quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Entrevista Doutora Susana Maria Salgado Pires

Entrevista de hoje com Doutora Susana Maria Salgado Pires, 28 anos, natural de Bragança, licenciada em microbiologia pela Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa. Em 2002 foi um dos elementos seleccionados para o Programa Nove Contacto Estágios Internacionais de Jovens Quadros sendo a entidade gestora do programa a ICEP Portugal, através do qual passou um ano no Instituto de Genoma da Empresa de Biotecnologia Novartis em San Diego, Estados Unidos da América e do qual resultou a publicação de um artigo científico na Revista Science. A partir de 2003 até 2007 frequentou o Programa de Doutoramento Graduado em Áreas da Biologia Básica e Aplicada (ABBA), organizado pela Universidade do Porto, Faculdade de Ciência e Medicina, Instituto Biomédico Abel Salazar. A sua tese visa dar continuidade ao trabalho desenvolvido nos Estados Unidos da América, Estrutura e Função da Melanopsina. A melanopsina é uma proteína que permite distinguir o dia da noite num ciclo de 24 horas. Neste momento encontra-se em Oxford University, Oxford, Reino Unido.

Nasceu em Bragança há 28 anos. Que recordações guarda da sua infância?

Imensas e que afectam sem dúvida, a pessoa que sou. Eu passei a maior parte da minha vida em Bragança até ingressar na universidade. Usufruí, ao máximo, daquilo que a cidade e a região me tinham para dar. Muita gente, ainda hoje fica surpreendida com o facto de eu saber fazer coisas, como abrir um frango ou plantar uma planta, coisas desse género. As pessoas ficam extremamente surpreendidas e eu devo isso à minha infância um pouco rural. Apesar de viver em Bragança a minha mãe tem casa na aldeia e eu tirei o máximo proveito da minha infância em Trás-os-Montes. Gosto imenso de Trás-os-Montes. Ainda hoje, cada vez que passo o Marão, o meu semblante muda. Aproveitei outras coisas que a cidade tinha para me dar, fiz aulas de ballet, fiz aulas de pino, ginástica, passeei com os meus amigos, corri na rua… coisas que hoje muitas crianças não podem aspirar fazer. Eu posso dizer que fui mais influenciada na minha personalidade pela infância que passei aqui do que depois pela formação académica, creio eu e com orgulho.

Fale-nos brevemente da sua vida de estudante.

Eu fui para o Porto para a Universidade Católica por um acidente de percurso, porque não me foi possível, num ano de muitas transformações e reformas educativas, ingressar no ensino público nos cursos que eu queria e dos quais não quis abrir mão. Fui para a Católica e foi uma agradabilíssima surpresa. É um curso extremamente aplicado com muita qualidade de ensino que, ainda hoje, eu admiro apesar de estar numa universidade internacionalmente com mais renome. Admiro a formação que tive na Católica e despertou-me o gosto por fazer as coisas, mais do que aprender nos livros, por fazer experiências, por fazer investigação, por me questionar mais do que decorar. Sem dúvida, despertou o meu interesse por descobrir por mim própria, coisas novas. Quando acabei a minha formação universitária experimentei trabalhar e foi uma experiência óptima. Mostrou-me como é a vida real, como trabalham 99% dos portugueses, mas faltava-me qualquer coisa. Sentia que aos 21, 22 anos estava a estagnar e que não era isso que eu queria. Apesar de ter tido um percurso diferente daquele que eu tinha desejado para mim, que como se costuma dizer: “Deus escreve direito por linhas tortas.” e acabou por me encaminhar para uma área que tem muito mais a ver com a minha personalidade.

Depois de acabar a licenciatura em Biotecnologia foi selecionada pelo Programa Contacto. Fale-nos dessa experiência.

O Programa Contacto é uma pena que não seja mais divulgado e é para isso que nós estamos aqui. É um programa do ICEP que envia jovens quadros licenciados portugueses para o estrangeiro para adquirirem conhecimentos, regressando ao país, por exemplo, para ajudar empresas portuguesas em vias de internacionalização ou já em processo de internacionalização. Como infelizmente não temos muitas empresas de biotecnologia em Portugal, eles enviam mesmo assim jovens quadros na área da biotecnologia para que estejam formados. Quando tivermos empresas de biotecnologia dignas desse nome preparadas para se expandir para o estrangeiro, já existirão no nosso país, pessoas prontas para dar apoio a essas empresas que saibam de biotecnologia, ciências e até um bocadinho de gestão. O Programa Contacto começa com um curso full time de duas semanas em gestão internacional. Tive as minhas primeiras noções de gestão nesse curso, em que se aborda, não só gestão mas também linguística, história de Portugal… É um curso extremamente complexo e completo com nomes de renome, comentadores políticos que toda a gente conhece, ex-primeiros ministros etc… De facto somos preparados para ir lá para fora para dar uma boa imagem de Portugal, adquirir o maior número de informação e a ideia é regressar a Portugal para aplicar esses conhecimentos. No meu caso não foi possível porque como disse estamos um pouco à frente do nosso tempo nesse sentido ainda não há empresas onde eu possa aplicar os conhecimentos que adquiri nos Estados Unidos pelo que decidi prolongar a minha formação e continuar para doutoramento.

A publicação desse estudo da Revista Science que foi mencionado no jornal Público abriu-lhe algumas portas?

Sim muitas. Por isso mesmo é mencionado no Público. De outra forma não seria. A Revista Science juntamente com a Revista Nature são as revistas de maior impacto em ciência. Eu tive a sorte de, quando cheguei aos Estados Unidos, apanhar este estudo numa fase muito interessante. Nós estamos a fazer experiências em ratinhos. É a fase final de provar que uma hipótese que nós tínhamos no papel, de facto, tinha um efeito num organismo vivo, num mamífero que não é tão diferente de nós assim. Foi-me dada a responsabilidade de fazer uma série de experiências extremamente interessantes e bem concebidas e tivemos um resultado muito bom e importante nessa área e foi então publicado. Na minha área, uma publicação numa revista como a Science, abre mais as portas. Põe no papel uma informação que vai mudar aquela área e que é tida como certa e há um grande reconhecimento para o grupo que publica nesta revista. No meu caso quando eu concorri para o Programa GABBA reconhecerem que as experiências que eu tinha feito eram interessantes e que merecia a hipótese de ter uma bolsa de doutoramento portuguesa e assim foi. Estou na Universidade Oxford com uma bolsa portuguesa. Agradeço imenso ao meu país ter investido em mim nesse aspecto. Espero não desapontar quem me escolheu para este programa.

Um dia colherão frutos desse investimento…

Eu farei os possíveis. Aliás eu gosto imenso de estar lá fora mas um dia tenho planeado e desejo voltar a Portugal se o país estiver pronto para me dar uma oportunidade na minha área. De outra forma não fará sentido, depois de estar a investir tanto na minha formação, regressar para fazer uma coisa que não estimule o meu interesse e me motive.

Foi difícil viver nos Estados Unidos?

Foi um pouco, como é difícil viver noutro país que não o nosso. Lá fora é muito interessante, é muito divertido quando se está de férias, mas quando se vive nós somos completamente uns estranhos. Por melhor integrados que estejamos, ser um emigrante é não pertencer àquele país. No meu caso, acho que me adaptei facilmente em todos os aspectos excepto as saudades que é uma palavra que como só existe em português. Só nós compreendemos. Fui muito bem recebida. Tive uma óptima relação com os meus colegas, no entanto, de vez em quando, faziam-me lembrar que eu não pertencia ali. Obviamente lá é muito difícil, muito competitivo, muitas diferenças entre europeus e americanos. Aparentemente somos iguais, mas parece que evoluímos em planetas diferentes e se quiser eu conto uma história para exemplificar isto. É uma história que eu lembro com carinho: o meu orientador era indiano. Um indiano que foi para os Estados Unidos e fez imenso sucesso. Não tem de dar provas a ninguém. É mais do que reconhecido na minha área. Cheguei a este grupo em que tinha um chefe americano, este chefe indiano e mais dois pares de óculos e eu, que na prática, era a única pessoa a trabalhar na bancada, apesar de ser um grupo que produz imensos resultados, foi-me dado um canto da bancada, aproximadamente 70 cm onde eu podia por os meus materiais e trabalhar mas, ao fim de um tempo, constatei que sendo a única pessoa a fazer experiências em várias áreas eu podia ter um resultado das experiências de um lado e expandir pelo resto da bancada para fazer, para trabalhar com outras coisas, tecido, etc. Acontece que passado três meses o meu chefe decidiu trabalhar na bancada e viu que eu tinha tomado conta de toda a bancada, não com má intenção, porque o trabalho era para todos, mas ele olhou para mim, olhou para a bancada e exclamou: ”Susana, tu és mesmo portuguesa! Eu como indiano dei-te um bocadinho de território e tu conquistaste a bancada inteira.” Eu achei graça porque ele fez questão de me relembrar que como portuguesa há coisas que nunca mudam e que eles estrangeiros estão sempre atentos para detectar as nossas pequenas características.

Em última instância, que vantagens traz o Programa Contacto para Portugal?

Traz vantagens. É uma pena que os portugueses, em geral, não reconheçam. Às vezes vêem-se gestores de topo, portugueses de sucesso lá fora e é uma pena que as pessoas não saibam que esses portugueses foram ex contactos. Nós todos fazemos parte de uma net work que se chama net work contacto em que ex contactos têm uma oportunidade de emprego difundem pelos seus colegas. Eu tenho uma noção de quantos ex contactos estão espalhados por aí e alguns deles com muito sucesso. O Contacto leva o bom nome dos profissionais e dos jovens portugueses lá para fora o que, em tempo de tanto pessimismo, é extremamente importante que as pessoas saibam que os portugueses não são só cheios de defeitos, não há só portugueses pouco produtivos e que se reconheça lá fora que Portugal não é um país assim tão pequeno, assim tão subdesenvolvido, assim tão pobre, informações que por vezes passam de uma forma um pouco exagerada. Tem, também, a vantagem, não só, de passar essa imagem de Portugal lá para fora mas de também trazer para dentro pessoas com uma mentalidade diferente. Uma mentalidade mais aberta, que pensa em termos mais globais, que sabem gerir uma empresa tal como se faz lá fora. Num período em que as empresas são maioritariamente multinacionais, já não são só portuguesas, inglesas, francesas, as empresas que hoje competem a nível mundial. É importante que as pessoas tenham essa noção e que não giram as empresas de uma forma familiar e como se fossem um pequeno negócio. Eu acho que tem vantagem quer em termos de pessoas que vão lá para fora quer em termos de pessoas que voltam cá para dentro.

Porque deixou os Estados Unidos da América?

Eu podia ter continuado lá. Tinha essa oportunidade e tudo correu bem na minha experiência. Não tinha razão para regressar mas voltei porque não me identificava com muitas das coisas do estilo de vida norte-americano. Com certeza irei lá, aliás já fui várias vezes de férias e para congressos mas, fisicamente, é cansativo, extremamente longe. Não consigo desligar de todo das minhas raízes europeias mas, sobretudo portuguesas. Agora, sempre que posso, volto cá, coisa que me era impossível em San Diego porque demorava cerca de vinte e duas horas a voar para Portugal mas também porque acho que eu devo vir para cá para construir alguma coisa que seja útil aqui. Nos Estados Unidos há imensas pessoas, não só americanas mas de outros países com muitos recursos, muito dinheiro para investigar e já que eu tenho uma bolsa portuguesa penso que devo aplicá-la na Europa contribuir para o desenvolvimento da ciência na Europa. É a minha pequena contribuição, ínfima mas é de boa vontade e também para estar mais perto de, eventualmente surgir uma oportunidade interessante em Portugal, estarei mais integrada. Vou tendo os meus contactos, não só profissionais mas também pessoais. É importante continuar em contacto com a minha família com os meus amigos, vir cá sempre que posso.

Existe uma diferença assim tão grande da cultura europeia para a cultura americana?

Enorme. Na minha opinião é enorme e as pessoas que vão de férias não têm essa percepção. Os americanos são extremamente simpáticos, muito afectuosos mas é tudo diferente em termos de valores, em termos de hábitos. Eu penso que na Europa se aceita muito melhor a diversidade, diferentes maneiras de pensar... Acho que não sou uma pessoa que sobressaia por ser extremamente diferente ou ter uma maneira de pensar extremamente diferente mas lá, sem dúvida, a observação mais simples é completamente diferente daquela que os nossos colegas aceitam como sendo a normal no povo americano. Sinto-me muito mais integrada aqui. Para mim é mais fácil e sou mais feliz na Europa. Já digo na Europa porque acho que os europeus são todos bastante parecidos se compararmos com os americanos.

Fale-nos do trabalho que desenvolve neste momento em Oxford.

O trabalho que eu faço neste momento em Oxford, como disse na introdução, é um pouco complementar do trabalho que eu comecei em San Diego. Como sabe, é do senso comum. O dia tem um ciclo de vinte e quatro horas em que várias coisas mudam. Então, ciclicamente, a temperatura, a humidade, a luminosidade muda e os organismos evoluíram no sentido de se adaptarem a essa mudança. Não faria sentido termos um comportamento aleatório porque, na natureza, certos animais caçam a certas horas, até sazonalmente, certos animais hibernam a dadas alturas do ano e então é preciso que o nosso comportamento esteja de certa forma organizado para que certos organismos coabitem um determinado período de tempo e também porque dormir é essencial para a vida animal. É preciso que, para que as coisas funcionem de forma organizada, esse ato de dormir seja de alguma forma previsível e cíclico. O que nós estamos a fazer em concreto é estudar como é que o organismo percebe, num ciclo de vinte e quatro horas, em que hora exactamente está e de que forma é que deve ligar ou desligar certos genes ou todos os genes praticamente para regular a fisiologia. Pondo as coisas de uma forma muito simples, por exemplo, a antecipação do acto de acordar. O organismo precisa de ligar certos genes e desligar outros para que os batimentos cardíacos aumentem ligeiramente, a tenção arterial suba ligeiramente, o fígado, quem diz o fígado, outros órgãos, a produzir determinadas coisas para se preparar para a digestão, para a primeira refeição do dia etc., etc., etc. Há vários processos de antecipação para o acordar, assim como há para o deitar. Então, o que nós estudamos é como é que o organismo sabe como regular a fisiologia no geral no sentido de antecipar as mudanças do dia-a-dia. Até aqui pensava-se que era dependente da visão. Nós vemos que é dia, ou que vai escurecer e preparamo-nos para ir dormir mas é mais complexo que isso. É sem dúvida a luz, o input que informa o organismo como se regular no ciclo de um dia e essa informação é dada através do olho, mas não através do sistema de visão. Há um sistema foto receptor dedicado para este fim. Nós sabemos por exemplo, que uma pessoa cega com uma deslocação da retina, que afecta só uma dada parte da retina dos foto receptores clássicos, cones e bastonetes, consegue perceber se é dia ou se é noite. À escala laboratorial, e foi o estudo que eu fiz nos Estados Unidos, um ratinho que seja cego com este tipo de cegueira se nós o submetermos a um feixe de luz no olho ele contrai a pupila o que quer dizer que ele consegue ver luz embora seja cego. Não consegue perceber como uma imagem mas consegue saber se é dia ou se é noite. Isto levou a que por volta do ano 2000 fosse descoberto um outro sistema que existe no olho só para perceber luz e é exactamente esse sistema que está localizado em algumas células da retina que eu estou a estudar. Nessas células é produzida uma proteína chamada monopsina que funciona neste momento. É a única função conhecida como foto receptor no olho. Se nós, a esses ratinhos, tirarmos, não só os foto receptores clássicos mas também a monopsina, eles ficam completamente incapazes de distinguir se é dia ou se é noite, dormem aleatoriamente, ou dormem à hora errada do dia se assim se pode dizer e funcionam de acordo com o seu relógio biológico interno que não está alinhado com o tempo exterior porque estes ratinhos não conseguem saber qual é o nível de luz cá fora e como é que se devem adaptar ao dia real, ao dia solar.

E se tiver sempre luz?

Se tiver sempre luz no caso dos ratinhos eles são organismos nocturnos vão estar sempre a dormir, acordam eventualmente para comer, para beber mas têm tendência a estar a dormir, isto nos primeiros dias. Passado esse choque de não terem a regulação luz/escuridão eles vão fazer uma coisa que se chama, em inglês, correr livremente. Isto é: vão ser regulados apenas pelo seu relógio interno, porque nós temos um ciclo interno ditado pelo relógio biológico que é uma pequenina parte do cérebro chamada núcleo supra plasmático que tem um ciclo de aproximadamente vinte e quatro horas. No ser humano é ligeiramente superior a vinte e quatro horas. O que quer dizer que se nós não tivéssemos esta informação da menopsina o que ia acontecer era que nós como temos um dia ligeiramente superior a 24 horas, íamos ter um dia mais longo e cada dia íamos dormir mais tarde progressivamente portanto, eventualmente, íamos à volta do relógio, íamos deixar de ir dormir todos os dias à mesma hora e indo dormir cada dia mais tarde íamos acabar por dormir quando as outras pessoas estavam a acordar.

Qual a importância desta descoberta para o mundo?

Esta descoberta é uma pequena descoberta num campo que é vastíssimo e nós continuamos a trabalhar nele mas, sem dúvida, foi uma descoberta que é um ponto de viragem nesta área, mas que tem diversas aplicações quer no reino animal, animais irracionais, quer em termos de farmacologia, aplicações para o homem. Hoje em dia que é tão fácil viajar, o problema do jet lag é um problema muito sério do jet lag real, pessoas que viajam constantemente entre Nova Iorque, Paris; Paris e Tóquio que precisam de estar alerta o mais rapidamente possível para reuniões etc., não se podem dar ao luxo de ficar no hotel dois dias a recuperar do seu jet lag. Conhecer este sistema é extremamente importante no sentido de usá-lo como um alvo para um fármaco que ajude as pessoas a alinharem com o tempo local tão rápido quanto possível. É também importante para pessoas que trabalham em jet lag social, isto às pessoas que trabalham num turno nocturno constantemente ou pessoas que trabalham no turno nocturno e no turno diurno aleatoriamente. Pessoas que trabalham em plataformas de petróleo que precisam de estar extremamente concentradas e, se de facto não estão alinhadas com o trabalhar num turno noturno, estão muito mais propensas a sofrer acidentes etc., mas também no reino animal, aplicações tão simples como quando se transporta pandas da China para um zoológico, foi o exemplo que está no artigo do Público para Londres que tem um ciclo dia/noite diferente, os animais tendem a não procriar ou é mais difícil porque eles detectam que estão num sítio diferente. Pensam que estão numa estação do ano diferente e então era extremamente útil e interessante poder utilizar isto para alinhar os seres vivos, sejam eles quais forem, ao sítio onde estão sem stresse, sem sofrimento, sem jet lag etc. Já para não falar em pessoas, por exemplo, cegas em que não tendo olhos, suponhamos, não têm a mínima percepção em como alinhar a sua fisiologia e, nesse caso, seria extremamente importante poder-lhes ser administrado um fármaco que as ajudasse a simular essa input de luz que iria alinhá-los com o tempo externo. Tem variadíssimas aplicações das mais importantes às mais práticas.

O certo é que é uma panóplia de bons resultados para a ciência e que pode trazer uma nova luz a quem não vê.

Eu julgo que sim. Agora resumiu perfeitamente as nossas expectativas em relação a esta área. Há muitas movimentações e toda a gente acha esta descoberta interessante. Eu penso que tem bastante potencial. Do meu ponto de vista já está a dar-me imenso prazer trabalhar nisto mas estou muito optimista em relação às aplicações futuras desta área.

Depois de acabar o doutoramento pretende voltar para Portugal?

Essa é uma pergunta complicada… Pergunto a mim própria todas as semanas, mas eu penso que sim. Não imediatamente. Talvez a minha área no nosso país ainda não esteja pronta para nos receber. Não digo a mim mas a todos os meus colegas que trabalham lá fora nesta área. Eu quero regressar a Portugal mas não numa situação de desespero, na situação em que vejo alguns colegas meus de ficarem em casa sentindo-se extremamente frustrados depois de anos e anos a investir na carreira académica. Eu quero voltar mas com algo interessante para fazer. Os meus planos imediatos são acabar o doutoramento que já de si será uma missão herculiana, arranjar um trabalho lá fora eu seja interessante, remunerado, coisa que às vezes em Portugal não existe e, depois, calmamente procurar algo que me satisfaça, que me motive em Portugal e aí sim voltar. Mas a resposta é clara. Claro que quero voltar um dia.

Quais as principais diferenças que encontrou ao nível do ensino superior nos Estados Unidos da América e em Inglaterra comparativamente com Portugal.

Eu só tive essa percepção das diferenças quando fui lá para fora, se bem que já tinha a noção de que cá era bastante bom. Eu tive bastante mais prazer em fazer o meu curso na universidade do que tive por exemplo no secundário ou no preparatório. É uma fase que nós temos que passar mas faz-se com mais gosto na universidade quando os cursos são bons e tinha a ideia que, de facto, tínhamos uma boa preparação nas nossas universidades. Quando cheguei lá fora, eu não posso exactamente precisar, em relação a licenciaturas na universidade mas sei que são bastante mais curtas do que aqui e sei também que agora com o Processo de Bolonha é certo que os cursos serão uniformizados na Europa toda. Se me pergunta se estou de acordo, julgo que não porque durante um curso todo eu não aprendi nem metade daquilo que eu gostaria de aprender e ficamos com uma ideia um tanto ou quanto superficial. Sabemos um bocadinho de várias coisas, mas não temos tempo para aprofundar mais coisas que seria importante aprofundar. Lá fora, os cursos são muito mais curtos mas motiva-se mais as pessoas a fazerem o estudo pós graduado, fazer o mestrado, fazer doutoramento. No nosso caso nós temos uma formação mais sólida em termos de curso, licenciatura se ficarmos por aí acho que estamos bem preparados para continuar, não temos a necessidade que há lá fora. Todos nós fazermos o mestrado. Eu aprecio bastante o modelo que nós tínhamos em Portugal que agora vai mudar. Vamos ver como irá resultar. Lá fora investe-se bastante no estudo pós graduado, muito mais pessoas fazem mestrado, várias pessoas fazem doutoramento. Antes de estar em Oxford, estive no IPO COLLEGE onde a preparação era bastante boa. Em Oxford estou espantada porque achava que a Universidade de Oxford era um bocadinho um cliché, mas não, é extremamente exigente. A qualidade é muito boa mas o nível também é muito elevado. Eu acho que fazer um mestrado ou um doutoramento em Oxford que é uma universidade de renome, mas exige muito das pessoas. Julgo que talvez em Portugal tenhamos óptimas universidades, bons programas de doutoramento mas estamos a um nível de exigência diferente, o nível de exigência requerido para a nossa realidade não é tão exigente. Lá fora é bastante difícil. O nível de exigência é grande. Penso que isso é bom. Acho que o facilitismo não é algo que devamos desejar. O facilitismo não nos faz dar o nosso melhor, faz-nos dar o suficiente para conseguir o nosso grau. Em termos de licenciatura é bastante bom cá mas, em termos de pós graduado, talvez devesse ser um pouquinho mais exigente.

E a nível da investigação?

A investigação que se faz em Portugal é, surpreendentemente, boa. Os poucos sítios em que se faz investigação a nível internacional, talvez já não sejam assim tão poucos e com o dinheiro de que nós dispomos, a investigação é bastante boa. As pessoas que estão lá fora, os portugueses que estão lá fora têm muito bom nome. São apreciados, têm muito bom nome, são tidos como trabalhadores. Há muito boas pessoas lá fora. É uma pena que, por exemplo, muitas vezes tenha de se fazer o doutoramento exclusivamente no estrangeiro. Se nós estivéssemos a fazer o doutoramento ligados a Portugal era muito bom para nós e estaríamos mais satisfeitos com essa situação. No meu caso eu procurei um laboratório para fazer uma colaboração em Portugal. Foi para isso que vim para cá. Regressei dos Estados Unidos porque gostava de ter alguma ligação cá mas não encontrei porque as pessoas achavam que esta área estava muito à frente daquilo em que eles trabalhavam, porque não estavam prontos para começar uma colaboração nova e eu optei por fazer o doutoramento exclusivamente lá fora com pena minha, porque há sítios que eu conheço, por exemplo, IPATIMUP que faz investigação em cancro, IBMC que faz investigação em várias coisas, o IMM, Instituto de Biologia Molecular em Lisboa é extremamente interessante, com investigadores muito bons não só em Portugal mas, também, no estrangeiro. Produzem um grande número de publicações e produzem um grande número de graus com bastante qualidade.

Que projectos tem para o futuro?

Como disse, neste momento, queria acabar o doutoramento. Estou a entrar no meu último ano, tenho de escrever a minha tese e queria escrever uma tese, não queria só acabar e escrever a tese queria escrever algo com qualidade. Estou neste momento a escrever um artigo. Espero escrever mais alguns até ao final do doutoramento. Isto é a minha prioridade: fazer algo que seja interessante para o meu laboratório, interessante para mim também e que satisfaça os planos que eu tinha quando comecei e, a seguir, quem sabe procurar um trabalho, um pós doutoramento ou um emprego como investigadora numa farmacêutica ou numa empresa de biotecnologia lá fora enquanto planeio, atempadamente, o regresso a Portugal. Gostava de experimentar a carreira académica, gostava de experimentar o ensino cá porque acho que está cada vez mais académico. Era interessante ter pessoas jovens e dinâmicas a fazerem investigação, junto com pessoas com muito mais experiência, óptimos professores catedráticos que nós temos cá, mas pessoas que comecem a mudar algo, pessoas como os gestores de que falei há bocado, que tenham a visão de como as coisas são lá fora porque, cá em Portugal, é possível chegar a professor catedrático ou ao topo da carreira de investigação no ensino sem nunca ter estado lá fora. Não digo que lá fora é que é bom e que quem esteve lá fora tem uma qualidade diferente… tem outra perspectiva, tem outra visão… Alguém que passe essa visão aos mais jovens.

Há um conhecimento global.

É um conhecimento e um conjunto de experiências também. Portanto, eu acho que gostava de experimentar essa área e poder passar o meu entusiasmo a quem ainda está a começar, a quem ainda está numa fase inicial da sua carreira de investigação.

Acha que Trás-os-Montes poderia desenvolver projectos de investigação tecnológica e científica?

Já se faz investigação em Trás-os-Montes nas nossas escolas superiores, à escala possível dado o dinheiro que essas escolas têm. A investigação é algo bastante dispendioso que tem um retorno muitíssimo importante, mas que requer investimento inicial. Fazem-se coisas na nossa região que não se poderão fazer em Oxford como apuramento de espécies, classificação de pólenes, alguns em termos de melhoramentos biotecnológicos de espécies para plantar, etc.. Penso que poderíamos aproveitar esse nicho para começar com alguns projectos em pequena escala, mas projectos interessantes que poderiam fazer a diferença lá fora.

Como é que se poderia desenvolver a região de Trás-os-Montes?

Penso que seria um bocadinho pretensioso da minha parte, eu ter a solução para esse problema. Não sei apresentar uma solução mas acho que incentivar pessoas a voltar para cá e dar instrumentos aos que cá estão para fazer mais e fazer melhor e não ter medo de arriscar, não ter receio do que as pessoas vão dizer, do que vão criticar. Acho que seria um bom caminho, fazer programas como este em que se dá a conhecer às pessoas que cá ficaram ou que cá estão, o que é que as outras pessoas andam a fazer por aí; manter contacto, fazer net working… Eu acho que era ótimo se Bragança fosse cada vez mais dinâmica. Eu já vejo uma grande diferença em relação ao período de quando eu vivia cá. Acho que agora está bastante melhor, há mais coisas a acontecer mas penso que isso pode acontecer de forma ainda mais visível se organizarem colóquios, se organizarem congressos, se houver workshops, etc…

Conhecendo bem Trás-os-Montes acha que isso passaria pelo turismo?

Também. Entendo que Trás-os-Montes tem muitas características que podem atrair as pessoas e que tem sido feito algum esforço nesse sentido. Há infra-estruturas relativamente recentes à disposição de quem quer visitar Trás-os-Montes. Há é pouca divulgação na minha opinião. É difícil para alguém que esteja em Lisboa e quiser organizar um fim de semana em Trás-os-Montes através da Internet, por exemplo, fazer uma reserva ou saber as coisas que pode visitar em Bragança. Tem que ter mais visibilidade o turismo em Bragança. Não serei a pessoa ideal para criticar o que tem sido feito pois quando venho cá não venho como turista. As pessoas que trago a visitar todas adoram mas penso que podíamos ter mais visibilidade, divulgar mais o turismo em Trás-os-Montes porque, sem dúvida, tem coisas únicas que nós não podemos ver em outras zonas do país.

Que personalidades mais a marcaram ao longo da sua vida?

Eu estaria tentada a dizer a minha família no geral mas, sem dúvida, os responsáveis por eu ser assim irrequieta são os meus pais. Seria injusto se eu não falasse neles nesse sentido. Tenho de referir isso porque acho que foi um ponto de viragem na minha vida. Eu tinha cerca de dez anos quando o meu pai decidiu organizar uma viagem de jipe pela Europa em que nós ficámos um mês a viajar de forma simples mas a conhecer tantos países quantos conseguimos num mês e isso abriu-me muitos horizontes. Eu tinha ido ao Porto, tinha ido a Lisboa mas não fazia ideia da real dimensão do resto do mundo e isso despertou em nós, em mim e na minha irmã, o bichinho pelas viagens, por conhecer sítios, pelo conhecimento, pelo facto de sabermos que havia tanta diversidade de pessoas, de línguas, de aspectos etc… Essa foi a minha primeira grande viagem com um sentido pedagógico muito grande e a partir daí nunca mais parei de querer viajar, de querer conhecer, de querer experimentar sem receio de sair da minha própria cidade. É claro que é sempre óptimo voltar, mas eu sou uma transmontana do mundo se é que se pode dizer isso.

Muito obrigado Doutora Susana por esta belíssima entrevista.

Maria e Marcolino Cepeda 

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