quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Outono

Os dias cinzentos e macambúzios cercam-nos, acabrunham-nos, ensombrecendo o nosso olhar.
É verdade que a alegria se reflete no colorido das folhas que cobrem o chão ou balançam docemente nas árvores, mas é uma alegria pisoteada por quem têm de se fazer à vida.
Depressa, as folhas amarelas, vermelhas, verdes, castanhas que o vento espalha a esmo, se transformam numa massa informe, embora, nutriente valioso da natureza que em nada contribui para o brilho radioso e solar dos olhos quase tristes de quem passa.
Gosto do outono. Interioriza-me. Remete-me para o conhecimento de mim. Torna-me melancólica, ligeiramente triste e as lágrimas são mais fáceis e verdadeiras. Puras, porque da alma emanam.
Hoje a cidade acordou envolta em nevoeiro húmido. Estava fresco, não frio, como ao outono convém. 
Chove. As folhas não revoluteiam com o vento. Não há vento. Algumas deitam-se à volta da árvore a que pertencem e esperam que algo as desperte deste sono mortal. Sabem que nada mais resta para além de esperar a volubilidade de zéfiro ou uma outonal ventania.
As castanhas caíram já e jazem inertes à espera de mãos que as apanhem. Cumpriram.
Cumprem, também, os homens e mulheres desta Terra Fria, que passam os seus dias curvados na apanha do bem mais precioso de Trás-os-Montes, a quem chamam "petróleo", as humildes e despretensiosas castanhas.
As minhas mãos enluvadas apanham-nas. Não conseguem fugir aos picos dos ouriços que as contiveram no seu, para elas, acolhedor ventre.
Forram o chão abandonadas ao seu básico destino de serem comida para homens e animais. As castanhas têm uma manha, vão com quem as apanha, sem relutância alguma, sem peso na consciência, que esse ficará com quem as leva não sendo suas. Estavam no chão...
E como o outono foi tempo de uvas, é também, tempo de dióspiros. A sua cor alegra, o seu sabor  estranha. Gosto deles pela sua extravagância.
Também gosto do outono quando o nevoeiro adensa turvando o dia, metamorfoseando a noite em tristes e serenas melodias e nos molha os cabelos lentamente, como se apenas os acariciasse.
Chove tristezas, muitas e interioriza-me.
Paris é ali, tão perto que agonia. Tão longe que ludibria. Tão universalmente minha e tua que ali deve reinar sempre, a fantasia do amor que não perdeu, envolto em pura magia e luz, muita luz.
 

Maria Cepeda     
   
   

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