sábado, 23 de novembro de 2019

A política do bacalhau demolhado (Editorial do Jornal Nordeste, 19-11-2019)

É penoso, a raiar o ridículo, sentir a obrigação de retomar, a cada passo, um problema que devia estar resolvido há décadas, mas promete arrastar-se sem solução até que deixe de o ser, quando já ninguém tiver consciência dos seus efeitos trágicos para o país inteiro e para as gerações que lutaram para retorcer um destino que não mereceram.
Volte-se, então, ao bacalhau demolhado, expressão usada para referir discurso redondo, às voltas sobre tema consabido, sem que se pressinta rasgo para encontrar caminho até horizontes desanuviados. Uma chatice, até porque a demolha infindável do fiel amigo instala verdadeiro cheirete que nos pode levar a abominá-lo, apesar de lhe reconhecermos as delícias que secularmente nos tem proporcionado.
A viagem no tempo seria longa e dolorosa, de nos secar a alma. À velocidade da luz veremos cinco séculos de vida a escoar-se desta terra, quase sempre sem retorno, apesar dos avisos mudos dos fraguedos que velam as noites e dos sussurros nos carvalhais, que nos eriçam a pele.
Longe de veleidades poéticas, fora possível travar em tempo o desastre se houvera verticalidade e coragem política. Mas, não foi o que aconteceu e tarde está a tornar-se, cada vez mais, nunca, o que nos conduzirá ao irremediável.
Essa agora, dirão alguns, então não se vê que, pelo contrário, as medidas tomadas nos últimos três anos vão no sentido de recuperar os territórios para a partilha do desenvolvimento com o quinto do país que festeja todos os dias o progresso, esse novo bezerro de ouro com um rebrilho que entontece.
Não, definitivamente não se vê. Em 2016 foi lançada a Unidade de Missão Para a Valorização do Interior, apoiada num aparelho de propaganda inédito, mas suportada numa personalidade respeitável, competente, frontal, de uma honestidade política invulgar. Pouco mais de um ano depois Helena Freitas demitiu-se porque não teve o apoio que pensava ter. Tomou o seu lugar a segunda figura da Unidade de Missão, João Paulo Catarino, e a estrutura foi-se diluindo no esquecimento, mesmo quando se tornou secretaria de Estado, de que ele foi titular durante quase um ano, localizada em Castelo Branco, com nova festa em pleno Parlamento e palmas do presidente daquele município, que não poupou encómios.
Luís Correia, assim se chama o autarca, quis acreditar. Agora há-de estar a arregalar os olhos de espanto: afinal já não tem lá a secretaria de Estado, transferida para Bragança. Entretanto, não se lhe conhece pegada política, económica e cultural, que bem se agradecia.
A deslocação para Bragança não terá efeitos muito diferentes. A decisão foi tomada com a mesma leveza. Não se trata de uma opção estrutural, o que implicaria a transferência dos serviços e a instalação num dos edifícios que foram sobrando do abandono. Pelos vistos haverá um gabinete com três funcionários, provavelmente um condutor, um segurança e um atendedor de telefones. Isabel Ferreira terá que gerir assuntos de todo o país, mas nada impedia que os serviços ficassem centrados em Bragança.
Não se sabe se Castelo Branco manterá alguma estrutura governamental, o que nos deve pôr de sobreaviso para o resultado no fim desta festa.

Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste
Retirado de www.jornalnordeste.com

domingo, 17 de novembro de 2019

PARTÍCULAS

Por vezes, o dia, ao raiar o sol, engana-nos.
Acreditamos que vai correr tudo bem,
que vamos ser felizes, que vamos ser nós.

Não funciona assim. Somos, talvez,
feitos de nada ou de tudo, remansosa enseada
onde pensamos, por fugazes momentos, ser.

Quando o dia não é, que seremos nós?
Como seremos nós depois de ser?
Existiremos? As partículas não sentem nem são.

Maria Cepeda

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Cuidado com os ventos da história (Editorial de Teófilo Vaz) - 12-11-2019

Abascal surgiu do nada para liderar um grupo parlamentar de cinquenta e dois deputados nas cortes do reino vizinho, com arreganho e discurso cortante, a anunciar tempos de guerra política a sério, também nesta península que, num engano de alma ledo e cego, alguns quiseram ver a deslado da tempestade perfeita que avança, arrasadora, capaz de nos deixar de alma encharcada, enregelada, a pingar amarguras, com lágrimas e tudo.
Claro que não. Já há seis meses o Vox, partido liderado por Santiago Abascal, atingiu vinte e quatro lugares, trazendo à praça pública as mesmas questões, a ira crescente de alguns sectores da sociedade espanhola, irracional talvez e o apelo a uma resistência visceral às eflorescências caprichosas de diversidades, individualismos, tribalismos, deleites com o próprio umbigo, verdadeiro retorno ao apogeu da época barroca, sensual, orgíaca, onanista, petulante na festa do imediatismo, que esta vida são dois dias.
Na verdade, o que se passa aqui ao lado não pode provocar espanto, depois de surpresas sucessivas, um pouco por todo o mundo.
Começa a ser tarde para forças políticas que se proclamam defensoras da democracia resguardarem o fundamental em vez de se desgastarem nos jogos de conjuntura até à exaustão, ao desânimo, ao salve-se quem puder que, normalmente, resulta em grandes tragédias.
Abascales, Trumps ou Bolsonaros desta vida não surgem por obra do demónio, esse bode expiatório das nossas impiedades. São produto do hedonismo sem horizonte, que leva um número crescente de cidadãos, refastelados nas comodidades democráticas, a exigir tudo, aqui e agora, como se não houvesse amanhã, sem tomar consciência que o mundo tem pouco a ver com o mítico paraíso terreal antes da investida da serpente.
Quando a actividade política se torna simples feira de vaidades, mais cedo ou mais tarde o espaço público é tomado por mirones broncos, inconvenientes, instintivos, despeitados que podem varrer o terreiro num ápice, impondo retrocessos civilizacionais, autênticos poços sem fundo.
Nisto deveriam pensar os socialistas espanhóis, mas principalmente as gentes do Podemos e do Cidadãos, que abriram as portas a Abascal, também beneficiário da alergia à exuberância dos nacionalismos basco e catalão, numa Europa no fio da navalha, entre a pulverização que a aniquilará e a unidade que a pode salvar.
O nosso país não vai ficar imune ao fenómeno. A multiplicação de partidos é sinal de que as soluções serão cada vez mais difíceis, empurrando para alternativas autoritárias. Não seria a primeira vez a ouvirmos falar de “fado parlamentar”, da necessidade de moralizar a política ou de repor a ordem no país, proclamações que se sustentam nas aparências de um caos insidioso a tomar conta das nossas vidas, alimentadas pelo sensacionalismo mediático, mas principalmente pela displicência dos responsáveis políticos.
André Ventura também anunciou o crescimento vertiginoso do seu partido, porque sabe que espanhóis, alemães, polacos, húngaros, brasileiros, americanos ou portugueses, somos todos feitos da mesma massa e a vidinha de cada um vale mais que os destinos da humanidade.

Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste
Retirado de www.jornalnordeste.com

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Professor Doutor Adriano Moreira

Tivemos o grato prazer de entrevistar o Ex.mo Senhor Professor Adriano Moreira. A entrevista foi realizada no passado dia 19 de outubro, às 10:00 horas, na Pousada de São Bartolomeu.
Depois de alguns contactos repletos de simpatia e disponibilidade, conjugaram-se as vontades e as vidas dos diversos intervenientes e foi feita a entrevista.
Homem de grande cultura, assumidamente transmontano, deleitou-nos com a sua vivacidade e sentido de humor.

Obrigado Senhor Professor.
Maria e Marcolino Cepeda




História sobre as relações no tempo colonial vence I Prémio Adriano Moreira

António Trabulo tem 76 anos, é neurocirurgião aposentado e foi o vencedor da primeira edição.

António Trabulo foi o vencedor do I Prémio Literário da Lusofonia Professor Doutor Adriano Moreira, criado, em 2018, pelo Conselho de Curadores da Biblioteca Adriano Moreira, com o intuito de incentivar a criatividade literária e valorizar a língua oficial portuguesa.
Foram submetidas 45 candidaturas de trabalhos originais, 35 obras portuguesas, nove brasileiras e uma espanhola.
A história premiada é um conjunto de parábolas que expressam as relações entre brancos e negros desde a primeira guerra mundial até aos anos 90, em Angola. “É um livro estruturado sobre duas personagens essenciais, uma que é um pequeno diabo da tradição ganguela e é um espírito, e o outro é um padre do Espírito Santo e que foi para Angola para exercer a sua missão e para fazer o apostolado”, contou o vencedor acerca da sua obra.
Nasceu em Vila Nova de Foz Côa e tem 76 anos. Foi neurocirurgião e agora aposentado e decidiu dedicar-se à escrita a tempo inteiro. “Eu acho que já nasci com o gosto pela escrita”, salientou António Trabulo, que aos dez anos escreveu um conto para o Jornal ABC de Angola e publicou um livro quarenta anos depois. Já recebeu diversos prémios, metade fora de Portugal, cinco no Brasil e um na Argentina. No entanto, referiu que foi no seu país que ganhou prémios com “mais qualidade”, como o Prémio Literário da Lusofonia Professor Doutor Adriano Moreira. “Sinto-me muito orgulhoso, principalmente por ser um prémio com este significado”, afirmou, acrescentando que “representa um reconhecimento de um trabalho é duro”, uma vez que “a profissão de escritor leva à solidão”.
A autarquia de Bragança tem vindo apostar na escrita, não só “em termos originais”, mas na escrita “trabalhada” e com “investigação”. “Estamos perfeitamente convictos de que hoje iniciamos aqui um ciclo importante, no que tem a ver com o processo de promoção da língua portuguesa e, sendo uma língua falada por tantos milhões, pelo mundo fora, é necessário que continuemos a apostar na língua”, destacou o presidente da câmara brigantino, que avançou também que, em breve, vai ser apresentado um livro, mas ainda sem data marcada.
O I Prémio Literário da Lusofonia Professor Doutor Adriano foi atribuído na sexta-feira, no Teatro Municipal de Bragança. A distinção é atribuída apenas de dois em dois anos.


Retirado de www.jornalnordeste.com



quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Meu pai, meu herói

             

- Não filha. A vida não é assim, como vês nos filmes românticos. É mais complicada, muito mais… mais áspera, mais ressequida…
“Custa-me dizer-te isto filhota, mas tenho de te preparar para o bem e para o mal. Vê os teus irmãos, tão pequenos ainda, a tua mãe tão batalhadora, tão preocupada, com tantas saudades da sua mãe…”
“A vida minha querida, é mais do que tu imaginas nesta tua ingenuidade de menina. Quisera ter o poder de vos limar todas as arestas, todas as esquinas. Não tenho filha. Não consigo." 
"É superando todas as adversidades que nos tornamos mais fortes, melhores pessoas, predestinados a cumprir o nosso destino.”
“As tuas dúvidas, as mais básicas, serei capaz de tas tirar. As outras, só Deus e tu conseguirão resolver. Estou sempre contigo e para ti, para os teus irmãos, para a tua mãe e para todos aqueles que precisarem de mim.”

- Ó Zé, são horas de ir dormir homem! Daqui a pouco tens de te levantar para ir trabalhar. Deixa lá a garota. Quanto tendes que dizer! Vá filha, vai dormir! Depois não descansas o suficiente.

Era sempre assim a seguir ao jantar, quando o meu pai conseguia jantar connosco. Ficávamos sentados à mesa da cozinha enquanto a minha mãe arrumava tudo. Os meus irmãos, passado algum tempo, iam brincar para a sala e eu e o meu pai continuávamos a conversar sobre tudo.

O meu pai era o meu herói incontestável e incontestado. Tudo o que ele me dizia ou ensinava fazia sentido. Menina ainda, conseguia assimilar o que ele, na sua sabedoria, me ia ensinando, calmamente, serenamente, num tom de voz tranquilo e baixo. E quanto mais baixo era o tom da sua voz, mais importante era o que ele tinha para me dizer.

Às vezes zangava-se comigo como é natural. Fazia tontices como todas as crianças e era muito teimosa. A palavra que mais facilmente saía da minha boca era “não”. Tinha o não na pontinha da língua, sempre pronto. No entanto, depois de dizer que não, assumia sempre o sim e fazia o que me mandavam fazer. Era refilona, contestatária.

O olhar do meu pai era como mel. Quando olhava para nós, derretia-se em ternura e orgulho paternal. Perdoava-nos sempre todos os erros e ensinava-nos a corrigi-los com palavras serenas e exemplos vividos.

Era assim o nosso pai. Era assim o meu herói. Faleceu no dia 27 de julho aos 87 anos, depois de doença prolongada. 
A vida, por vezes, é injusta. O sofrimento é o inferno na Terra. Ninguém merece sofrer, mas há alguns que merecem menos. O meu pai era uma dessas pessoas. Toda a vida ajudou os outros, toda a vida se deu a quem dele necessitou.
Para a minha mãe foi o primeiro e único amor, o amigo, o abraço, a ternura, a compreensão e o complemento perfeito de sua alma gémea.
Para nós, filhos, foi o exemplo, o carinho, o amor, a mão estendida, o olhar doce, o sorriso malandro, o humor inteligente, a honestidade, o respeito, a brincadeira e a seriedade...


Maria Cepeda

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Exaustão

Tão cansada
tão
que não sei se sim ou não
são advérbios de afirmação
ou negação

Tão, tão, tão…
Não bate a chuva no chão
Ou será plin, pling, plin?

Ou vento, ou erosão?
Pling, pling, tão…
Advérbio de negação…

Plin, pling, plingão…
Sim ou não…

Maria Cepeda