O
meu nome é António Francisco Pires, nasci a 11 de Setembro de 1953, na aldeia
de Samil, onde sempre residi.
Nasci
de uma família pobre, mas nobre. Éramos sete irmãos, seis rapazes e uma
rapariga.
A
minha infância foi normal para a época. As minhas primeiras brincadeiras foram
pelas ruas da aldeia com outros miúdos da mesma idade, e outros mais “velhos”. Jogávamos
vários jogos, fazíamos várias traquinices. Jogava-se ao esconde-esconde a que
nós chamávamos “rouque”, à palma, ao
pião, ao prego, à bola, à bilharda, etc. Foi aí que comecei a relacionar-me com
os amigos.
Aos
7 anos entrei para a escola, e fiz novas amizades. Entrei para a Escola
Primária em Outubro de 1960.
Quando
entrei, já sabia ler e escrever. Sabia, também, toda a tabuada de cabeça e contar
e escrever os números até vários milhares. Nos primeiros dias, lembro-me de a
senhora Professora D. Preciosa, dizer a uma aluna das mais velhas, já repetente
da 4ª classe, para ir pelas carteiras dos que tinham acabado de entrar para ver
o que sabiam fazer. Na minha vez perguntou-me o que sabia, e eu disse-lhe que
sabia ler, escrever e contar.
“Até
quanto?” “Até mil. Se esperares aí um pouco, já te conto. E aceitou o desafio,
e contei-lhe até mil “quase” num instante.
Findo
o serviço que lhe foi proposto, foi entregar à senhora Professora as nossas
façanhas. Ficou algo admirada pelo meu feito. Daí para a frente, não tive
dificuldades no meu percurso escolar.
Uma
das coisas que gostava mais de fazer, logo que saía da escola, era os deveres.
Às vezes, e quando o tempo o permitia, quando chegava a casa já levava os
deveres feitos.
Passei
todos os anos de classe, e quando andava na 4ª Classe, as senhoras professoras,
D. Preciosa e D. Julieta, diziam-me que era um bom aluno e que deveria
continuar os estudos. Eu não queria porque sabia das dificuldades dos meus pais,
eram pobres e nós éramos 7 irmãos. Elas iam-me convencendo para que fosse fazer
o exame de admissão que, na altura, era preciso para entrar para uma outra
escola.
Em
Junho de 1964, na Escola da Estação em Bragança fiz o exame da 4ª classe,
escrita e oral. Fiquei bem, como se esperava, e então dei o sim para o exame de
admissão, que era feito na Escola Industrial e Comercial de Bragança. Fiz a
prova escrita, muito bem, e tinha de ir à prova oral. Então aí, aparece um
senhor Professor, com uma “arrogância” a que eu não estava habituado, a
perguntar-me pelas estações das linhas dos caminhos-de-ferro das Províncias
Ultramarinas. Com a minha inocência e humildade, começo a chorar e não lhe
disse uma palavra. Fui chumbado. (Mas eu até sabia aquilo, de cor e salteado).
As
minhas Professoras ficaram indignadas e confortaram-me dizendo que para o ano
eu voltava e seria diferente. Entretanto, fui-lhes dizendo que não voltaria a
fazer esse exame, terminando aí o meu percurso escolar dessa altura.
Tudo
o que aprendi na escola foi, e tem sido útil, ao longo da vida.
Das
brincadeiras de escola, lembro-me de jogar à bola, ao pião, à bilharda, ao
prego, ao eixo corrido, à malha e outros.
O
relacionamento com os amigos era muito puro, mas havia alguns que não eram
amigos, eram “malandros”. Fazia amigos com facilidade e ainda hoje conservo
muitos desse tempo.
Aos
10 anos saí da escola, mas ainda durante o período escolar, já fazia alguns
trabalhos agrícolas para ajudar os meus pais naquilo que podia. Também era
guardador de vacas de alguns vizinhos e amigos dos meus pais, porque em minha
casa não havia crias.
PERCURSO PROFISSIONAL
No dia 19 de dezembro de 1965,
com os meu 12 anos, uma terça feira, logo pela manhã e pela mão de um senhor da
minha terra, lá fui eu parar à oficina “Alfaiataria do Sr. Garrido” (alfaiate
de bragança).
A
primeira coisa que me fizeram os que lá trabalhavam, e eram 7 ou 8
rapazes e raparigas, foi dar-me as boas vindas e perguntarem-me se queria
aprender “a alfaiate”. Disse que sim.
Então puseram-me um dedal
(furado) no dedo maior, com uma tira de tecido por dentro, para me prender o
dedo em forma de “U”. Passaram-me para a mão um pequeno tecido, uma agulha
enfiada, mas a linha sem nó e ensinaram-me o exercício de “adedalar”. Passei
três meses nesse exercício, e de seguida já com a linha da agulha com nó,
comecei a fazer casas no tecido até aperfeiçoar, também durante uns três meses.
Daí passei para a máquina de
costura destravada, para aprender a pedalar. A seguir foi o fazer umas linhas
num papel com a máquina travada, tentando passar por cima com a agulha, onde o
papel ficava picotado e se via a destreza das manobras, depois em círculo e
curvas até não sair da linha.
Daqui passei a ser ajudante de
calças, virar passadores, fazer bainhas, pregar os botões, etc.
O passo seguinte foi começar eu
próprio a fazer as calças. Não foi difícil e aos 14 anos cortei umas calças
para mim. O patrão tinha-me dado umas calças dele, já usadas e disse-me para as
desfazer e que mas cortava para que eu as fizesse para mim. Apareci com elas
feitas e vestidas e tudo se admirou.
Aos 15 anos de idade já era eu a
ensinar outros, principalmente duas raparigas que entraram depois de mim.
Pelos 16 anos comecei a trabalhar
em casacos.
Aos 17 tive a minha primeira
aventura em viagens. A minha mãe tinha tido um acidente em
Bragança e teve de ser transferida para o Porto, para uma casa de saúde na Avenida
dos Aliados. Um dia, falei a um senhor que tinha como alcunha o “Sachola” e que
era chofer de uma camioneta que transportava militares do quartel de Bragança para
o Porto, e pedi-lhe boleia.
Disse-me
que sim, e lá vou eu junto dos militares numa sexta-feira à tarde. Pelas dez da
noite, deixaram-me na Avenida dos Aliados e disseram-me: “Aqui é o porto. Agora
desenrasca-te.”
Ainda
tentei ver a minha mãe nessa noite, mas já estava fechada. No dia seguinte, lá
apareço a ver a minha mãe, que se fartou de chorar quando me viu sair do
elevador e entrar por ali dentro.
No
regresso vim de comboio até Bragança.
Por
esta idade comecei a ter amizades mais íntimas, e um relacionamento mais
adulto.
Ainda não tinha os 18 e fiz o meu
primeiro fato para mim próprio.
O Patrão ficou admiradíssimo
quando perguntou a um colega meu, mais velho, que acabava os fatos, se já tinha
acabado o meu. Ele disse-lhe que não me tinha tocado no fato. Tinha-o acabado
eu.
Nessa altura já trabalhava por
minha conta, em casa da minha mãe.
A partir daí, foi-me dada
liberdade para fazer o fato completo, mas o processo de aprendizagem não
terminou ali, e ainda hoje continua.
Aos
19 anos já era muito responsável. Já sabia executar um fato completo. Trabalhava
sempre que havia trabalho e, por vezes, na ausência do Patrão, encarregava-me
do trabalho, da responsabilidade da oficina, e dos colegas.
A
minha independência já era outra, mas sempre ajudei os meus pais e irmãos.
Pouco
tempo depois, aos 20 anos fui à inspecção para o serviço militar. Como fiquei
apurado, cerca de um ano depois, fui chamado para me apresentar em Vila real, onde,
durante três meses, fiz a recruta.
Fui
escolhido para a especialidade de transmissões e tive de rumar até Lisboa para,
em Campolide, no BC5, frequentar a especialidade de transmissões. Por acaso até
saí como boa nota e fui nomeado para ir para Queluz, para continuar o percurso
militar.
No
momento de vermos os escaparates do quartel com as nomeações, um dos colegas
veio ter comigo a perguntar para onde eu ia.
“Eu
vou para Queluz”. “Eu para Mafra. Podias trocar comigo. Eu moro em Queluz e
dava-me jeito.” “Está bem.”
Trocámos.
Fomos à secretaria e fizemos a troca legal. Eu lá fui parar a Mafra, onde
estive cerca de um ano. Finda a tropa, voltei para a alfaiataria.
Aos
25 anos casei, tenho duas filhas e uma netinha. Aos 28 iniciei a actividade por
conta própria. Aos 31 anos nasce a primeira filha, aos 43 a segunda, e daí, até
aos dias de hoje, tenho muitas histórias para contar.
Esta profissão que abracei ao
longo da vida tem sido uma atividade constante. Tem-me dado muitos motivos de
satisfação. Tenho desempenhado e desenvolvido enormes competências. Tem-me sido
muito útil a sua aplicabilidade no dia a dia, e tem sido o meu meio de
subsistência para ajudar no sustento da familia.
OS MEUS HOBBIES
O ténis apareceu na minha vida
quase por acaso. Um dia ouvi numa rádio local, que estavam abertas inscrições,
num determinado clube, para várias modalidades desportivas, entre as quais o
ténis. À partida fiquei admirado, pois não havia “campos” para a prática dessa
modalidade, no entanto, diriji-me ao clube, fiz-me sócio, e inscrevi-me para o
ténis.
Arranjo equipamento e, no dia
marcado, apareço no Pavilhão Municipal de Bragança. Havia outras pessoas
inscritas, e um senhor que nos foi ensinando como se pegava na raqueta, como se
batia na bola, e outras coisas.
O piso era de taco e lá estavam
as marcaçoes do campo de ténis. Foi o meu primeiro contacto com a bola e com a
raqueta em campo.
Entretanto adquiri livros sobre a
modalidade para ficar mais apto na aprendizagem e continuei a ir às “aulas”
durante muito tempo, até que o professor que nos transmitia os conhecimentos,
deixou o clube, tendo, no entanto, recomendado o meu nome para a continuidade da
modalidade.
Fui, então, convidado a seguir-lhe
os passos. Aceitei, preparei-me ainda mais e fui pegando nos que se inscreviam
para a aprendizagem do ténis.
Entretanto foram construídos dois
campos de ténis pelo clube, com piso rápido. Tivemos de nos adaptar. Passado
algum tempo, já era bem melhor do que no taco do pavilhão.
Frequentei uns cursos de formaçao
sobre a modalidade, fiquei ainda mais habilitado e passei a dar aulas duas a
quatro vezes por semana, à noite e aos fins de semana.
Cheguei a fazer alguns
intercâmbios a nível de formação com a minha turma, nos distritos de Bragança e
Vila Real.
Era muito frequente fazer jogos
com muitos amigos que gostavam do ténis, principalmente em Bragança e Chaves.
Também fiz parte do elenco
directivo do clube, com responsabilidades na modalidade e ainda ajudava nas
outras modalidades.
Passados mais de 20 anos e por
motivos de saúde e outros, tive de abandonar. Esta modalidade proporcionou-me
imensos conhecimentos, muitos motivos de satisfação e senti que desempenhei
capazmente e com gosto a minha tarefa.
No contacto que tive com gente de
quase todo o país, ficou-me muita amizade, muito conhecimento e muita
aprendizagem.
OS LIVROS
O gosto e o “jeito” pela escrita
já estavam em mim há muito tempo. Às vezes ia escrevendo uns versos, uns poemas
que ia guardando.
Certo dia mostrei à minha filha
uns poemas que tinha escrito, e ela disse-me: “Ó pai, tu escreves coisas tão
bonitas. Porquê não escreves um livro?”
Já outra pessoa me tinha dito o
mesmo quando soube que eu tinha ganho uma bicicleta num concurso de uma marca
de óculos com uma quadra.
Fiquei a pensar naquilo, e um dia
comecei a “compor” os poemas numa pasta no PC, e coloquei-os numa pen.
Alguns dias depois fui a uma
tipografia e falei do assunto, dei a pen, viram e disseram que se podia fazer
um livro.
Consegui os apoios necessários e
um dia apareço em casa com o livro debaixo do braço e mostrei-o à Família.
Ficaram muito admirados mas todos gostaram. Estávamos em 2009. SUSARA é o título.
A partir daí comecei a escrever
uma ficção romântica, mas só para passar o tempo. Um dia apeteceu-me enviar o
texto para uma editora, que de pronto me apoiou para publicação, se conseguisse
apoio para X exemplares. Consegui, e até o representante da editora se deslocou
a Samil para a apresentação. Foi muito engraçado, havia festa na aldeia e até
tive direito a banda de música. 2011 foi o ano e o livro chama-se “LEITURAS DO
PENSAMENTO”.
Continuei a escrever e, desta vez,
novamente, poesia.
Compilei muitos poemas numa pasta
e um dia verifiquei que já tinha conteúdo para novo livro, mas não me apetecia
publicar. Mais tarde pensei em publicar sob pseudónimo (Paco Limas). Levei a
pen à tipografia e mandei fazer 100 exemplares só para amigos. “PALAVRAS AO
VENTO” é o título e estavamos em 2013.
Já tinha no meu computador uma
pasta com o nome de “HISTÓRIAS POR CONTAR”. Eram coisas minhas, da infância, da
família, até que um dia me interessei mais pela história de um avô materno a
quem chamavam “O Lisboa”, mas não se sabia ao certo porquê, embora a minha Mãe
fosse dizendo que tinha ouvido dizer que tinha estado na tropa em Lisboa. Não o
conheci. Faleceu tinha eu dois tenros meses.
Certo dia, lembro-me de fazer uma
pesquisa no arquivo do exército a perguntar se haveria alguma referência ao
senhor Francisco dos Santos Gonçalves, de Samil, que tinha nascido a 13 de
outubro de 1876, e responderam-me que não havia nada, no dia seguinte recebo
outro correio electrónico a dizer que afinal havia dados sobre essa pessoa, até
uma folha de serviço da estadia dele em Lanceiros Del´rei n º 2, Quartel de Cavalaria
e onde serviu a Rainha D. Amélia como Guarda de Honra.
Por: António Francisco Pires
Em breves passos, aqui deixamos a
entrevista solicitada ao Senhor António Francisco Pires, Alfaite de profissão,
com uma riquíssima vida, contada na primeira pessoa.
Muito obrigado Senhor Pires.
Continue a enriquecer-nos com as suas histórias, com os seus poemas. Continue a
fazer os seus casacos, calças e os seus belos fatos, de que o Marcolino não prescinde.
É realmente um artista, tanto na
profissão como nas letras. Obrigado.
Autores:
Maria e Marcolino Cepeda
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