terça-feira, 25 de abril de 2017

Entrevista a Georges Dussaud, no dia em que se comemoram 4 anos da criação do Centro de Fotografia Georges Dussaud, em Bragança

Completam-se, hoje, neste 25 de Abril, os primeiros 4 anos do Centro de Fotografia Georges Dussaud, em Bragança. Inaugurado no dia 25 de Abril de 2013, é um espaço que nos dignifica e enaltece e que merece as nossas visitas.
Aqui deixamos esta merecida homenagem a este Senhor, que desde os anos 80, juntamente com a sua esposa Christine, faz questão de se assumir como transmontano de coração. 
 

Olá! Fim de tarde de um fevereiro quase março, ameno e simpático, que convida a convívios serenos e conversas descontraídas.
Estamos no Hotel Tulipa, numa sala acolhedora e agradável, local onde se encontra hospedado o nosso entrevistado, o fotógrafo Georges Dussaud.
Esta será a 87ª entrevista, a 5ª da segunda série.
Connosco estão, ainda, a sua encantadora esposa Christine, José Rodrigues Monteiro e Gabriela, sua esposa, amigos comuns, Manuela Pereira, amiga e colega e o meu irmão David Claudino.
Era nossa intenção realizar esta entrevista no Centro de Fotografia Georges Dussaud. No entanto, por se encontrar em obras, fomos obrigados a abortar a ideia.
Convém referir a importância desta instituição no conjunto museológico de Bragança pela sua singularidade e qualidade incontestáveis. Ali encontramos um total de 148 fotografias a preto e branco. Este acervo fotográfico conta com retratos, de onde sobressaem histórias de vida, povoadas de homens, mulheres e crianças, mas também de lugares, de olhares, de gestos, de instantes irrepetíveis registados a cada rigoroso disparo da máquina fotográfica. Georges Dussaud apresenta um percurso demarcado por temáticas precisas que caracterizam o trabalho fotográfico desenvolvido em Trás-os-Montes, território de sua eleição.

Bem-vindos. Estamos muito agradecidos por terem aceitado participar nesta conversa connosco.

  
Mara Cepeda (MC) - “Georges Dussaud é da família dos grandes “imaginógrafos” viajantes. Alguém disse que fotógrafo é nome pouco para dar a estes caçadores e criadores de fascínio. Que não chega para designar estes talentosos criadores-ficcionistas que, à semelhança de muitos outros artistas, interpretam assim a realidade através da imaginação e da sensibilidade. Melhor fora chamar-lhes, por isso, imaginógrafos”… Assim inicia José Rodrigues Monteiro o texto que escreveu para o catálogo da exposição “Trás-os-Montes”, organizada pela Câmara Municipal de Bragança. Diga-nos, por favor, o que faz Georges Dussaud, fotógrafo francês de renome internacional, em Bragança, Trás-os-Montes, Portugal?

Georges Dussaud (GD) – (Risos) É uma longa história de acaso e de encontro, sobretudo de encontro. Foi em 1980, com a minha esposa, Christine e os meus três filhos que fizemos a nossa primeira viagem, de férias, a Portugal. Fizemos campismo na Costa Alentejana e na hora do regresso para França, decidimos ir pelo interior, pelos pequenos caminhos rurais tranquilamente e passámos pela região de Trás-os-Montes, no Barroso, era no mês de agosto, e ficámos surpreendidos com a degradação e ruralidade, com a vivência das pessoas, dos lavradores com as charruas e seus animais, das colheitas, da atmosfera e do mundo arcaico, com um ambiente comparado com a época da idade média de um quotidiano excecional, com uma animação extraordinária. Foi um espaço de tempo muito curto, mas desde aí decidimos voltar, e desta vez, no inverno. Então, voltámos a nossa primeira estadia foi na região de Montalegre – Barroso – passeámos nos pequenos barcos, perto do lago na barragem dos Pisões, e chegámos a uma pequena aldeia - Negrões. Nessa altura, não havia hotéis e precisávamos de arranjar algum sítio para ficar. Sentimos um caráter céltico, muito forte, parecia um mundo esquecido, sem nos apercebermos havia algo semelhante com a Bretanha, queríamos conhecer mais e decidimos ficar. Foi, então, que encontrámos um adolescente, e perguntámos se conhecia algum sítio para podermos ficar, pois estava muito frio. O rapaz disse que ia falar com a avó Deolinda. Nesse momento, existiu um movimento imediato de simpatia, e a partir de então, já nos sentimos em família. Deolinda ligou-nos definitivamente a Portugal. Sim, sim, é esta a história. Durante dez anos, sempre que vínhamos, ficávamos hospedados na sua modesta casa e acompanhámos a Deolinda até aos últimos dias da sua vida. Ainda fomos visitá-la ao hospital de Montalegre. Agora, precisamos que se diga, que esta é a centésima viagem que fazemos a Portugal, é por isso que falamos muito bem o português!... mas temos amigos que sabem falar muito bem!

(M.C.) - Nasceu a 4 de março de 1934 em Brou, na Bretanha. Fará, muito brevemente, 83 anos. Acha que o lugar onde nascemos nos predestina?

(GD) - Dia 4 de março vou fazer 83 anos. Sim, daqui a uns dias, e estou orgulhoso e contente é um prazer, por ainda estar ativo e ligado à fotografia, com esta idade. Não é “Brou”, o departamento chama-se “Eure et Loir”, perto de “Chartres”… Sim, sim, não estou orgulhoso sabe. (Irónico) Sou orgulhoso, sim da tática. Não, não estou totalmente certo, já há muito tempo que moramos na Bretanha e a maior parte da nossa vida foi vivida na Bretanha; é uma região céltica, com muito caráter, muito forte e pegámo-nos muito mais a esta região, do que propriamente à localidade onde nascemos, com um caráter menos pronunciado. Mesmo assim, passei lá a minha infância. Estamos completamente ligados à Bretanha… Agora temos raízes na Bretanha. Temos três rapazes… Nasceram e vivem na Bretanha. Tenho sete netos, todos nasceram lá, são todos bretões. Os meus filhos conhecem bem o Barroso, Portugal e gostam muito. Já estiveram cá várias vezes.
 
(MC) - Como era ser criança e jovem naquele tempo?

(GD) - (Risos) - Como era? Era outro planeta, vivia-se quase sem consumismo, nessa altura, antes da última Guerra Mundial. No entanto, tentamos sempre tornar a infância mais bela, mas na verdade foi um período muito difícil com os bombardeamentos… era comum isso tudo. Agora, é o contrário, há um hiperconsumismo, destroem-se as casas e voltam-se a construir, mas com outro conforto. Destruímos o planeta todo, é uma consciência grave para as gerações futuras, mas é assim. Temos de destruir para continuar a produzir. É a lógica do sistema. É inexplorável. Não sei se gosta da palavra, mas é essa a lógica. Foi por isso que no primeiro ano que viemos a Montalegre, Barroso, ficámos fascinados, pois não existia nada, a vida era simples, autêntica… com espirito de muita partilha e solidariedade. As refeições festivas existiam. Tudo era motivo de alegria. No entanto, não existia quase nenhum dinheiro e comiam praticamente o que produziam. Foi o que gostámos. A vida era rude mas as pessoas eram felizes até nos trabalhos mais pesados. Ainda havia a matança do porco, o forno para cozer o pão, que agora praticamente não funciona, as aldeias tinham muita gente, muitos jovens… agora é um pouco diferente só há pessoas idosas e muitos hábitos foram extintos… assistimos ao fecho das escolas. Há, talvez, um regresso de alguns jovens, mas é raro. Em Pitões, por exemplo, há dois ou três jovens casais que se instalaram com os filhos, mas são poucos. É um pequeno movimento, sim, um pequenino movimento, esperamos que se restabeleça.

(M.C.) - Quando despertou para a fotografia?

(G.D.) - Comecei muito jovem, porque o meu pai era relojoeiro. Nessa altura, os relojoeiros também eram fotógrafos e tiravam fotografias profissionais, como retratos de família e outras coisas assim. Em casa dos meus pais havia muita fotografia de família, e é verdade que muito jovem ficava fascinado pela fotografia. Achava que eram objetos poéticos, objetos de memórias. Em casa dos meus pais havia um grande armário com uma gaveta cheia de fotos, havia fotografias um pouco por todo o lado, era uma desordem total, só se viam fotografias e eu já gostava de as ver, com os meus irmãos ou sozinho. Penso que o gosto pela fotografia surgiu assim. Eu dava já, uma especial atenção, à marca do tempo que existe na fotografia.

(M.C.) - Realiza a sua primeira exposição individual em Nantes, em 1978. Desde então, nunca mais parou. Fale-nos, por favor, desse período da sua vida.

(G.D.) – Sim. Fiz muitas exposições talvez demais, não sei. Portugal mimou-me muito. Se calhar, não sei se estou a responder a esta questão… Acho que o período decisivo foi quando se deu o encontro com Portugal e o grande projeto de fotografias que fizemos, sem nenhuma intenção aparente, no início, mas fomos levados por uma espécie de aventura, e resultou. Conseguimos fazer muitas fotografias. Assim, sem querer, nasceram arquivos que são únicos, mesmo únicos, devido a um certo número de imagens, que são das memórias de um Portugal antigo que desaparece. Houve publicações, a primeira foi com, o livro de Miguel Torga, “Trás-os-Montes”, em 1984 por Assírio Alvim, em Lisboa. A partir daí realizaram-se outras exposições que foram apresentadas em Lisboa. O Centro português de fotografia… não, não, isso foi mais tarde, em 2007. E foi tudo muito rápido. A partir de então continuaram, mas tudo começou em Bragança, em 1987. Sim em 1987, na Escola Superior de Educação. Depois, fiz muitas exposições em Bragança. É verdade que Portugal reconheceu rapidamente o nosso trabalho. Quando o livro foi publicado, por Assírio Alvim, com os textos de Miguel Torga que eram retirados do seu jornal “France Interieur” (O Diário) enfim, uma edição francesa. O livro apesar de ter uma qualidade média em relação à impressão, funcionou muito bem com os textos de Torga, pois Miguel Torga era célebre em Portugal, e eu, como não era tão conhecido fiquei mais falado e reconhecido. Graças a Torga houve um rápido sucesso e, desde então, continuei a aventura. Este foi mais um feliz incidente, entre muitos outros, em Portugal. O José teve a ideia de trazer o livro e de fazer uma exposição, aquando da vinda de Mário Soares, a Bragança. Até transportaram o livro de táxi para lhe ser entregue em mão e oferecido. Foi muito bom. O grande sucesso do livro começou realmente, em Bragança.
(M.C.) - Que papel desempenha a sua esposa Christine na sua vida?

(G.D.) - A Christine tem muitos papéis. Fotograficamente, era a minha assistente espontânea, porque compartilhávamos a vida. O facto de estarmos juntos facilitou esta nossa aventura. As portas abriram-se de uma forma inacreditável! Temos muitas coisas em comum. Se eu estivesse sozinho não teria feito determinadas fotografias de interiores, mas devido a estarmos juntos conseguiram-se fazer. Normalmente, a dois surgem mais ideias e uma coisa é certa, partilhamos o amor pela fotografia e interessamo-nos pelas mesmas coisas. As pessoas confiam mais quando se trata de um casal. A Christine apaixonou-se pela fotografia e com a experiência de ambos, conseguimos ter as mesmas paixões. Juntos, apoiámo-nos um ao outro, nos bons e maus momentos, quando um está mal o outro está bem, nunca os dois ao mesmo tempo. Há confiança e força. As pessoas também ajudaram e foram muito acolhedoras. Foi extraordinária a forma como as pessoas do Barroso nos receberam. Espontaneamente, chamavam-nos para “beber um copo”, sem nos conhecer de lado nenhum. Quando estava frio diziam-nos para não estar ao frio e convidavam-nos a entrar nas suas casas, faziam-nos umas bebidas quentes, até nos emprestavam os pantufos… Realmente, existia uma simpatia espontânea e adorável. Gostamos de Portugal, mas também gostamos, sobretudo, dos portugueses.

(M.C.) - Desde 1980, viaja por diversos países. São muitos anos a correr mundo. Fale-nos das suas viagens.

(G.D.) – Convém frisar, que as minhas primeiras viagens ligadas à fotografia aconteceram antes de conhecer Portugal. Foi nas Ilhas Gregas onde tive a sorte de iniciar a fotografia como amador, mas apaixonado por essa arte. Todos os verões, passávamos as férias nas Ilhas Gregas, onde não aparecia nenhum turista, em Lêucade, na Província de Epiro, no Noroeste fica em frente à mítica Ilha de Ítaca. Aí, as pessoas viviam da pastorícia de uma forma simples e natural. Aquela gente era extraordinariamente simpática conseguíamos partilhar as suas vidas. Sim, foi isso que me despertou o gosto pela fotografia, fotografando as pessoas e a vida que tinham, nos anos setenta. Fazíamos campismo selvagem com os nossos três filhos, tudo ao natural, sem tendas nem equipamentos, lavávamo-nos no mar, dormíamos ao luar, vivíamos na praia, passavam as ovelhas, o pastor, as mulheres a tecer a lã, era assim e estava muito bem. Nessa época, apaixonámo-nos pelas Ilhas Gregas. Por essa altura, foi editado um livro que se chamava “La Suite Greque” de “Constantine Manos”. Foi um americano de origem grega que publicou esse maravilhoso livro sobre a Grécia rural. A partir desse momento tive vontade de tirar fotografias só a preto e branco, visto que nessa fase fotografava a cores. A partir desse momento apeteceu-me ser o testemunho da vida. Esse livro foi o fundamento determinante para iniciar a fotografia a preto e branco. O livro foi mesmo determinante.

(M.C.) - Escrevia Miguel Torga no livro “Portugal”: “…há duas coisas grandes, pela força e pelo tamanho: Trás-os-Montes e o Alentejo. Trás-os-Montes é o ímpeto, a convulsão; o Alentejo, o fôlego, a extensão do alento.” Concorda com esta afirmação?

(G.D.) - Sim, sim, com certeza! Estamos totalmente de acordo. No início dos anos oitenta, desde que nos apaixonámos por Portugal, frequentávamos uma livraria que se chamava “Les Nourritures Terrestres” que ficava em Rennes, perto da nossa residência e aconselharam-nos a ler Miguel Torga. Lá, havia várias obras de Miguel Torga, traduzidas em francês por Claire Clairon, uma senhora de Bordéus. Ficámos maravilhados quando começamos a ler Torga. Aconselharam-nos a escrever diretamente para ele, através do seu intermediário, do seu editor francês, e então decidimos escrever-lhe. E assim foi, rapidamente, recebemos a resposta de Miguel Torga, gratuitamente, com um convite para ir ter com ele a Coimbra. Mais tarde fomos a São Martinho de Anta. Nesse encontro, perguntou-nos se queríamos escrever um livro em conjunto sobre Trás-os-Montes. A seguir ele foi sempre o fio condutor. O livro foi um sucesso.

(M.C.) - De que forma a sua fotografia reflete estas duas regiões?

(G.D.) - É muito simples. O Alentejo é despido, desértico… entre outras características. No nosso trabalho predomina, essencialmente, a colheita da cortiça, em que nós também participámos nos trabalhos coletivos. A arquitetura das aldeias é impressionante e muito forte, gostamos muito da paisagem… Sim, sim! Há realmente um espírito dos lugares muitíssimo forte.

(M.C.) – Com tanta cor, falamos, principalmente, de Trás-os-Montes e Alentejo, porquê o preto e branco?

(G.D.) - Rapidamente, surgiu um gosto pessoal, quando descobri o livro de Constantine Manos. Fiquei fascinado, seduzido, e era diferente do que se via, com os guias de viagens e guias turísticos deveras brilhantes, com muita cor. Assim, achei que exprimia a alma dos gregos na sua intimidade das suas vidas quotidianas. Era isso que eu queria fazer. Depois, continuei a fotografar sempre a preto e branco. É, também, uma fonte de atração, tendo em conta que se vê a cores.

(M.C.) - Jorge da Costa no seu texto para a exposição “Portugal” afirma: “As suas fotografias convocam universos de um tempo aparentemente distante, aparentemente arcaico e agreste, testemunhos dos incontáveis percursos que, desde 1980, vem realizando por todo o país, especialmente no espaço rural”… O que mudou nestes quase 37 anos?

(G.D.) - O que mudou? Não sei se vou responder corretamente à questão… O que mudou é que a partir de um certo momento tive vontade de fotografar Lisboa e Porto… não é essa a resposta… Vimos a mutação no mundo. Ah! Sim! Estivemos presentes nas mudanças das vivências em Portugal. Fomos testemunhas regulares de todas as transformações existentes nas aldeias. Ficámos com pena de ver as aldeias a perderem os jovens, as escolas a encerrarem, a constante despovoação, a perda dos fornos do pão, o desaparecimento da vida comunitária… Sentimos tristeza, porque era um verdadeiro valor de civilização, não um valor de dinheiro, mas um valor de humanismo, de força da vida real, de integridade, dignidade e de generosidade, entre as pessoas. No geral essas pessoas tinham um sentido de humor forte com sentido poético, mesmo que não soubessem ler, elas eram muitas vezes poetas. Sim, a fotografia mostra isso tudo. Sim, sim, certamente, alias o último trabalho que fizemos, para o concelho de Bragança mostra isso, não é tanto arcaico nem tanto comunitário como o da região de Montalegre, mas não foi tão mau assim. Bem, no trabalho que eu faço atualmente vêem-se as aldeias e ainda a vida, mas sentimos que há um mundo antigo que se fecha, muitas casas abandonadas que antes já foram belas. O abandono dessas casas é sempre triste, porque havia um património importante, mas, evidentemente, é mais prático construir uma casa moderna e mais confortável. Mas,... É isso. É uma mudança de sociedade. É a nível mundial.

(M.C.) - Em 1986 ingressa na agência Rapho e, algum tempo depois, decide dedicar-se inteiramente à fotografia. Como definiria esta ligação à Rapho, ao longo destes anos todos?

(G.D.) - A agência Rapho tinha a reputação de ter fotografia humanista com os mais conhecidos fotógrafos tais como: Robert Doisneau, “Eduard Boudat” entre muitos outros. Com a experiência vivida em Portugal, em 1986… Sim, é isso! Agendámos com a agência Rapho. Não conhecíamos ninguém… Bem… até conhecíamos, mas não quisemos usufruir de nenhuma ajuda, e lá fomos os dois, rumo ao desconhecido, com um portefólio de fotografias de Trás-os-Montes, anónimo. Começámos a mostrar as fotografias ao responsável que estava lá, nessa altura, “Guillaume Valabret”. Bem depressa, começou a chamar outras pessoas que se encontravam na agência para verem. O entusiasmo era tanto que o responsável, depressa disse que ficava comigo. Logo de imediato, começaram a surgir as minhas fotos nas revistas europeias, na Alemanha, na Itália, na Inglaterra… Sim. No Mundo inteiro.
 
O seu humanismo, a sua fotografia… comparado com, por exemplo, Sebastião Salgado…

(G.D.) - Ah, sim, comparado com Salgado… Tivemos a sorte de nos encontrar várias vezes, com Sebastião Salgado e de o conhecer. Uma vez, fomos a um grande festival de fotografia a Lisboa e estava lá. Ficámos no mesmo hotel. Nesse festival, Sebastião Salgado tinha um belo catálogo que fez na Suíça. Depois viu algumas das minhas fotografias e ao pequeno-almoço pediu-me uma impressão de uma foto. Admiramos muito o seu trabalho.

(M.C.) – O que eu penso da fotografia dele… é que é mais política… mais direcionada…

(J.R.M.) - Sim, sim ele é muito comprometido.

(M.C.) – Sabe, com certeza, que aqui, em Bragança, há uma coleção de quarenta e cinco fotografias… Jorge da Costa fez uma grande exposição.

(G.D.) – Não vimos, mas sim, sabemos…

(M.C.) - Em 25 de Abril de 2013 é inaugurado o Centro de Fotografia Georges Dussaud, em Bragança, Portugal, com a exposição “Trás-os-Montes”. Fale-nos das circunstâncias que culminaram neste momento.

(G.D.) - Sim, José Monteiro é o grande responsável e está aqui presente. Foi ele que sugeriu e nos incentivou com todo o seu apoio. Também, foi ele que nos fez expor, pela primeira vez. A ideia foi toda do José, ele promoveu, sugeriu, defendeu e fez a divulgação. Em suma, foi o suporte deste trabalho “Trás-os-Montes”. Nessa altura, o Presidente da Câmara Municipal era Jorge Nunes. Ele ficou atraído pelas fotografias. Certamente, sim, mas… Não. Foi, também, pela propagação do José. (J.R.M.) - Quando viu as fotografias gostou imenso e juntamente com a sua equipa, decidiu criar o Centro de Fotografia em Bragança. Todo o mérito foi de Jorge Nunes. Têm de esquecer o meu papel. Não, mas sim... Penso que teve muita audácia por ter defendido e apoiado a ideia de criar um Centro de fotografia, em Bragança. Tenho a certeza de que a convicção de José Monteiro, foi fundamental para a tomada de decisão. De qualquer forma, houve benefício, pois a seguir surgiu o Centro Graça Morais. (J.R.M.) - Sim, é preciso apagar o meu papel. (Christine) - Ah, não! Nós somos pelo que é justo. (Gabriela) - Eu também.

(M.C.) - Nós, transmontanos, estamos-lhe profundamente agradecidos pela sua generosidade. As fotografias - sabemos que muitas delas oferecidas - que fazem parte do acervo do Centro de Fotografia, aquecem-nos a alma... Como foram escolhidas e selecionadas as que, neste momento, integram a coleção do Centro?

(G.D.) - Eu pus aquelas que, penso que…Tenho muitas fotografia. No Centro estão algumas, mas ainda tenho muitas outras, com a mesma qualidade, que não pertencem à coleção. Com cem estadias em Portugal, conseguimos fazer muitas imagens, mesmo não estando sempre a fotografar. Espero que no futuro possa enriquecer a coleção, porque ainda há muitas coisas interessantes sobre “Trás-os-Montes” que não estão expostas no Centro de Fotografia. Neste momento, existem duzentas e cinquenta fotografias. Os arquivos testemunham as consequências do número de anos que passámos por Portugal. Estamos muito gratos por saber que os Transmontanos aplaudem o nosso trabalho, agradecemos a generosidade dos Transmontanos. É verdade que há muitos visitantes que vêm ver a exposição, emocionam-se e até choram, este episódio já aconteceu pelo menos, duas ou três vezes. Sim, sim é bom… Houve belas exposições no Centro de Fotografia e há, realmente, um grande mérito de Jorge da Costa. Ele tem muito talento para organizar as exposições, tem a visão de espaço e associa bem os textos. Ele compreende muito bem o meu trabalho, sabe selecionar e escrever, temos muita sorte, podemos confiar a cem por cento! Quando apresentou a exposição com Miguel Torga, em São Martinho de Anta, foi perfeito. Os catálogos que realiza são soberbos! Quando vemos as exposições não há nada a mudar. Sim, sim, eu sei que ele gosta das fotos. Sente e sabe fazer. Também é transmontano, aplica-se…

(M.C.) - Os textos de Miguel Torga têm acompanhado as suas exposições. Partilhavam o mesmo sentimento em relação a Portugal?

(G.D.) - Há uma certa ressonância, certamente. No entanto, as vivências são diferentes, a história de Miguel Torga também é distinta da minha. Ele tem uma visão de um lado social e político, apaixonado e emotivo, por outro lado é um forte crítico.

(M.C.) - Ao visitarmos as suas exposições, sentimo-nos invadidos por uma sensação de respeito e carinho, patente em todos os rostos que fotografou. É pura poesia e encantamento. Obriga-nos a um exercício de introspeção. Quer falar-nos do seu Trás-os-Montes?

(G.D.) - Sim, é um território de emoções formidáveis. Já é uma parte importante da nossa vida, agora, forçosamente… Você compreende. Já são cem viagens. Isso é muitíssimo. Sim, eu sou Transmontano de coração e ainda mais, pois quando partirmos, ficará aqui o nosso testemunho e património. Espero voltar com os meus três filhos aquando da realização do grande espetáculo baseado na minha fotografia, relacionado com um novo projeto.

(M.C.) - Está, neste momento, a realizar mais uma residência em Bragança. Pode falar-nos um bocadinho deste trabalho?

(G.D.) - Esta estadia foi particularmente mais difícil, pois a Christine teve um problema de saúde e teve muitas dificuldades, mas o ano passado, durante o mês de maio fizemos uma grande parte. Atualmente, conseguimos dar continuidade. Agora, também há menos vida nas aldeias. De qualquer forma, temos a matéria. Sabemos que nesta época do ano é mais difícil, porque existem menos atividades, mas queríamos que este trabalho fosse realizado, no inverno. Mesmo assim, temos uma bela coleção, de muito boa qualidade, penso que segue os passos dos trabalhos anteriores. A Câmara Municipal de Bragança deseja uma nova coleção, com cem fotografias. Felizmente surgem sempre boas surpresas!

(M.C.) - Sabemos que o Teatro Municipal de Bragança tem um projeto para realizar um trabalho criativo que tem como objeto (e matriz) a sua obra. Pode adiantar-nos algumas informações sobre esse projeto?

(G.D.) - É um projeto que nasceu recentemente e tornou-se, há pouco tempo, oficial. Já reunimos e trocámos opiniões. Começámos a introduzir elementos com a coreógrafa, o dramaturgo… enfim, é uma equipa de três pessoas, mais a pessoa que trata da iluminação. Querem fazer um projeto parecido com o de Graça Morais, mas com uma criação diferente. Sabemos, oficialmente que, na última semana de outubro, realizar-se-á o espetáculo com diversas atividades programadas, durante toda a semana, em conjunto com o Centro de Fotografia, que terá terminado os novos trabalhos. Vão existir vários ateliers, encontros e pequenos espetáculos que se vão realizar dentro do Centro de Fotografia, para que todos os Transmontanos possam participar – e para as escolas também. Sim, sim para as escolas… Será o mesmo modelo utilizado com o projeto de Graça Morais. É uma coisa maravilhosa, mágica… Sim, é magnífico!

(M.C.) - Esta é uma pergunta que fazemos a todos os nossos entrevistados. Diga-nos, por favor, que personagem ou personagens mais o marcaram ao longo da sua vida?

(G.D.) - Tenho que pensar um pouco. Há muitas pessoas, mas aquele que mais me marcou foi Albert Camus. É repleto de humanismo. Foi contra a pena de morte, contra a violência e reagiu contra os danos causados pela colonização. Enfim, tocou-me infinitamente.

(M.C.) – Muito obrigada. Foi uma conversa agradável e enriquecedora.

Maria e Marcolino Cepeda

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