terça-feira, 6 de março de 2018

PRO MEMORIA DE AMADEU FERREIRA, E DO SEU PANEGÍRICO À VIDA EM BELHEÇ/VELHICE, DE FRACISCO NIEBRO

“A velhice não afasta necessariamente os homens da vida ativa porque há uma atividade muito própria dos velhos: muitos continuam a servir
a pátria com a sua prudência e autoridade; outros entregam-se ao estudo
das letras e das ciências; alguns, ao cultivo das terras”.
(Cícero, De Senectute, sublinhado meu)

Manuel da Fonseca, num dos contos da obra O Fogo e as Cinzas, “O Largo”, escreveu: “o Largo era o centro do mundo”. Parece-me ser essa a intenção de Fracisco Niebro, no introito da obra, ao colocar o protagonista do relato, “um velho” - enfatizo a utilização do determinante indefinido -, sentado na ombreira da sua porta, isto é, na rua, que dá para um largo (p. 8) do qual faz o centro do “seu” mundo. O ancião assume na primeira pessoa o relato da vida, com laivos autobiográficos do autor. Embora o mundo, para ele, seja tão só a sua aldeia, “nos meus oitenta anos quase não saí daqui. O mundo é grande. (…) Por isso, o centro só pode ficar onde ponho a ponta da minha bengala” (p. 30). A mesma ideia é, de novo, reforçada na página 52, onde se lê: “passo os dias sentado no poial de pedra da rua: quem passa olha para mim”. Esta atitude reflexiva do velho, sobre as pessoas da sua aldeia, coloca o leitor, por sinédoque, perante o espetáculo do mundo e leva-o à autognose. A tarefa é árdua, mas ele não desiste de recordar/escrever para nos questionar, “desde que estou aqui sentado na rua já passaram mais de cem pessoas” (p. 98).
Qual é, então, o propósito do velho/da obra? As intenções são várias. Em primeiro lugar, reiteramos a questionação do leitor para o levar à reflexão sobre a vida e a melhor forma de a “merecer”. Por isso, o autor nos faculta uma espécie de manual, isto é, uma carta de intenções que, segundo creio, constituiu a sua filosofia/ideias de vida, fixada na página 38, sempre atual e de muita utilidade para o cidadão hodierno.
A reflexão do velho, escrita com grandes dificuldades físicas, é feita em flashback, recordando as memórias do passado para chegar à desconfortável conclusão: “há coisas, por exemplo cantigas, em que já não caibo, mundos que parecem já nada querer ter a ver comigo” (p. 8). Estas palavras trazem à memória do leitor a réplica de Beresford a Principal Sousa, da obra Felizmente Há Luar! de Luís de Sttau Monteiro: “o velho está sempre a ceder perante o novo e o novo sempre a destruir o velho.”  Parece-me que é também para isto que a personagem/narrador/velho escreve, ou seja, para ser memória futura do povo e das tradições que enformaram a sua vida e que persistem em continuar, apesar da veracidade das palavras de Beresford.
Por conseguinte, o velho, ciente do inexorável curso de Apolo, decide perpetuar a sua memória através da escrita, “depois, veio-me a vontade de escrever”, que lemos na segunda página da obra (p. 8). Esta vontade, em meu juízo, traduz-se em dois propósitos: o primeiro, em não deixar morrer as tradições e a língua de um povo, pelas quais o autor se bateu, de forma abnegada, ao logo da sua vida; o segundo cumpre-se no legítimo e almejado desejo do homem, Amadeu Ferreira, em nos legar uma obra perene que jamais possa ser ignorada. Esta postura lembra o tópico da imortalidade que se adquire pelo valor da obra literária, imortalizado na ode XXX do livro terceiro de Horácio .
O ato de escrita aparece-nos, nesta obra, associado ao nutriente que prende o escritor à vida: “escrever é como um alimento que me vai mantendo vivo, tal como a bengala me permite manter-me de pé” (p. 56). Logo, a escrita, aliada à sabedoria da palavra, que é equiparada a diamante que brilha (p. 20), remete, em minha opinião, para a possibilidade de a literatura transformar o mundo real. Pois, como assevera Vítor Aguiar e Silva, na obra Teoria da Literatura, “o escritor, ao emitir o seu texto, não só transfigura o real nomeado ou aludido, mas reinventa e instaura o próprio real, o real absoluto, com a urdidura encantatória do seu discurso.”  Nesta postura do escritor fulge a figura de Prometeu que, lato sensu, simboliza a capacidade de a comunicação literária contribuir para transformar o real, o real antropológico e o real histórico-social. As palavras do autor de Velhice corroboram estes preceitos: “gostam de sentir que as histórias têm uma vida diferente, como os sonhos. As histórias ensinam a sonhar e falam de um mundo tão diferente que fazem nascer a vontade de mudar aquele em que vivemos” (p. 108). No entanto, esta força performativa da palavra pode ser ineficaz se o leitor se recusar a aceitá-la, como se depreende das palavras do autor: “pensamos que já sabemos tanto que nunca somos capazes de encontrar um espaço para aprender” (p. 64).
Na base destas preocupações patenteia-se a ideia angustiante do esquecimento que para o escritor se assemelha à morte: “estar só não é morrer, é não nascer. Uma pessoa morre quando já ninguém olha para ela” (p. 32) . Creio não restarem dúvidas aos leitores mais assíduos da obra de Amadeu Ferreira que a sua luta, ou melhor, a sua escrita, foi sempre esta pugna hercúlea contra o esquecimento, que, não raras vezes, dói mais do que o próprio óbito. É por esta ordem de razões que se aceita que toda a vasta produção literária de Amadeu Ferreira, e esta em particular, foi animada pelo anelo de se “libertar da lei morte”.
Outro grande filão do livro cumpre-se no título desta crítica, isto é, o elogio da existência, sempre associado à ousadia e à vontade de querer vencer e antecipar o futuro, pois “apenas é nosso o que fazemos porque o queremos” (p. 50). Este encómio à vida está patente nas palavras do autor: “quando olho para trás e vejo o que ficou, sorrio. Houvesse quem fora capaz de sorrir e olhar para a frente… Nada há tão difícil como isso. Olhar para diante mete medo. E com medo ninguém sorri com vontade. E quando ninguém sorri, as coisas e a vida ficam tão pesadas que custam a suportar” (p. 44, sublinhado meu). Mas por mais espinhosa que seja a nossa missão, em vez de desistir devemos recomeçar, uma vez que “quando se perde a vontade de começar, começamos a morrer” (p. 46). E Amadeu Ferreira foi um exemplo acabado desse recomeçar, porque a energia e a força telúrica, imortalizada por Torga, que sorvia das arribas do Douro, o impelia a “nunca contentar-se de contente”.
Todavia, uma certa desilusão atormenta o escritor, porque ninguém pensa nada, “para pensar, há que parar. (…) E como ninguém pensa, nada muda” (p. 28). Registe-se que o sofrimento está associado à lucidez e à inquietação das pessoas, pois “quem mais sabe mais sofre.” (Cf. Pessoa “se estou só, quero não estar”.) O ato de cogitar aumenta o conhecimento e, por conseguinte, o sofrimento: “até os velhos, porque pensam mais, morrem mais depressa” (p. 28). O idoso acaba por sucumbir ao afirmar: “por vezes sabe muito bem uma pessoa não se lembrar de nada e ficar encandeada com coisas tão pequeninas como florzinhas de telhado” (p. 126).
Ouso, pois, afirmar, sem ambages e dissídios, que Fracisco Niebro/Amadeu Ferreira se “libertou da lei da morte” e continuará perenemente, como lembra Horácio, a viver na vastíssima e riquíssima obra que nos legou. Pois ele, mais que outrem, teve a coragem de “não morrer”, como se infere das suas palavras: “apenas há um segredo para uma pessoa não morrer: agarrar-se a uma ideia com tanta força que não mais se desprenda” (p. 34). Creio não andar longe da verdade ao afirmar que “a ideia” a que Amadeu Ferreira se agarrou foi a difusão e a ratificação da Língua Mirandesa.
Termino, apelando à leitura da obra deste ilustre Transmontano/Mirandês na qual são audíveis os ecos de uma luta contínua contra a resignação, o determinismo e o fatalismo, instigando-nos a assumir uma atitude de trabalho abnegado, norteado pelos valores e pela ética, alicerces de qualquer sociedade.
1 - O diálogo Cato Maior ou De Senectute de Cícero é, segundo Gérard Genette, Palimpsestes, o hipertexto de Belheç /Velhice de Fracisco Niebro.
2 - MONTEIRO, Luís de Sttau, 1999. Felizmente Há Luar!. Porto: Areal Editores. P. 54.
3 - O poeta latino Horácio, nesta ode, fala da importância da obra literária que resistirá, como nenhuma outra, às intempéries naturais e, consecutivamente, ao esquecimento.
4 - AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel, 1988. Teoria da Literatura. 8.ª ed. Coimbra: Almedina. P. 334.
5 - Leia-se o poema de Fernando Pessoa, que aqui reproduzo, por me parecer que encerra a mesma filosofia de vida que Fracisco Niebro/Amadeu Ferreira defende nesta obra: “A morte é a curva da estrada, / Morrer é só não ser visto. / Se escuto, eu te oiço a passada / Existir como eu existo. // A terra é feita de céu. / A mentira não tem ninho. / Nunca ninguém se perdeu. / Tudo é verdade e caminho” (sublinhado meu). Fernando Pessoa, Poesias, 15.ª ed. Lisboa, Ática, 1995, p. 142.

Norberto Veiga
Retirado de www.jornalnordeste.com

AVE CARACALA (Editorial do Jornal Nordeste, 06-03-2018)


Mais de mil e oitocentos anos passaram sobre um édito memorável, de Caracala, que generalizou a cidadania a todos os habitantes livres do território do império romano, abrindo um horizonte radioso para o ocidente da Eurásia. Foi em 212 d.c., culminando uma política de integração gradual das populações num modelo político e administrativo que continua a ser uma referência para as nossas sociedades.
Curiosamente o imperador da cidadania foi assassinado, na sequência de uma conspiração no seio da guarda pretoriana, no leste do império, na Mesopotâmia, ali junto da Síria, durante operações militares lançadas em território de influência persa, numa tentativa para consolidar a presença romana na região, guiada pela memória de Alexandre, o Grande, quatro séculos antes.
Aqueles factos longínquos permitem paralelismos inquietantes com a situação que vivemos nestes tempos de angústia, de incertezas, de verdadeiro risco de novas tragédias. É outra vez ali que se joga o futuro, que nos pode precipitar em novo milénio de desagregação política, cultural e económica, reconduzindo-nos ao cortejo de misérias e iniquidades que insistimos em varrer da memória.
No entanto, multiplicam-se decisões, formalmente democráticas, que põem em causa a estabilidade da União Europeia tal como a conhecemos nas últimas décadas. Assim, a tragédia pode estar mais próxima do que gostaríamos, mesmo se alimentarmos ilusões de que a mão de um deus maior acabará por nos poupar da descida aos infernos.
O Édito de Caracala fora o culminar de um percurso histórico com protagonistas de verdadeira estatura política, a começar no grande Augusto, passando pela obra marcante de Cláudio, por Trajano, Adriano e Marco Aurélio. Mas, mesmo essa notável construção ruiu, porque a mediocridade e a insânia têm sido a sombra da humanidade.
No mesmo território onde Roma se constituiu como pólo de um mundo que podia ser definitivamente novo, mas não foi, assistimos, no domingo, ao ressurgimento de nova ameaça grave, talvez a última antes do caos, à manutenção de um espaço civilizacional que poderia desempenhar um papel decisivo nos próximos séculos.
Afinal, a Itália não é herdeira da grande Roma. Depois da queda do império foram muitos séculos de localismos que cavaram divisões, agravadas pelo imediatismo de interesses inconfessáveis de protagonistas que nunca chegarão aos calcanhares de um qualquer imperador da antiguidade, mesmo de Calígula ou do famoso Nero, que não terá sido tão mau como o pintaram alguns escribas da história pitoresca.
Depois da Britânia, que foi romana por mérito de Cláudio e perseverança de Adriano mas veio a acentuar a sua índole saxónica e recentemente fez gala em desdenhar do ideal de unidade que se reerguia, se continuarem a irromper egoísmos à flor da pele na Bélgica, na Hungria ou na Áustria, só nos restará deixar a merecida homenagem ao império perdido, proclamando Ave Caracala, morituri te salutant, para nos entregarmos à luta fratricida, enquanto outros conduzirão os destinos do mundo.

Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste

segunda-feira, 5 de março de 2018

EXPOSIÇÃO E MOSTRA DE MÁSCARAS TRADICIONAIS, VINHAIS







Data do Evento: 
Sex, 26/01/2018 a Sáb, 31/03/2018
A Máscara no Rito e nas Festas de Inverno no Nordeste Transmontano”.
No Centro Cultural de Vinhais.

Retirado de www.jornalnordeste.com 

Amendoeiras em Flor 2018, Vila flor

AMENDOEIRAS EM FLOR 2018

VILA FLOR
Data do Evento: 
Sáb, 24/02/2018 a Dom, 11/03/2018
Mostra TerraFlor/Amendoeiras.

Retirado de www.jornalnordeste.com 

Amendoeiras em Flor. Mogadouro

AMENDOEIRAS EM FLOR 2018

MOGADOURO
Data do Evento: 
Sáb, 03/03/2018 a Dom, 18/03/2018
Aos fins-de-semana.

Retirado de www.jornalnordeste.com 

EXPOSIÇÃO “QUANDO AS PERIFERIAS SÃO CENTRO”, MACEDO DE CAVALEIROS

Sex, 19/01/2018 a Sáb, 07/04/2018
A indústria de tecelagem e das sedas.
No Museu de Arte Sacra.

Retirado de www.jornalnordeste.com 

PARADA E GIMONDE PARTICIPAM NO PROJECTO “LAPANTIM”



Projecto musical baseia-se na obra de Giacometti e redescobre as aldeias de Parada e Gimonde, no concelho de Bragança, recuperando tradições musicais.
O legado musical do etnomusicólogo francês Michel Giacometti está na origem do “Lapantim”. Um projecto idealizado por Pedro Cepeda, depois de ver o programa “Povo que Canta”.
“O episódio era dedicado às aldeias de Parada e Gimonde e lembrei-me de juntar alguns músicos com quem já tinha trabalhado noutros projectos, neste caso o Cristiano e o Ruben. Fomos à procura do legado deixado pelo Giacometti e juntámos outro tipo de recolhas feitas pelos músicos nos locais. O Cristiano sugeriu que se juntasse uma voz feminina e escolhemos a Tânia”, contou Pedro Cepeda. 
Cristiano Ramos, Ruben Santos e Tânia Pires dão voz ao Lapantim. Depois da recolha feita na aldeia de Parada foi a vez de Gimonde, no domingo passado. O Lapantim pretende criar laços com o passado através da música, dando voz a quem habita nas aldeias, e reinventado sonoridades. A guitarra eléctrica, o acordeão, a flauta ou o shruti box são os instrumentos tocados pelos três músicos. 
“Para nós, este projecto é um acto de partilha, de valorização da identidade e da memória do povo transmontano através da música”, explicou Pedro Cepeda. O primeiro resultado da recolha feita nas aldeias é mostrado já esta quarta-feira, dia 28 de Fevereiro, no Bar Praça 16, em Bragança, e é dedicado a Parada. No dia 26 de Março é a vez de Gimonde.
O Lapantim não fica por aqui pois o grupo está a pensar numa segunda fase em fazer recolhas em outras aldeias transmontanas, por onde Giacometti passou, como são os casos de Tuizelo, no concelho de Vinhais, ou S. Martinho de Angueira, em Miranda do Douro.
Giacometti chegou a Portugal em 1959 e viveu em Bragança, onde estudou o Nordeste Transmontano, gravou músicas tradicionais, trabalho incluído no programa “Povo que Canta”. 

Escrito por Jornalista: Susana Madureira