Quando o nosso amigo João Manuel Neto Jacob
telefonou, não quis acreditar por se me afigurar uma situação tão absurda e
insana, que me parecia absolutamente impossível. Seria, com certeza um engano… mas,
como sói dizer-se, as más notícias correm depressa. Não tive outro remédio
senão assumir a sua veracidade.
Os primeiros momentos foram muito difíceis.
O que fazer agora sem a sua fina ironia, sem a sua empatia, sem a sua amizade,
sem a sua defesa constante e esclarecida daquilo em que acreditava, sem o seu
profissionalismo, sem a sua entrega aos projetos que desenvolvia?
Nunca mais ouvir as suas histórias, desfrutar
do seu sentido de humor, não mais apreciar o seu ar de desdém…
Em Maio de 1972, Teófilo foi oferecer-se
ao jornal da terra, neste caso o Mensageiro de Bragança, para lançar uma página
a que chamou “Página de Participação Jovem” que, mais tarde, se viria a chamar
“Participação”. Apresentou-se no gabinete do Director, o padre Manuel Sampaio, que
acolheu, com muito entusiasmo, a sua proposta.
Com a irreverência própria da juventude,
dezassete anos quase feitos (a 31 de maio), propunha-se criar e desenvolver a
página “Participação”. Pretendia, com um pequeno grupo de amigos, uma maior
intervenção política e social, sem saber bem como iludir a censura ditatorial o
que aguçou o engenho e a arte de todos. Foi, sem dúvida, um começo auspicioso e
inseguro que a todos direccionou para o jornalismo.
À terceira edição da página
“Participação” (1972), como habitualmente fazia, fui comprar o Mensageiro de
Bragança ao quiosque junto à Livraria Rosa d’Ouro, na Praça da Sé. Levava
fisgada a ideia de conhecer Teófilo Vaz e de poder participar na página por ele
criada.
Escrevi-lhe uma carta e enviei-a pelo
correio para o jornal. Hoje rio-me ao pensar no pormenor do correio, tão
profissional, quando era tão fácil que nos cruzássemos no centro da cidade que,
na altura vivíamos tão intensamente. Mas assim foi.
Recebida a carta e prontamente
respondida, combinámos encontrar-nos na Praça da Sé para falarmos com o
director do Mensageiro, padre Manuel Sampaio que, de bom grado, aceitou a minha
inclusão no projeto.
Foi assim que nos conhecemos e começámos
a colaborar, sempre com proveitosos trabalhos em nome da cidade e da região,
nos jornais e noutros sítios. Nessa altura, já colaborava o Carlos Pires e o
Ernesto Rodrigues começava a aparecer com alguns textos. Mal sabíamos nós que
ali nasceria uma amizade de quase cinquenta anos.
Convém referir que, com o passar do
tempo, a nossa participação no jornal extravasou a “página” e, alguns de nós
passaram a ser autênticos redatores.
Também Jorge Morais e Desidério Martins,
por exemplo iam apresentando alguns trabalhos. O dinamismo era evidente e a
cumplicidade também.
Esta forma de intervenção dos jovens não
era inédita em Bragança, porque já havia uma página “A tribuna dos novos” em
que alguns jovens apareciam a fazer poesia e a escrever textos de reflexão,
como Amadeu Ferreira.
Teófilo, para mim, é sinónimo de
“presença”, de “amigo”, de “irmão”. Quis saber sempre de mim, nos bons e maus
momentos. Nunca deixou de estar. Nunca deixou de ser. É impossível esquecer
tantas coisas que fizemos juntos.
Certo dia, em pleno inverno, durante a
noite, com os nossos pujantes dezassete anos, depois de beber umas cervejas,
eu, o Teófilo, o Manuel de Jesus e o Lino fomos gritar palavras de ordem contra
o Dr. Salazar, para a avenida do Sabor.
O Manuel de Jesus, já cansado, deitou-se
sobre um pequeno muro que ali havia e adormeceu profundamente. Nós continuámos
com a nossa missão até que alguém chamou a polícia que, prontamente se
apresentou e nos levou para a esquadra onde tomou nota dos nossos depoimentos.
Foi um valente susto. Fomos avisados de
que se voltasse a acontecer, seriamos presos. Dessa vez, fomos mandados para
casa. Manuel de Jesus continuou placidamente a dormir. Só no dia seguinte soube
do sucedido.
Depois deste episódio, Teófilo regressou
a Angola, Luanda. Durante a sua viagem de barco, enviou-me um postal que guardo
religiosamente. Queixou-se da viagem, em barco pouco rápido e prometeu voltar
logo que fosse possível.
Com a ausência dele, coube-me a mim, a
responsabilidade de continuar com a página no Mensageiro, com a colaboração dos
jovens que faziam parte do grupo. Podemos dizer que o papel desempenhado por
todos nós assumiu algum significado na vida do Mensageiro de Bragança durante
os anos de 1972, 73 e 74.
Algum tempo depois da saída do Teófilo
fui chamado ao gabinete do padre Manuel Sampaio que me transmitiu que o Senhor
Bispo me proibia de escrever para o jornal: “Este garoto está expulso”.
O padre Sampaio, apercebendo-se da minha
desilusão e da hipotética injustiça, sugeriu-me que continuasse a escrever sob
pseudónimo, o que fiz, utilizando, a partir daí, os pseudónimos José Valverde e
Ricardo Faria.
Chegámos ao 25 de Abril de 1974, tempo
de todas as liberdades e, nessa altura, em “ato heróico”, decidimos demitir-nos
em bloco através de um manifesto publicado no jornal, onde estavam todos os
nossos nomes, aparecendo o meu nome em primeiro lugar.
A demissão do grupo que escrevia para o
Mensageiro de Bragança, deu origem à criação do Jornal “Énie”, que durou cerca
de dez meses, até Novembro de 1975.
Teófilo Vaz, já regressado de Angola,
Ernesto Rodrigues e Carlos Pires foram os grandes impulsionadores desta
publicação, sendo seu Diretor o Dr. Eduardo de Carvalho.
Eu apenas escrevi um artigo para o
primeiro número e fui entrevistado, enquanto Presidente da Associação de
Estudantes do Magistério de Bragança, pelo Carlos Pires. Foi essa a minha
participação nesta publicação.
As nossas lides culturais não ficaram
por aqui. Enquanto Presidente do Clube de Bragança, tive a honra de ter como
Vice-presidente o Teófilo.
Foi durante o nosso mandato que
assinámos, no palco do Clube de Bragança, um protocolo com o então, Presidente
da Câmara de Bragança, José Luís Pinheiro, que permitiu ao clube realizar três importantes
acontecimentos: a 1ª Feira do Livro de Bragança, realizada de 30 de abril a 9
de maio de 1982, no Jardim António José de Almeida. Convém dizer que a ideia da
Feira do Livro nasceu de uma crónica escrita pelo Teófilo no Jornal Mensageiro
de Bragança, que eu fui repescar; a publicação da revista “Amigos de Bragança”,
Boletim de Informação e Estudos Regionalistas, sendo Director o Dr. Eduardo de
Carvalho e redatores Marcolino Cepeda, Teófilo Vaz e Ernesto Rodrigues, que
também era o proprietário. A publicação do boletim prolongou-se de junho de
1984 até dezembro de 1986. Neste último número contou com a colaboração de João
Manuel Neto Jacob; e, ainda, a instituição de um prémio para a realização de
Concursos Literários sobre Trás-os-Montes.
Cabe-me referir que durante esse
mandato, contámos com a colaboração de Jorge Morais na elaboração do cartaz para
a Feira do Livro.
O gosto pelo jornalismo foi-se
construindo paulatinamente e entranhando-se. Passou a assumir um espaço que era
obrigatório preencher. Assim fez Teófilo embrenhando-se na imprensa regional,
esticando esforços pela rádio… tornou-se jornalista sem deixar de ser
Professor. Incutiu valores de perseverança nos seus alunos, abriu horizontes e
mostrou passados. E desde aquele sábado, em plena Praça da Sé, em que me
gritou: “Já nasceu!”, tornou-se PAI, talvez o seu melhor papel. Deixa três
filhos: Pedro, Helena e Inês; e uma neta, Maria Clara.
E as nossas tertúlias, já homens
casados, em noites incertas, lá pelas onze da noite, na minha casa, na rua do
Loreto, regadas a vinho, cervejas ou outros quejandos, acompanhados por
petiscos que a Mara, a minha esposa, preparava, com a ajuda de um ou outro
elemento do grupo, numa mistura de sabores vários. Diria que a Mara ficou a
conhecer-nos muito bem e se tornou mais um elemento do grupo.
De tudo se falava, umas vezes riamo-nos
e, por vezes, chorávamos por amigos que já não estavam. Ali nos perdíamos em
histórias, romances e poemas, em anedotas e um quase-nada de má-língua. Nunca
era tarde. Nunca nos cansávamos e, muitas vezes, ao raiar o dia, ensonados,
dizíamos: “Até qualquer dia.” Com a certeza absoluta de que nos podíamos voltar
a encontrar um dia qualquer, à mesma hora, no mesmo local…
Já passou algum tempo desde a última vez
em que todos estivemos juntos. Nunca mais conseguiremos reunir-nos. Custa-me
admitir as ausências dos que já partiram. Amadeu Ferreira, Alberto Fernandes… e
agora tu, Teófilo… São muitos amigos para perder em tão pouco tempo… As nossas
vidas não voltarão a ser as mesmas.
“Mudar
o destino” foi o teu último editorial no Jornal Nordeste. Infelizmente, o teu
destino não pode ser mudado, mas podemos todos, se assim o quisermos, mudar o
destino desta região na qual tu decidiste viver e criar uma família. Onde
conservas alguns dos teus melhores amigos. Região pela qual sempre lutaste.
Bragança agradece.
Obrigado amigo pelo tempo que sempre me dedicaste.
Marcolino Cepeda
P.S. Este texto foi publicado no Jornal Nordeste no dia 5 de janeiro de 2021
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