Numa pequena aldeia banhada pelo
rio Tuela, vivia Anabela que nunca parava em casa e completamente sorria.
Corria, rua abaixo, rua acima, sem
nunca se esquecer de correr, cantando com alegria a sua alma e o seu ser.
A mãe chamava por ela da varandinha
de pedra cravejada de cravos vermelhos para que fosse almoçar, que já era
tarde.
Parava. Esticava o pescoço e
olhava para a mãe com o seu olhar de mel, sorrindo como se fosse muito cedo,
quase ao raiar do dia. E lusco-fusco se fazia.
"Anda filha" dizia a mãe
com doçura e empatia, que queria a sua menina à mesa ao fim do dia.
Chovia já, bátegas grossas e
frias, outono, quase inverno, bem sabia.
Lareira a crepitar, pote ao lume a
fervilhar... A avó Maria a dormitar das canseiras do seu dia que muitas eram.
Anabela sorria a olhar para a
mãe como se ela fosse o seu sol e a sua lua em noite de luar que iluminava a
rua toda, a terra inteira!
"Anda minha querida,
anda..." E ela lá subia os toscos degraus de cantaria.
"Avó! Que saudades avó!"
Acordou esbaforida, estremunhada,
um sorriso na boca desdentada. Um abraço e muitos beijos.
Uma bela e cheirosa laranja do
Algarve para a sua menina saiu do bolso do delido avental como por magia.
O brilho resplandecente do olhar
da menina iluminava o coração de Maria, cansada de tanta labuta. Já tinha ganho
mais um dia de vida.
Assim era, sempre que regressava a
casa, vinda dos trabalhos que urdia nas aldeias que pediam a sua presença. Era
cesteira afamada.
A sopa chamava, a fome pedia.
Sentaram-se no escano junto à lareira. O pote, à mão de semear. A mãe, concha
na mão, servia.
"Está a ferver.
Cuidado!"
"Gosto desta sopa mãe! Gosto
muito!"
"Então come!" "Coma
mãe. Não se queime."
"Sim filha. Que bem me vai
saber! Está frio."
Estava exausta. Foram quinze dias
em casa da senhora Cremilde. Desde o nascer do sol até ao escurecer, com
pequenos intervalos para comer alguma coisa.
"Então mãe? Trataram-na
bem?"
"Sim. São boas pessoas.
Ajudaram muito. Preocupavam-se com que eu comesse, dormisse,
repousasse..."
Via-se que a fadiga era grande. Já
não era nova e a vida não tinha sido mãe, antes madrasta...
A menina acabou a sopa e começou a
descascar a laranja. Com algum esforço, conseguiu e dividiu-a em três partes
distribuindo-as pela avó, pela mãe e por si própria.
O tempo parou à primeira dentada.
A doçura espalhou-se pela boca e demorou-se carinhosamente.
"Que boa é a laranja!" E
era.
A mãe levantou-se para lavar a
louça. A avó deu as boas noites e foi dormir. A menina continuou sentada no
escano, tentando conservar na boca o sabor divino da laranja.
Maria Cepeda
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