Maria Cepeda (M.C.): Estamos hoje, 13/01/2025, numa das salas do
Centro de Fotografia Georges Dussaud para entrevistar o Dr. Fernando Calado,
professor aposentado, jornalista, escritor, entre muitas outras atividades.
"O Centro de Fotografia Georges Dussaud,
inaugurado em 2013, ocupa todo o primeiro andar do edifício Paulo Quintela. A
já vasta coleção do centro integra fotografias oferecidas pelo fotógrafo
francês resultantes de trabalhos realizados a solicitação do Município de
Bragança, na sua totalidade a preto e branco. Este acervo fotográfico conta com
retratos, de onde sobressaem histórias de vida, povoadas de homens, mulheres e
crianças, mas também de lugares, de olhares, de gestos, de instantes
irrepetíveis registados a cada rigoroso disparo da máquina fotográfica. O
centro possui um espaço para a realização de exposições temporárias de fotografia." (Retirado do site da Câmara Municipal de Bragança".
Cabe-nos agradecer, à Câmara
Municipal de Bragança, a cedência do espaço na pessoa do Dr. Alexandre.
Boa tarde Dr. Fernando Calado.
Antes de mais, deixe-nos dizer que é para nós uma honra tê-lo cá.
Agradecemos-lhe por ter aceitado dar-nos esta entrevista.
Dr. Fernando Calado (F.C.): Eu lembro-lhe que o Marcolino é um amigo de sempre e, portanto, está sempre no meu imaginário. Eu manifesto os meus agradecimentos à Mara e ao Marcolino. Portanto, é uma honra para mim ter esta entrevista.
(M.C.): Obrigado. Vou apenas apresentar os seus dados biográficos e depois avançamos para as perguntas.
Fernando do Nascimento Rodrigues
Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela
Universidade do Porto, tendo cursado Doutoramento em Sociologia. É Professor
aposentado de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal, em Bragança, e foi
ainda docente na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean
Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos
Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e Diretor do Centro de
Formação Profissional do IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional),
em Bragança.
Publicou com assiduidade artigos
de opinião e literários em vários jornais e revistas, e participou em programas
de rádio. Realizou diversas palestras, conferências e ações de formação. Foi
diretor e proprietário da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.
Obras publicadas
Poesia: Verdes de Sangue –
1973; Teatro: A última esperança – 1990; Coordenação de Biografias:
O Bispo da Catedral – 2002; 50 anos de Jornalista – 2002; Prosa: O dito
e o feito – 1996; Há homens atrás dos montes – 1998; E já não havia rosas –
2014; O Milagre de Bragança – 2015; Quando as mães saíram à rua – 2016; Foste-me
embora – 2017; Pão Centeio – 2017; A Sacerdotisa da Irmandade – 2019; Quarenta
noites – 2021; José Jorge - 2023; O pequeno mundo da nossa taberna – 2024.
Tradução para Castelhano - El Milagro de Bragança - 2018.
1º Prémio Adriano Moreira – Casa de Trás-os-Montes – Lisboa.
“José Jorge” foi galardoado com o
prémio literário Adriano Moreira – pela Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro
(M.C.): Avancemos, então, com a nossa
primeira pergunta. Nasceu na aldeia de Milhão, concelho de Bragança. Que
recordações guarda da sua meninice e da sua juventude?
Dr. Fernando Calado (F.C.): Nascer em Milhão foi um privilégio. Sou filho de uma ninhada de seis, o mais novo, o que significa que fui mimado por todos os irmãos, que de alguma forma eram, também, protetores. Além disso, o meu pai tinha um estabelecimento comercial chamado Soto, Soto das Aldeias, por onde passava toda a aldeia.
Ora bem, isso deu-me algum privilégio no meio da garotada da minha idade em Milhão, que me apoiavam, me estimavam e que me ofereceram, ao fim e ao cabo, entre a agricultura, entre as memórias dos aldeãos, entre os mitos dos dias lentos, entre os responsáveis pelo conceito, entre a religião que é poderosa, ainda, nas nossas aldeias, todas essas recordações.
Portanto, isso era para mim o
protótipo do aldeão transmontano com todas as alegrias, tristezas, festas,
lutos, todo o imaginário transmontano que eu adquiri no seio de uma
família tradicional, profundamente religiosa, temente a Deus, e
daí o debate que é desenvolvido nesse ambiente.
A minha educação escolar foi feita
essencialmente pelas minhas irmãs que eram professoras do ensino primário.
O que me permitia também ter alguma relevância no meio da comunidade
escolar, porque era irmão da senhora professora, embora que para as minhas
irmãs não tivesse privilégio nenhum, porque eu era dos mais
castigados, porque tinha que ser o melhor aluno.
Esse facto tornou-me um bom
estudante no primeiro ciclo, até que vim para o liceu de Bragança, onde
iniciei o primeiro ano do liceu logo como
“adulto”. Porquê? Vindo de uma educação repressiva, deparei-me
com toda a liberdade, a mata de São Sebastião aqui tão perto, as
companhias, os matraquilhos no Almeida, o café, o quiosque onde
vendiam cigarros a tostão. Portanto, tudo isso fez-me um jovem
adolescente.
(M.C.): Quer dizer então, que saiu de Milhão, daquele ambiente
protegido e aqui soltou-se… (Risos)
(F.C.): Tive, de facto, a grande necessidade de tudo aquilo que
tinha que acontecer. Daí, de facto, os meus pais viram que esse não era o
caminho.
Felizmente tinha um primo, Nuno
Galvão, poeta, que frequentava o seminário, que morreu na Guerra Colonial em
Moçambique, que veio com os irmãos para o seminário onde se lia muito,
se estudava muito, onde se era padre, que depois dava um estatuto muito
elevado. Entretanto, abandonei o seminário, abandonei o liceu logo no
segundo ano e fui para o seminário onde fiz toda a minha formação
humanística e filosófica mais tarde.
Portanto, a minha juventude, de
facto, desenrolou-se depois num ambiente escolástico, num seminário ainda muito
do Conselho de Trento, muito conservador, até que houve, já no sétimo
ano, a abertura dos seminários, com a vinda do Dr. Sobrinho e do Dr.
Pinela, de Roma, que abriram muito o seminários e a maior parte dos
seminaristas decidiram ir para a faculdade e, no meu caso, para a faculdade
Filosofia.
(M.C.): Muito bem. Teve um percurso muito interessante. Passemos,
então, para a segunda pergunta. De que forma o facto de ter nascido na nossa
região o marcou?
(F.C.): Marcou-me, sobretudo, no aspecto dos valores. Nas
nossas aldeias, na minha infância, utilizava-se muito a palavra dada. O
respeito pelos idosos, a aprendizagem com os idosos. Quer dizer, ainda não
havia grande conflito de gerações no meu tempo. O jovem tinha que entender
que estava em aprendizagem e aprendia com os mais velhos. E o respeito que
se tinha... Para os mais velhos.
A minha mãe dizia muitas vezes, ou
estudas, ou vais aprender a ter a profissão do teu tio, sapateiro que também é uma profissão honrada, mas que não oferece o
privilégio de estudar e poder ascender no âmbito da mobilidade
social. Porque atualmente a escola dá uma grande mobilidade social, daí a
conflitualidade que há entre os jovens e os seus pais, muitas vezes. Porque
a escola projeta-te num nível social, muito rapidamente, quanto ao que me
aconteceu no passado, em que o jovem aprendia com os mais velhos. E que a comunidade não proibisse.
(M.C.): Que papel desempenhou o jornal “O Mensageiro de Bragança”,
na sua juventude?
(F.C.): O Mensageiro de Bragança foi o meu escudo. Para mim, houve muitas pessoas que me marcaram. Entre elas, Carlos Pires, Marcolino Cepeda, Ernesto Rodrigues, já numa fase posterior; Mário Leite, Teófilo Vaz. Foram pessoas que marcaram a minha vida académica pela positiva. Constituiu-se, sobretudo, um grupo académico de discussão da cidade, de valorização do património, e, sobretudo, do gosto pela escrita e pela leitura. Se não tivessem sido, se calhar, o Carlos Pires, o Marcolino Cepeda, o Padre Sampaio, eu hoje não seria a pessoa que sou em termos literários e em termos de valorização do nosso património.
Continua...
P. S.: Esta entrevista foi realizada, como acima está exposto, no dia 13 do corrente mês.
Mara e Marcolino Cepeda
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