junho de 2022,
em Bruxelas, na Bélgica, o Douro foi distinguido como “A Cidade Europeia do
Vinho 2023”, apesar de não ser uma cidade e sim uma região com dezanove
municípios. Devemos aproveitar, carinhosamente, esta distinção e usufruir dos
benefícios que daí advirão.
Se queremos maior
reconhecimento nacional e internacional? Claro que sim. Se desejamos mais
população? É óbvio. Precisamos de gente que aprenda a amar toda a riqueza que
nos cerca, com todas as suas particularidades. Tem de começar por nós. Proteger
e defender este território é uma obrigação. É um desiderato.
Foi, também, o desejo
de Guerra Junqueiro, na sua muito amada Quinta da Batoca em Barca D’Alva.
Comemora-se este ano, no princípio de Julho, o centenário da sua morte.
Marcolino Cepeda
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