quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Meu pai, meu herói

             

- Não filha. A vida não é assim, como vês nos filmes românticos. É mais complicada, muito mais… mais áspera, mais ressequida…
“Custa-me dizer-te isto filhota, mas tenho de te preparar para o bem e para o mal. Vê os teus irmãos, tão pequenos ainda, a tua mãe tão batalhadora, tão preocupada, com tantas saudades da sua mãe…”
“A vida minha querida, é mais do que tu imaginas nesta tua ingenuidade de menina. Quisera ter o poder de vos limar todas as arestas, todas as esquinas. Não tenho filha. Não consigo." 
"É superando todas as adversidades que nos tornamos mais fortes, melhores pessoas, predestinados a cumprir o nosso destino.”
“As tuas dúvidas, as mais básicas, serei capaz de tas tirar. As outras, só Deus e tu conseguirão resolver. Estou sempre contigo e para ti, para os teus irmãos, para a tua mãe e para todos aqueles que precisarem de mim.”

- Ó Zé, são horas de ir dormir homem! Daqui a pouco tens de te levantar para ir trabalhar. Deixa lá a garota. Quanto tendes que dizer! Vá filha, vai dormir! Depois não descansas o suficiente.

Era sempre assim a seguir ao jantar, quando o meu pai conseguia jantar connosco. Ficávamos sentados à mesa da cozinha enquanto a minha mãe arrumava tudo. Os meus irmãos, passado algum tempo, iam brincar para a sala e eu e o meu pai continuávamos a conversar sobre tudo.

O meu pai era o meu herói incontestável e incontestado. Tudo o que ele me dizia ou ensinava fazia sentido. Menina ainda, conseguia assimilar o que ele, na sua sabedoria, me ia ensinando, calmamente, serenamente, num tom de voz tranquilo e baixo. E quanto mais baixo era o tom da sua voz, mais importante era o que ele tinha para me dizer.

Às vezes zangava-se comigo como é natural. Fazia tontices como todas as crianças e era muito teimosa. A palavra que mais facilmente saía da minha boca era “não”. Tinha o não na pontinha da língua, sempre pronto. No entanto, depois de dizer que não, assumia sempre o sim e fazia o que me mandavam fazer. Era refilona, contestatária.

O olhar do meu pai era como mel. Quando olhava para nós, derretia-se em ternura e orgulho paternal. Perdoava-nos sempre todos os erros e ensinava-nos a corrigi-los com palavras serenas e exemplos vividos.

Era assim o nosso pai. Era assim o meu herói. Faleceu no dia 27 de julho aos 87 anos, depois de doença prolongada. 
A vida, por vezes, é injusta. O sofrimento é o inferno na Terra. Ninguém merece sofrer, mas há alguns que merecem menos. O meu pai era uma dessas pessoas. Toda a vida ajudou os outros, toda a vida se deu a quem dele necessitou.
Para a minha mãe foi o primeiro e único amor, o amigo, o abraço, a ternura, a compreensão e o complemento perfeito de sua alma gémea.
Para nós, filhos, foi o exemplo, o carinho, o amor, a mão estendida, o olhar doce, o sorriso malandro, o humor inteligente, a honestidade, o respeito, a brincadeira e a seriedade...


Maria Cepeda

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