quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Jorge Morais: PERSONAGENS (6) (Atualizada)

Ilha do Rei, menina com espelho

Ilha do Rei, que nome mais irónico para o bairro mais pobre e desgrenhado que existia logo abaixo do liceu, lado nascente, e nas proximidades do sítio aonde nasceria a feérica catedral de Bragança.

          Bidonvilhe em Bragança sem a maçada de ir a França ver a verdade dos nossos imigrantes desse tempo contemporâneos. Pobres e com necessidades várias seriam os habitantes desta "ilha", como comprovei exatamente numa entrevista que fiz a encargo do então padre Sampaio, director do Mensageiro de Bragança e delatando justamente essas condições e desajustamento do local, mesmo assim, face à urbe que, em 1971, já exibiam coisas como o hospital, o liceu, a escola industrial e algumas promessas próximas. 

            Passo um breve excerto dessa entrevista saída em 22-12-1972:  "Quanto pediam aquelas almas. Não vê senhor, não vê esta miséria, estas latas todas e a trampa que por aqui vai... Está a ver além aquele com o penico na mão... é na rua. Aqui. Onde passamos todos e o senhor também". 

              Efetivamente quase todos os jovens que iam do grosso da cidade para o liceu passavam ao lado num caminho, ou antes, carreiro, inclinado, torto e escorregadio. No Liceu falávamos de Descartes e víamos slides da Grécia antiga e da torre Eiffel em Paris.

Com uma máquina fotográfica mais que velha que restaurei, e com cerca de 19 anos, fotografei esta menina de etnia cigana que, um pouco afastada das barracas, fazia a sua "menáge" da manhã. Lobriguei de imediato o potencial do espelho na mão e pedi-lhe que o inclinasse um pouquinho para iluminar o seu rosto refletindo a luz do sol que irrompia naquela manhã fria. O resultado foi este. No contexto vê-se parte do ambiente em que ela e os outros viviam. A reportagem sempre saiu (o que até parece incrível) mas a fotografia jamais sairia num tempo em que muitas coisas andavam no ar mas o assunto era tabu sobretudo retratado e, de facto, também nunca anteriormente a publiquei.


Jorge Morais sugere:

        Olha, lembrei-me de tirar uma fotografia atual mais ou menos a partir do ponto de vista em que tirei a da menina na Ilha do Rei. Talvez seja interessante (e posteriormente poderei fazer mais vezes isso) adicionar uma mais que também tenho do mesmo assunto, mas com um ângulo mais aberto. E uma outra que tirei agora, para compararmos e ver as diferenças que a cidade foi evidenciando. Pode ser interessante colocar a seguir à primeira que te enviei.

Ilha do Rei, 1972.

Foto atual, Setembro de 2024, sensivelmente a partir do ponto de vista em que foram tiradas as anteriores.


(Texto e fotografias de Jorge Morais)


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