quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

ENTREVISTA PROFESSOR ADRIANO MOREIRA (4º Excerto)


Entrev.: É verdade. Também é nossa. 

Prof. Doutor A.M.: Chamei a atenção, chamei ontem… não percebo esta guerra civil da língua: quando olhamos para o site das Nações Unidas, estão lá oito línguas só. Está lá a nossa.

Entrev.: É a quinta língua mais falada do mundo. Não é qualquer coisa. É uma grande coisa.

Prof. Doutor A.M.: E mesmo para a literatura… Sabe qual foi a grande invenção do inglês para se expandir? O inglês básico. E o criador do livrinho, um professor, disse: “Isto é que vai conquistar o mundo.”

Entrev.: E conquistou. É isso. Senhor Professor, já estamos quase a acabar e eu não quero cansá-lo mais. Que leitura faz da região de Trás-os-Montes de hoje?

Prof. Doutor A.M.: Bom, eu não tenho hoje a mesma intimidade. Porque já venho menos vezes, já não tenho parentes na aldeia. Não há crianças. Mas eu mantenho este sentimento… No sítio onde nós vivíamos não havia igreja, lá em Lisboa. …  havia muitas, mas longe. E dinheiro, para o transporte e tempo livre não havia. Portanto a minha mestra foi a minha mãe. E até morreu um amigo meu, franciscano, muito sábio, era da Academia das Ciências, e acaba o livro, o último que escreveu, com estas palavras: “Deus existe.” E eu: “A minha mãe já me tinha dito.” E, portanto, a crise desafiante da Igreja é geral, e a resposta não está a ser uniforme. Está a pagar glórias, está a pagar porque foi uma responsável pela ocidentalização do mundo. Mas aquela história que eu contei… não contei… Recordo-me do sueco Dag Hammarskjöld, Secretário Geral das Nações Unidas, sendo eu um dos representantes de Portugal… Nós éramos muito novos, os delegados. Íamos para a pandega no fim-de-semana: qualquer hora que chegássemos, (estávamos num hotel muito pobre de africanos, porque naquele tempo o estado não era rico nas ajudas de custo), a janela dele estava iluminada. Estava a trabalhar. Tínhamos tal admiração por ele, que eu a primeira vez que fui à Suécia, fui ao cemitério para REVERENCIAR  a sepultura dele. Fez na ONU uma salinha, do tamanho deste espaço onde estamos, com bancos de madeira e um altar de mármore ao meio, e uma luz que vinha do alto sobre a pedra, impressionante! “Sala de meditação de todas as religiões.” Ele percebeu que tinham que se por de acordo. Veja bem! Ele foi assassinado, no Congo. A mim dizem-me, não, não está provado. Eu digo, pois não. Deitaram-lhe só o avião abaixo. Bom. Morreu muito novo. Eu tinha esta admiração que disse. Já agora, conto uma pequena anedota: eu cheguei a ser presidente de uma coisa que se chamava Centro Europeu de Informação e Documentação. Foi fundado pelo Arquiduque de Habsburgo, de quem eu fui muito amigo. Tínhamos delegação em catorze países e ainda cheguei a ser o Presidente. Uma vez tivemos uma reunião na Suécia. Ficámos num Château e no domingo de manhã foram bater aos quartos “Há missa na sala de jantar.” Porque o arquiduque tinha o privilégio de lhe dizerem a missa onde estivesse. E ele tinha um altar portátil. Portanto, levava-o com ele. Onde chegasse, instalavam-no e diziam a missa. Quem disse a missa foi um alemão. Ninguém sabia alemão senão os alemães e depois estava o padre Aguiar que era o nosso e lá traduzia as coisas como podia. A certa altura, desata tudo à gargalhada na missa que estaria no fim. “Ó padre Aguiar, o que é isto?” É que o padre, como era a primeira missa que se dizia na Suécia desde o tempo do Lutero, achou que devia haver uma música. Então encontrou uma senhora de idade que tocaria a música. Sabe o que era? O hino do Lutero, na primeira missa católica desde a reforma.

Entrev.: (Risos) O hino do Lutero! Ora, então, realmente. Que engraçado.

Prof. Doutor A.M.: (Risos) É uma coincidência. O hino do Lutero. Era o que ela sabia tocar. É interessante. Há um padre chamado Kung, alemão. Conhece o nome? Tem uma fundação e teve umas questões com o Papa Emérito. Era amigo dele, mas proibiu-o de dar aulas. A pregação dele no mundo, é que as religiões se entendam.

Entrev.: Era bom era!

Prof. Doutor A.M.: Olhe, ainda outro dia, há pouco tempo, li um livro do líder do Tibete. Como é que ele se chama?

Entrev.: O Dalai Lama.

Prof. Doutor A.M.: Apresentei o Dalai Lama na Universidade de Lisboa há mais de 30 anos. Apresentei-o, veio cá. É impressionante o seu recente livrinho. Ele diz, “Eu fui invadido, destruíram o meu país, mataram muita gente, estou exilado há 50 anos, e não tenho ódio a ninguém. Acho que a paz é fundamental. E o Papa Francisco tem razão.” É impressionante, é animador para o Papa que tem pouca saúde.

Entrev.: Tem uma saúde muito frágil.

Prof. Doutor A.M.: Falta-lhe um pulmão. E já caiu duas vezes. Mau sinal. Há um problema com ele que eu acho que esta gente não avalia; dos cardeais, bispos vivos, é o que sabe mais da América Latina.

Entrev.: – Sem dúvida nenhuma!

Prof. Doutor A.M.: E, portanto, ele sabe o drama da América Latina. Eu escrevi um artigo que vai sair no Diário de Notícias. Eu ando um bocadinho preocupado com essa gente. E acabei o artigo assim: “O problema não é a soberania do Brasil, que não é o único soberano; o problema, quando se diz a importância da Amazónia, é o valor para o Globo.

Entrev.: Ai, sem dúvida nenhuma!

Prof. Doutor A.M.: Esse valor está antes. Com esta conversa que estão a ter em relação aos nativos e que implica com o inquérito do Papa. Lembrei-me, por umas passagens, do livro sobre a democracia na américa”, que é um livro muito célebre de Toqueville, em que se conta o encontro dos Iroqueses com o Presidente dos Estados Unidos. Vale a pena ler isto, porque disseram o seguinte: “Quando os senhores chegaram aqui, vinham carentes. Recebemo-los ajudando-os. Os senhores destruíram o nosso território. Éramos os componentes da nação mais importante. Estamos aqui os últimos da nossa raça. Vimos-lhe perguntar se temos de morrer.” Eu concluo: “Vejam se evitam uma repetição deste acontecimento com esta história da Amazónia.”

Entrev.: Esperemos que sim.

Prof. Doutor A-M.: Eu acho que é comparável.

Entrev.: É comparável sem dúvida. Olhe, Senhor Professor, para concluirmos isto, porque eu vejo que já está muito cansado, … o que pergunta o meu marido é se o senhor professor não se importaria que a sua obra toda, a sua biblioteca toda, fosse colocada online, em suporte digital?

Prof. Doutor A.M.: Isso tem de perguntar. Eu, por mim, não me importo. Tem que perguntar ao nosso Presidente da Câmara. Ela está para vir, o resto. Isto aqui é uma parte.

Entrev.: Eu sei, eu sei.

Prof. Doutor A.M.: Já viu, não viu?

Entrev.: Sim, já vi e sou frequentadora da sua biblioteca.

Prof. Doutor A.M.: Eu, uma das coisas que digo à minha mulher, é isto: “A ti, depois de eu morrer, vai-te custar, porque a casa, sem os livros, vai ficar vazia. Eu Graças a Deus tenho uma casa grande. E fui favorecido por Deus, que eu nunca tive grandes empregos, mas tinha a educação transmontana. Nada de inutilidades, etc. E a minha casa é muito acolhedora. Eu vivo ali há 50 e tal anos, veja bem. Mas é um tempo em que o Restelo chamava-se o Bairro das mulheres arrependidas. Sabe porquê? Acabou o açúcar. Onde é que se compra açúcar? Não havia um sítio onde comprar. Agora não, agora há tudo. Bom, a casa é a mesma. Vá lá e cabem lá os catorze netos. De vez em quando juntam-se todos lá. E estou a reparar numa coisa. Os que andam na universidade vão para lá estudar.

Entrev.: Ora vê! Risos de ambos.

Prof. Doutor A.M.: É uma coisa engraçadíssima!

Entrev.: É porque sabem que têm um avô e uma avó que os podem receber e sabem que podem contar com eles. Senhor professor o prémio da lusofonia?

Prof. Doutor A.M.: Disse ontem. Disse ontem. Se não fosse o meu pai, não estava ali. Enfim, se não fossem o meu pai e a minha mãe, não estava ali. Estou sempre a lembrar isso.

Entrev.: E o prémio devia ter o nome do seu pai…

Prof. Doutor A. M.: E até aqui há tempos, já há muito tempo, mais de um ano, talvez quase dois, o Comandante Geral da Polícia, penso que agora não tem esse título, mas equivale a general, aconteceu eu falar com ele num almoço em que fiquei ao seu lado. Ele disse-me assim: “Olhe uma coisa senhor professor, o seu pai não foi ajudante do Ferreira do Amaral?” Eu disse: “Foi”. Ainda conheci o Ferreira do Amaral, porque eu era pequenino, mas o meu pai achou que eu devia ir ver o seu comandante. E gostava tanto dele, que o meu pai, já com 80 anos, naquele tempo, era um tempo em que estava em Grijó e ia a Lisboa de propósito à missa anual pelo seu comandante. Veja bem. Ele foi vítima num atentado. Iam-no matado a tiro e safou-se. E diz-me o comandante: “O senhor podia dar-me um retrato do seu pai?” “Com certeza! Até lho posso dar já que tenho na carteira.” “Não, eu quero um mais apropriado, para pôr ao pé do “Ferreira do Amaral”.

Entrev.: Muito bem. Que maravilha! Obrigada, Senhor Professor. Foi um enorme prazer e uma grande honra ter-nos concedido esta entrevista. Não temos palavras para agradecer a sua disponibilidade e amabilidade. Pedimos desculpa por se ter tornado tão longa. Bem-haja. 

Entrevista realizada por Maria e Marcolino Cepeda e Lídia Machado dos Santos

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

OUTONO (4-12-2019)

Beleza e melancolia,
efeitos do coração
que as árvores,
só por magia
expressam solidão.






Fotos e texto de Maria Cepeda

A VIDA NÃO TIRA FÉRIAS (2-12-2019)


É outono, quase inverno.
É hora de ser quem somos,
Sem medos, sem abandonos
que a vida não tira férias.

Não deixamos de ter beleza.
Basta o momento, o instrumento,
o olhar e a vontade de o usar.




Fotos e texto de Maria Cepeda

No seu olhar me perdi

Veja-se este céu!
Tão único
Tão nosso
Tão meu.

Não sei o que diz.
Intriga-me,
Impacienta-me,
Interessa-me.

No meu olhar se perde.
No seu olhar me perdi.



Fotos e texto de Maria Cepeda

Estamos a ficar com os azeites (Editorial do Jornal Nordeste, 10-12-2019)


A oliveira, o seu fruto e o azeite que dele se extrai são referências fundamentais das civilizações mediterrânicas, associadas a confortos de di­vindades e às aspirações hu­manas na partilha das essên­cias do que consideram as delícias da imortalidade. 
Associamos o azeite à luz que nos guia nas trevas, à purificação do corpo, à ce­lebração da vida, apesar de também conhecermos ditos jocosos que o relegam para realidades enjoativas, ranço­sas e escorregadias, fruto de modas em tempos de idola­tria do sintético, do proces­sado, do adulterado, aparen­temente cómodo, eficaz, rá­pido, com consequências que se hão-de ver, se calhar.
O Nordeste Transmon­tano tem sofrido os efeitos nefastos do isolamento que a história lhe foi impondo, abafando-lhe o alento e es­vaziando-lhe a alma. Mesmo assim, quando olhado com olhos de ver, pressentia-se não haver razão para lhe as­sacar a condição de verda­deiro degredo.
Talvez se tenha chegado tarde ao reconhecimento de potencialidades únicas, ape­sar da aventura notável que foi o empreendimento do Ca­chão há mais de meio século, que se perdeu nas noites do desleixo acomodado às mi­ragens de prosperidade que haveria de cá chegar, mais cedo ou mais tarde, porque sobraria de prometido mila­gre nacional, abençoado por todos os santos da Europa.
Mesmo assim, ainda foi possível identificar produ­tos que teriam futuro no sec­tor agroalimentar, nomeada­mente as carnes, o azeite, os frutos secos ou o vinho. Não faltaram proclamações e ac­ções de sensibilização para a aposta na especificidade, na qualidade, na produção tra­dicional, porque por aí se chegaria a mercados com al­to poder de compra, refina­dos, com garantias de conti­nuidade.
O reconhecimento das produções da região foi apa­recendo: vinhos, azeites, car­nes certificadas foram pre­miados a nível internacional, mas a generalidade dos pro­dutores viu-se confrontada com a exiguidade do univer­so de consumidores, reinsta­lando-se o instinto de sobre­vivência, quando não aconte­ceu o abandono por falta de rentabilidade ou exaustão de quem gastara a vida a lutar contra o destino. Assim se ex­plica a redução vertiginosa de cabeças de gado bovino e dos efectivos de ovinos e capri­nos, estes com as perdas co­nexas de outro produto para palatos exigentes, os queijos com carácter muito próprio.
Enquanto a castanha e a amêndoa parecem ter, no horizonte imediato, garan­tias de rendimentos inte­ressantes e o vinho também continua a fazer caminho, o azeite da região está, desde há três anos, a confrontar-se com um problema que pode comprometer-lhe o futuro.
O preço pago aos pro­dutores de azeitona está em queda e os transformadores já recusam o próprio fruto, porque não colocam o azei­te no mercado com renta­bilidades aceitáveis. Por is­so, um número significati­vo de pequenos produtores poderão conhecer sérias di­ficuldades para manter a ac­tividade ou sujeitar-se a ficar com os azeites. Aqui nos con­frontamos, mais uma vez, com o absurdo: a qualida­de afinal serve-nos de pouco.
Ficar com os azeites tam­bém é expressão idiomática que utilizamos para referir irritação, mau humor ou fú­ria, sentimentos que tendem a não se arredar das nossas vidas.

Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste

domingo, 8 de dezembro de 2019

ENTREVISTA PROFESSOR ADRIANO MOREIRA (3º excerto)


Entrv.: Eu costumo dizer que nós somos as nossas circunstâncias! 


Prof. Doutor A.M.: É a relação com a circunstância. Eu lembro quando foi do primeiro grande golpe que foi as duas coroas, o nosso Frei Bartolomeu dos Mártires, que agora é santo… eu acho que ele fez uma coisa um bocadinho criticável, achando legítimo que viesse o rei de Espanha. Ora bem, mas outro bispo percebeu a circunstância: não estava de acordo, mas quando lhe perguntaram, o que respondeu foi – “Ao presente não lhe vejo mais remédio.” Quem diz isto não está de acordo.

Entrv.: Sei que ontem foi um dia muito cansativo…

Prof. Doutor A.M.: Foi, mas dormi bem. Mas eu queria dizer outro aspeto em que o país caiu que eu chamo “exíguo”, porquê? Porque não tem recursos suficientes, há tempos, para o que tem de fazer. As duas coisas… aconteceu-nos e não gosto, mas em todo o caso há uma coisa que é a dignidade. E isto já deve ser da idade… Quando via vir os homens da TROIKA explicar regras aos nossos ministros, eu perguntava-me: “então nós não temos empregados para falar com empregados?

EntrV: Justamente. É verdade.

Prof. Doutor A.M.: Eu sentia-me humilhado como transmontano e português.

Entrv.: Somos transmontanos. Eu sou da região de Vinhais e o meu marido nasceu na cidade de Bragança. Então somos mesmo! Embora eu tenha vivido no Brasil. Fui para lá pequenina e estive em São Paulo durante muitos anos até voltar para cá, mas somos e sinto-o porque os nossos pais sempre nos incutiram o trasmontanismo.

Prof. Doutor A.M.: Veio-me à ideia porque foi a pergunta que me fez. É que quando fiz estudos em Lisboa, como lhe disse, os meus amigos e do meu pai eram os transmontanos. Era gente muito modesta, mas amigos e solidários e vi isso, por exemplo, na guerra de Angola. Eu cheguei a Angola, não havia segurança. Não havia, ainda. O meu pai tinha acabado de se reformar e disse-me: “Sem segurança não vais, vou eu”. Foi comigo.

Entrv.: Sim, sim eu li alguns livros…

Prof. Doutor A.M.: Viu nas fotografias? Estava sempre no meio. Era um perigo. Mas é o pai transmontano! Em toda a parte que eu chegava e onde houvesse transmontanos eu estava protegido. Eles cercavam-me… estavam sempre, sempre. Quer dizer, é uma comunidade que onde estiver é transmontana.

Entrv.: É verdade, e eu senti isso no Brasil e senti mesmo muito em S. Paulo.

Prof. Doutor A.M.: É por isso que eu digo que os transmontanos têm uma maneira de ser de solidariedade que os identifica.

Entrv.: Sem dúvida que sim. Os descobrimentos portugueses deram novos mundos ao Mundo. Acha plausível que, Cristóvão de Mendonça, navegador português, tenha chegado à Austrália em 1522, 250 anos antes da chegada do Capitão James Cook, conforme teoria defendida por Peter Tricket no seu livro “Para além do capricórnio”? A ser verdade, a que se terá devido o secretismo dessa descoberta?

Prof. Doutor A.M.: Eu conheço essa questão e a questão é de facto de resposta duvidosa, as provas são duvidosas…

Entrv.: São circunstanciais…

Prof. Doutor A.M.: São duvidosas. Não ficou nada registado. Eu tenho uma neta, a Moniquinha, que foi fazer aquele programa, o Erasmus, para a Austrália. Agora vai ver do que lhe lembrou. Tinha uma amiga, alugaram um automóvel e deram a volta à ilha toda. Chamei-lhes malucas porque foi um perigo, mas disse-lhe: “Olha quem descobriu a Austrália foste tu”.

Entrv.: É verdade! Senhor professor, palavras suas: “Estes políticos afirmam que só há uma via! E, sobre isso, eu digo: “Nunca há apenas uma via única”.” E os partidos políticos em Portugal e no Mundo, Senhor Professor, que futuro?

Prof. Doutor A.M.: A ideia de “partido” ainda no século XVIII era discutida, porque, sobretudo ingleses, achavam contrária à ideia de comunicado. Há vários autores dessa época… A minha memória agora não me ajuda, mas quando vi esta multiplicação dos partidos, para as eleições europeias, lembrei-me que tinham razão aqueles velhotes. O que é que eles diziam: partido era facção. E isso era contrário à ideia de comunidade, portanto não queriam a palavra partido, mas depois, com o tempo, a palavra partido deixa de ser a tal facção quando o conceito estratégico é comum e o que discutimos é o que é melhor. A circunstância mudou. As grandes potências emergentes em competição. A definição interna dos partidos tem de se moldar para responder à nova circunstância. A última eleição para o Parlamento Europeu em França, teve 30 partidos, e veja agora a última eleição em Portugal mostrou novidades no sentido de se pôr de acordo com as novas circunstâncias.

Entrv.: Aprendeu com a sua mãe que “Deus é companheiro”. O que pensa do Papa Francisco e do futuro do Catolicismo?

Prof. Doutor A.M.: Eu sou adepto do Papa Francisco e também reparo… ainda ontem na conversa com os nossos amigos lembrei-me disso: o mundo está muito dividido… riscos vermelhos… agora é moda, mas se reparar, depois da Fundação das Nações Unidas, o único líder religioso que foi chamado, foi o Bispo de Roma – Papa dos Católicos. Primeiro foi Paulo VI. Deixou aquela célebre mensagem: que o “crescimento da economia é o novo nome da Paz”. Depois foi João Paulo II, duas vezes: a igualdade dos povos – era o seu próprio país dominado pelos russos; depois foi o Papa Emérito que é o grande mestre, professor Bento XVI pregando – aquilo que dizem é o que devem fazer. E o Papa Francisco já foi chamado duas vezes. Ora bem, simplesmente a campanha contra a Igreja Católica neste momento é brutal. Tem pecados, mas quando há pecados tem de se arrepender, condenar, absolver, etc. Na nossa fé: perdoar. Mas como a circunstância, neste momento, é o Terceiro Mundo contra os ocidentais: e quem foi que abençoou a ocidentalização? É a razão em que ninguém fala. A luta contra os ocidentais inclui a Igreja. E os católicos estão a fazer demonstração de perplexidade e dificuldades com esta história da Amazónia. 
Não sei se viu, o Papa convocou os Bispos, porque o Brasil não é único dono da Amazónia. Há uns cinco ou seis e o Papa chamou os Bispos e fez-lhes um questionário para ver como é que vai ajudar os nativos. E até entre as perguntas perguntava se deviam admitir homens casados. E eu percebi, porque me lembrei da história da lepra, porque quando apareceu a lepra no século passado foi grave. Organizaram uma ilha no Golfo do México, que era francesa, só para os leprosos e há um frade que se oferece. Mas há uma carta dele – isto está num livro do médico que foi um bom escritor também, português, Dr. Almerindo Lessa. O frade, com trinta anos, escreveu para a Ordem: “Irmãos, eu sou jovem, tenho tentações, perdão, rezem por mim”. Veja bem. O Papa sabe isto. E alguns vieram acusá-lo até de herege. E a estupidez, ainda por cima, é que pela lei que ele está a utilizar, os Bispos não podem decidir nada. Ele fez as perguntas. Ele tomará a decisão. Mas as perguntas, dizem alguns que são de herege. Até aquele cardeal que está na cadeia, na Austrália, naquele conforto da cadeia, dá-lhe tempo para divagar, chegou à conclusão de que é herege. Ora, tudo isto é para lhe dizer: a circunstância é muito dura, é muito problema sem experiência. Há Globo, mas não há governo do Globo.
E, depois, também aquelas vozes encantatórias que, no fim da guerra, fizeram a Paz europeia, eram todos da Democracia Cristã: da França, da Alemanha, da Itália. A democracia Cristã está de rastos. Praticamente só está em Portugal, e só elegeu cinco deputados. E a senhora Merkel está ligada, mas está a descer de poder, e esta coisa de ocidentalizar o mundo é agora uma atacada aventura. Ora bem, nós tratemos mais da situação de Portugal. Não há segurança do Atlântico sem Portugal; não há luta contra a criminalidade marítima sem Portugal, mas é a situação que o envolve e, mais uma vez, a minha convicção: os portugueses têm conseguido lugares da vida internacional que não estão de acordo com os 92 mil quilómetros em decadência. Tivemos a Presidência do Conselho de Segurança, da Assembleia Geral da ONU, tivemos a Presidência dos Emigrantes – estão lá representantes muito inteligentes. De onde é que vem este prestígio? Repare que não há missão militar portuguesa, que não termine sem receber elogios… a capacidade da Instituição Militar projeta-se na importância do país que não tem a força, tem a posição e a inteligência e é por isso que a nossa diplomacia tem de ser muito boa e é muito boa, muito competente! Mas já fui bastante claro sobre a nossa fragilidade, neste momento.

Entrev. Não, não é. O senhor professor é um sábio. Há pouquíssimos homens como o senhor professor. Sinceramente, acho que já não há.

Prof. Doutor A.M.: Então estão a acabar. Com os anos que eu tenho…

Entrev. O Museu da Língua Portuguesa é um projeto muito interessante e poderá ser uma mais-valia a nível nacional e internacional no que à lusofonia diz respeito. Gostaríamos de conhecer a opinião do Senhor Professor sobre este assunto.

Prof. Doutor A.M.: Olhe, eu defendi muito essa ideia antes de ser posta em prática. Até reuni dois congressos das comunidades portuguesas no estrangeiro… uma foi cá em Portugal com iniciativa da Sociedade de Geografia, e Coimbra e Braga. Criei a União das Comunidades Portuguesas no Estrangeiro. Um foi cá em Portugal. Houve sessões excelentes. E agora há o grande problema da língua. Veja a guerra civil que há aí por causa do acordo? Eu sou contra o acordo, mas cumpro-o. Mas sabe porquê? Eu era Presidente da Academia das Ciências, tinha que obedecer à lei. Mas protestei, porque “a língua não é nossa, também é nossa”.

Entrev.: Eu também. Eu sou professora e tenho que ensinar a norma.

Prof. Doutor A.M.: E eu representante da Academia, responsável, não me dá jeito escrever de duas maneiras. De qualquer modo, fiz um discurso muito firme. Penso muito seguro. Eu disse o seguinte: A língua não é nossa. A língua, também é nossa. Porquê? A língua, consoante o lugar onde é implantada, mistura-se com valores locais. E até tem como que regras. Quando há escravatura, por exemplo, as vogais abrem-se para que o escravo perceba. Mas se ele deturpar, o patrão, como o primeiro objetivo é ser obedecido, adota a deturpação. Depois as comunidades não contactam com a mesma realidade. O Brasil tem valores italianos, valores alemães, valores japoneses… e nós não temos. Quando chegarmos ao Oriente, é a mesma conversa, mas a língua não é nossa. A língua também é nossa. Nós transmontanos, temos palavras que os outros não sabem. De maneira que eu encontrei esta regra que me parece verdadeira. A língua não é nossa, também é nossa.

(Continua...)


Entrevista realizada por Maria e Marcolino Cepeda e Lídia Machado dos Santos

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Egocentrismo radical (Editorial do Jornal Nordeste, 3 de novembro de 2019)

A essência da política é a liberdade de pensar, que orienta a acção na res publica, a comunidade, polis ou civitas, como diriam os nosso maiores, gregos e romanos.
Da liberdade de pensar ouvimos dizer que se realiza sempre, sem condicionamentos nem censuras, o que não é definitivamente verdade porque também somos resultado do nosso contexto, apesar de não haver “machado que corte a raiz ao pensamento”.
Na política não basta a aventura de pensar, porque a liberdade objectiva só se concretiza na relação com os outros, reclamando o contributo da igualdade e da fraternidade para que não nos tornemos simples adoradores do nosso ego, porventura luminoso, mas incapaz, só por si, de criar novos mundos ao ritmo do pulsar caprichoso de um qualquer génio do bem, ou do mal, porque também os há.
Apesar destas evidências as sociedades continuam a lidar com auto proclamados profetas, que olham com desprezo para os outros viventes, apontando-lhes, de dedo em riste, a rota da salvação de si próprios, desse inferno que é a condição humana, com todas as angústias, tragédias, esperanças, entusiasmos e desilusões que lhe conhecemos.
Quando vai alta a maré do desespero deixamo-nos arrastar pela emoção e perdemos a capacidade de observação racional da realidade. Foi assim que se abriram portas a ditaduras ferozes. Entretanto, continuamos a dar atenção a visionários que distorcem a realidade em nome das suas convicções, por mais absurdas que sejam quando olhadas com inteligência.
Temos aprendido pouco com a história, apesar das dores que a humanidade foi provando. Geralmente tais personagens messiânicos revelaram-se perigosamente inimigos das liberdades e do respeito pelos outros e pelas suas circunstâncias.
Oriundos dos extremos do espectro político-ideológico, tanto faz, quando lhes foi proporcionada oportunidade tomaram o freio nos dentes sem escrúpulos, convencidos que haviam sido eleitos para a revelação final, numa paranóia incomodativa. A centração em si próprios deixou memórias ridículas, miseráveis e agoniantes de Hitler, Staline, Salazar, Mao Tse Tung e, nos nossos dias, de Fidel Castro, Hugo Chavez e o seu herdeiro Maduro. Espera-se que os sistemas democráticos dos EUA e do Brasil encontrem condições de resistir ao espectáculo reles em que deram palco a duas figuras inenarráveis da ignorância atrevida.
Se a racionalidade continuar a perder terreno neste século XXI, corremos o risco de conhecer os primórdios de uma nova idade das trevas, que chegará para ficar por muito tempo. Há razões para temer a proliferação de fanatismos irrecuperáveis para o reconhecimento de valores comuns, condição para que a convivência seja possível.
O fenómeno, aparentemente marginal, que ocupa os noticiários no país é um bom exemplo: os egos no partido “Livre” estão sobreexcitados e uma proposta aparentemente interessante de participação cívica leva à constatação de que fazer política à esquerda pode não passar de mais uma situação risível da miséria a que estaremos condenados.

Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste.
Retirado de www.jornalnordeste.com