sábado, 9 de dezembro de 2023

A LARANJA


Numa pequena aldeia banhada pelo rio Tuela, vivia Anabela que nunca parava em casa e completamente sorria.

Corria, rua abaixo, rua acima, sem nunca se esquecer de correr, cantando com alegria a sua alma e o seu ser.

A mãe chamava por ela da varandinha de pedra cravejada de cravos vermelhos para que fosse almoçar, que já era tarde. 

Parava. Esticava o pescoço e olhava para a mãe com o seu olhar de mel, sorrindo como se fosse muito cedo, quase ao raiar do dia. E lusco-fusco se fazia.

"Anda filha" dizia a mãe com doçura e empatia, que queria a sua menina à mesa ao fim do dia. 

Chovia já, bátegas grossas e frias, outono, quase inverno, bem sabia. 

Lareira a crepitar, pote ao lume a fervilhar... A avó Maria a dormitar das canseiras do seu dia que muitas eram.

Anabela sorria a olhar para a mãe como se ela fosse o seu sol e a sua lua em noite de luar que iluminava a rua toda, a terra inteira!

"Anda minha querida, anda..." E ela lá subia os toscos degraus de cantaria.

"Avó! Que saudades avó!"

Acordou esbaforida, estremunhada, um sorriso na boca desdentada. Um abraço e muitos beijos.

Uma bela e cheirosa laranja do Algarve para a sua menina saiu do bolso do delido avental como por magia.

O brilho resplandecente do olhar da menina iluminava o coração de Maria, cansada de tanta labuta. Já tinha ganho mais um dia de vida. 

Assim era, sempre que regressava a casa, vinda dos trabalhos que urdia nas aldeias que pediam a sua presença. Era cesteira afamada.

A sopa chamava, a fome pedia. Sentaram-se no escano junto à lareira. O pote, à mão de semear. A mãe, concha na mão, servia. 

"Está a ferver. Cuidado!" 

"Gosto desta sopa mãe! Gosto muito!"

"Então come!" "Coma mãe. Não se queime."

"Sim filha. Que bem me vai saber! Está frio."

Estava exausta. Foram quinze dias em casa da senhora Cremilde. Desde o nascer do sol até ao escurecer, com pequenos intervalos para comer alguma coisa. 

"Então mãe? Trataram-na bem?" 

"Sim. São boas pessoas. Ajudaram muito. Preocupavam-se com que eu comesse, dormisse, repousasse..."

Via-se que a fadiga era grande. Já não era nova e a vida não tinha sido mãe, antes madrasta...

A menina acabou a sopa e começou a descascar a laranja. Com algum esforço, conseguiu e dividiu-a em três partes distribuindo-as pela avó, pela mãe e por si própria. 

O tempo parou à primeira dentada. A doçura espalhou-se pela boca e demorou-se carinhosamente. 

"Que boa é a laranja!" E era.

A mãe levantou-se para lavar a louça. A avó deu as boas noites e foi dormir. A menina continuou sentada no escano, tentando conservar na boca o sabor divino da laranja.

 

Maria Cepeda

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