terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Pequeno conto de Natal

           Manhã cedo, quase madrugada, acorda como se dedos de seda acariciassem as velhas telhas que cobriam a casa onde vivia. 

Já sabia que ninguém tinha toque tão puro e saltou da cama, cabelo em desalinho, olhos piscos de sono, pés descalços no chão frio… abriu a portada da janela e sorriu.
Lá fora, a neve caía leve e fria, na sua imaculada brancura. Tudo cintilava na serenidade que se sentia naquela aldeia transmontana, ainda genuína.
Ninguém! Nem um pequeno porco pisco imprimia a sua leveza naquela planura.
Era cedo. Não fora a neve que caía e caíra durante toda a noite, estaria escuro como breu. Ninguém saíra à rua naquele inverno recém-nascido.
“Maria deita-te. Ainda é noite.”
Como se não ouvisse, e não terá ouvido, hipnotizada pelos pequenos flocos de neve que cortavam a escuridão, sonhava com o regresso do pai. Emigrara para Inglaterra depois de a empresa em que trabalhava ter falido. No coração levara o peso do abandono, da perda, da dor. Faltava-lhe a esperança do regresso. Sobrava-lhe a saudade que já tinha.
Acordada do seu devaneio, retira com dificuldade o olhar da beleza que reina lá fora.     
“Mãe?!”
“Sim, filha?”
“Está a nevar… o Menino Jesus já nasceu? Achas que tem frio, mãe?”
“Nasceu, amor, há muitos anos, em Belém, na Palestina.”
“Nevava? Coitadinho! Passou muito frio…”
Uma pequenina lágrima rolou, pura, pelo seu rosto.
“Mãe, ele é Deus? Será capaz de fazer um milagre se eu lho pedir com muita força?”
“Talvez, filha… O que é que lhe queres pedir?”
“O pai, mãe. Eu pedi-lhe que nos trouxesse o pai…”
Na rua parou um carro. Os corações adivinharam o que a mente não queria acreditar. Maria virou a cabeça para a janela. Lá em baixo, o pai sorria.
A menina correu a abrir a porta e, num ápice estava nos seus braços.
O presente tinha chegado. Já não faltava nada. Fechou os olhos e aninhou-se no amor que sentia. O pai começou a subir os três degraus que o separavam do lar. Maria abriu os olhos.
“Ó pai! Estragaste a neve!”
Envolveu-lhe o pescoço com os seus frágeis braços e riu, delirantemente feliz.

Maria Cepeda

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