sábado, 31 de maio de 2025

Agradecimento



Jorge Morais, amigo de longa data, presente na minha vida desde crianças. 
Sempre pronto para ajudar. Companheiro das patuscadas que íamos fazendo de vez em quando, juntamente com o Teófilo, o Ernesto, o Jacob, o Vitor Alves e outros.  
Sempre simpático, sereno, trabalhador, excelente pintor, excelente fotógrafo.
Tirou, ao longo da sua vida, milhares e milhares de fotografias.
Fotografou o meu casamento e agora este evento comemorativo dos meus 70 anos.

Muito obrigado Jorge.


Marcolino Cepeda


quarta-feira, 14 de maio de 2025

Meu 70º aniversário o "Discurso"

 

José Rufino Cepeda e Emília Raquel Teixeira nasceram em plena 1ª Guerra Mundial. Tiveram oito filhos, três dos quais faleceram enquanto bebés. Os restantes sobreviveram e floresceram.

O mais velho é o Amílcar. Seguiu-se o José Emílio, o António José, mais conhecido como “Tojé”, a Maria Jacinta e, finalmente, eu, corria a década de 50 do século XX, com todas as voltas e contravoltas que lhe estavam destinadas.

Os meus pais depois de muitas noites mal dormidas a pensar no futuro dos filhos, decidiram que não podiam condená-los a uma vida de muito trabalho e de pouco dinheiro. A questão era como iria um agricultor, dos melhores, transformar-se num vendedor de peixe?

A resposta a esta pergunta, não a tinham. Estava nas mãos de Deus. Sabiam apenas que queriam um futuro melhor para os quatro filhos, que em breve seriam cinco.

O mês de fevereiro de 1955 trouxe a minha família para um mundo completamente novo. Os meus pais tomaram posse de uma banca de peixe na Praça do Mercado, que pertencera até então, aos tios Emídio e Constança, irmã da minha mãe, que estavam prestes a embarcar para o Brasil, mais precisamente, São Paulo.

O meu pai sempre fora agricultor. Quem o conhecia, enaltecia as suas qualidades de trabalhador incansável e dedicado. Para além dessas qualidades, reconheciam-lhe um sentido de humor inigualável.

Conta-se que certo dia, o meu pai e o seu sobrinho Gil decidiram fazer duas belas carradas de lenha para acautelar os frios do inverno. Cada um com o seu carro de bois tinha de passar numa rua onde mal cabiam em fila indiana. Azar dos azares, por mais cuidado que tivessem, o carrego era tão alto que levou uma fiada de telhas de uma das casas da rua.

Em alvoroço, lá veio a dona da casa a gritar e a queixar-se de que lhe tinham partido as telhas e que alguém teria de as pagar e correu a perguntar, primeiro ao meu pai e em seguida ao Gil, quem é que tinha feito aquilo:

- Ò que desgraça! Estes malandros, já é a segunda vez que me fazem isto! Quem foi tio Zezinho, que me partiu as telhas?

- Ò ti Maria, eu não sei de nada! Pergunte ao meu sobrinho.

- Ò menino Gil, foi o seu tio não foi?

- Ò ti Maria, eu não vi nada! Estava a olhar para a lenha para que não caísse. Pergunte ao meu tio.

E assim, a culpa morreu solteira. Segundo ouvi dizer, foram poucas as telhas que caíram, três ou quatro.

Contava a minha mãe que, certo dia, preparou a merenda para o meu pai que pretendia demorar-se no campo o dia inteiro e como sempre, contava com a companhia do Piloto, o cão da família. O trabalho era muito e era necessário fazê-lo. Chegada a hora do almoço o meu pai lembrou-se que tinha deixado o farnel na primeira terra onde tinha andado e voltou para o ir buscar, sempre acompanhado pelo fiel amigo.

Lá chegado, olhou para todo o lado e não conseguia encontrar o saco da comida. Ouviu um latido do cão e viu-o sentado junto de alguma terra revolvida. Pareceu-lhe ver o cordão do saco de linho. Para lá se dirigiu, ao mesmo tempo que ouviu um novo latido do Piloto. Sentou-se, puxou pelo baraço e lá veio o saco com a merenda. O cão começou a ladrar e a saltitar à volta do dono que não conseguia acreditar no que tinha visto. O primeiro bocado foi para o Piloto que bem o mereceu. Comeram os dois. Ao chegar a casa, o meu pai contou à minha mãe o que se tinha passado. Parece impossível…      

A minha mãe cuidava de nós. Convém dizer que ela e o meu pai se davam muito bem. Segundo me contaram, o meu pai, fosse no inverno ou no verão, na primavera ou no outono, nunca saía para o campo sem deixar o lume aceso e as batatas descascadas para a minha mãe.

Dividiam tarefas. Foi ela que tratou da compra da banca de peixe com os meus tios. Venderam o que tinham na aldeia e certo dia, meteu-se na carreira para Bragança a fim de acertar as contas, alugar uma casa e combinar o tempo necessário para aprender o ofício. De peixe, nada sabiam.

A mãe, no regresso, veio de comboio até à estação ferroviária de Castelãos, onde o Amílcar e o Zé Emílio estariam à sua espera com a égua. Ao chegarem à estação, o comboio apitou. A égua assustou-se, saiu a correr e eles atrás dela e não havia maneira de a alcançarem até que um senhor, que de tudo se tinha apercebido, lhe pôs a mão e, depois de a acalmar, lhes entregou o animal. A nossa mãe, depois de muito agradecer ao bom samaritano, lá foi a cavalo na égua até Gebelim.

Chegou o dia da mudança para Bragança. Foi no dia 13 de fevereiro de 1955. Segundo o Tojé, era noite escura e chovia que Deus a dava. Vínhamos duas famílias na carrinha do tio Emídio. O motorista, a minha mãe grávida de mim e a tia Constança, vinham no habitáculo. O meu pai, o tio Emídio, os três filhos dos meus tios e os meus quatro irmãos vinham na carroçaria tapados com uma lona o que não impediu que ficassem completamente encharcados. Para trás, deixaram toda uma vida e, também, o Piloto que chorou a noite toda por nós.         

Nasci em Bragança, na rua Almirante Reis, no dia 8 de maio de 1955. Dizem que nasci muito pequeno e magro e que foi um bocado difícil aguentar-me por cá nos primeiros meses da minha existência terrena. Tanto assim foi que o meu irmão Tojé chama-me “Escapou” duas vezes.

Fui o menino que seguiu, completamente despido e descalço, atrás da Banda Filarmónica dos Bombeiros Voluntários de Bragança até à Capela do São Bartolomeu.

Fui o menino que quando teve sarampo exigiu um guarda-chuva aberto pendurado no teto do quarto.

Fui o menino que quando ia com o Zé Emílio até à estação do comboio, lhe matava o bicho do ouvido com todas as perguntas que fazia.

Fui o apanha-bolas nos jogos de ténis de mesa quando a bola corria para debaixo da cama e nenhum dos meus irmãos a conseguia tirar.

Fui o menino que o Amílcar angariou com 25 tostões para torcer pelo Futebol Clube do Porto…   

Tinha eu dez anos quando mudamos para uma casa um bocadinho maior. Os meus irmãos foram saindo de casa. O Amílcar para estudar e trabalhar; o Zé Emílio para cuidar da sua saúde e mais tarde estudar; o Tojé para jogar futebol e depois para a guerra do Ultramar. Recordo-me, como se fosse agora, que acompanhámos o Tojé à estação. Nunca tinha visto o meu pai chorar até àquele dia. Foi realmente um dia muito triste. Felizmente, passado o tempo regulamentar, o Tojé voltou, são e salvo. A Maria Jacinta saiu para estudar; eu fui o último a sair.  

As histórias de cada um escreveram-se e escrevem-se nas linhas do infindável livro do universo. Algumas gravitam ao nosso redor para não serem esquecidas. Outras são mais discretas, mais serenas.

E é aqui que me compete fazer alguns agradecimentos especiais. Aos meus pais que Deus tenha, agradeço a vida. À minha mãe em particular, as lágrimas que derramou por mim.

À Adeliza, à D. Filomena e ao Amílcar nunca poderei agradecer o suficiente pelo que fizeram por mim e pela minha mulher. Foram, juntamente com o Luís e o Zé Manuel, o nosso esteio, o nosso porto seguro no meio da tempestade que se abateu sobre nós.

Com o Zé Emílio aprendi a coragem de resistir. Ao Tojé, à Piedade, ao Jorge e à Márcia, ao Pedro e à Ana, agradeço a vontade imensa de viver e a prontidão da ajuda certa.

À Maria Jacinta e ao Santos, agradecemos o aconchego e os miminhos; à Raquel, uma força da natureza, uma super mãe, agradecemos a linda Inês; ao Rui agradecemos a Daniela, mãe do Afonso e do Dinis que são os descobridores do sótão dos avós e a alegria da casa.

Aos meus sogros, José e Natália agradeço o maior presente que me podiam dar: a minha mulher.

Aos meus cunhados, David e Sandra com os seus dois lindos milagres, Mariana e Catarina, agradeço a certeza de conseguir; à Mariana agradeço a calma e a doçura; à Catarina agradeço a força e a atitude; à Maria Antónia, mãe da Sandra, agradeço o cuidado e o carinho com que me trata.

Aos meus cunhados Elizabete e Galbas, agradeço o Guilherme, que está sempre disponível para nos ajudar e a minha linda afilhada Natália, que sai ao padrinho no que à música diz respeito. Felizmente, ainda não saiu em pelotas atrás da banda.

Aos meus cunhados Eduardo e Helen agradeço a paciência de nos aturarem e a linda Carolina, a menina mais doce do mundo.

À Irene e ao Pedro Fernandes agradeço a delicadeza, o cuidado e o carinho com que me tratam.

À Isaura Videira agradeço a disponibilidade, a certeza de poder contar contigo e as gargalhadas que damos juntos com as nossas maluqueiras.

Ao Eduardo Videira, agradeço a presença, a boa disposição e a certeza de poder contar consigo, assim como com a Elisabete e o Pedro, pais do Gabriel, do David e da Adriana, seus maravilhosos e inteligentes netos. Também ao Sérgio e à Rita, pais da Ana Raquel e do José Eduardo, agradeço por poder contar convosco sempre e poder usufruir de toda a alegria que os teus filhos demonstram.    

Agradeço aos meus queridos primos Olímpio, Nelly, Laida, Joana, Gina, Telmo, Vicente, Isabel, Rui, Emília, Manuel, David o favor de estardes aqui para comemorar comigo os meus 70 anos de vida. Muito obrigado. Não fazeis ideia da alegria que sinto.

Agradeço aos meus amigos a paciência com que me aturaram ao longo destas décadas, com quem sempre pude contar. Obrigado por estarem aqui. Tenho muita pena de não poder contar com o Teófilo que nos deixou tão precocemente.

Há pessoas, que ao longo da nossa vida, nos marcam indelevelmente e que eu não posso deixar de referir. O Dr. Arnaldo Rodrigues, Dr. Horácio Correia, Dr. José Guilherme Monteiro, Dr. Rui Fernandes, médicos.

         O Padre Sampaio, diretor do “Mensageiro de Bragança” durante a minha juventude que, por minha causa não cumpriu uma ordem direta do Senhor Bispo: “Este garoto não escreve nem mais uma linha para o jornal.” e me aconselhou a escrever com pseudónimos, José Valverde e Bernardo Faria; o Dr. Eduardo Carvalho que me ensinou a ser jornalista e escritor; o Engenheiro José Luís Pinheiro que era uma pessoa excecional. Foi Presidente da Câmara Municipal de Bragança durante três mandatos e foi com ele que aprendi a ser político. Vou contar um pequeno episódio. Depois do AVC e de ter tido alta hospitalar, mal falava e mal andava. Entrámos, eu e a minha mulher que me amparava, para o hall da câmara pela entrada principal e, ao mesmo tempo, ele entrava por uma lateral. Colocou um pé no primeiro degrau e virou a cabeça para nós. Reconheceu-nos, caminhou até mim, abraçou-me e começámos os dois a chorar. Não posso esquecer que ele era um militar de carreira.

         Resta-me falar da pessoa que me acompanha há 36 anos, quase 37. Começámos a namorar numa noite de Ópera, no teatro da Torralta, no dia 3 de Abril de 1987. Nesse dia nevara. Os flocos que foram caindo encheram a noite de poesia. Levei-a a casa e ficamos durante algum tempo a conversar. Namorámos um ano e três meses. Ao fim desse tempo, casámos. Ela é o meu rochedo, o meu abraço, a minha estrela guia.

Cumpre-me dizer que a vida não foi condescendente comigo. Pregou-me muitas partidas difíceis de lidar. Conheci um mundo para o qual não estava preparado. Senti-me sempre cercado de amor incondicional. Perdi a esperança, tantas e tantas vezes, principalmente quando via escapar a luz dos meus olhos, literalmente. Lutei contra todos os percalços que tive de suplantar e nunca estive sozinho. Tive sempre uma mão a segurar a minha, uma palavra de conforto, uma ténue luz de esperança a acompanhar-me. Nunca me deixaram desistir. Sou o que sou por ter a felicidade de vos ter aqui comigo. Muito obrigado.

Marcolino Cepeda


70º aniversário do Marcolino

 








Estas  três fotografias ilustram a passagem do tempo e diferentes momentos da nossa vida. Estamos a celebrar a vida e a vontade de viver. 

Maria Cepeda

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Jorge Morais - Tempos que já lá vão...

Antigo mercado municipal

Um misto de oferta, convívio e festa de produtos, cores e sons no centro da cidade.

 

Alicerces de edifício porticado, do período romano


            Quem diria que, por debaixo de um tradicional mercado no centro de Bragança, havia os alicerces de uma construção bem lançada arquitetonicamente e de consideráveis dimensões e de eminente traça romana. 

            Ali junto ao muro poente do mercado e virados para a atual biblioteca municipal, antigo ciclo preparatório, alicerces que estiveram pouco tempo a descoberto aquando das intervenções Polis. 

            Um dia com a minha Nikon Fm2, consegui captá-las antes de serem soterradas ou destruídas para construir o atual parque de estacionamento.


Fotos e textos de Jorge Morais

Há, na vida de todas as pessoas...


    Há, na vida de todas as pessoas, uma fase interessante, conturbada, sofrida. Um dia pode ser o mais lindo de todos os tempos e, ao mesmo tempo uma angústia sem fim à vista. Podemos amar tudo e todos e no momento seguinte, votá-los a uma indiferença atroz.
    Há dias que não passam nunca e dias que acabam mal começam. O amor acontece e é violento, redemoinho de emoções desencontradas, medo de não saber... mas também, há dias e noites serenos.
    Serenos, mas não perfeitos; calmos, mas não amenos. As noites são mais propensas a estes estados de alma que tanto nos afetam. Na minha adolescência, em certas noites, encaminhava-me para a Capela de Santo António e, sentado nos degraus que a circundam, olhava para as estrelas e sonhava.
    Sonhava tentando decifrar os enigmas de que são e somos feitos. Todos os porquês da minha infância bailavam estrepitosamente na minha cabeça e eu tentava colocar um pouco de ordem no salão de baile.
    Só que estes porquês, agora mais e mais transcendentes, faziam com que as respostas não fossem tão simples e lineares como a maioria das que são feitas na primeira infância. Para a maioria delas, não achava resposta que me satisfizesse e, então, quase me apoquentava.
    A noite era estrelada, destes milhares de estrelas que tão nitidamente vemos no nosso céu de Trás-os-Montes, e que na escuridão, quase parece azul... E, então a Lua, uma enorme esfera, Lua cheia, aquela que os lobos e os cães celebram com os seus uivos agourentos que, dizem os velhos, anunciam desgraças.
    Outro mistério, dos muitos insondáveis mistérios para os quais eu não tinha nem tenho respostas. Sei apenas o que vejo; não sei quem ou o quê os colocou lá. Sinto apenas uma aragem fina, diáfana como a vida de todo o ser humano em comparação com a vida do universo ou com a vida do planeta a que chamamos nosso.
    E agora? Sonharei com ela? Não. Sonharei com o princípio de todos os tempos. O que não sei, é quem foi que puxou os cordões para que tudo acontecesse. O porquê das estrelas todas que a olho nu vejo e as que, estando tão distantes, não posso ver.
    Quando o homem chegou à Lua com a Apolo 11, em 1969, preguei os olhos no televisor e não despeguei um instante. Acompanhei a par e passo, tudo aquilo que estava à nossa disposição e o grande fascínio que senti por aqueles homens é comparável ao que sinto pelos nossos Descobrimentos. 
    O que o universo me transmite, em todas as noites de céu estrelado, quase azul, com a Lua a brilhar nas noites de Bragança, em campo aberto, o que aprendi nas noites serenas da minha adolescência, não consigo explicar. Sinto-o profundamente.
    Sei que o Universo é o conjunto de tudo o que existe; o conjunto formado pelo espaço com todos os astros; é o mundo; é a universalidade dos homens. Mas o que será, efetivamente, o Universo? Como se terá ele formado? Há quanto tempo existirá eo que o terá levado a seguir o rumo que seguiu? Por quanto tempo mais existirá?
    É, no conjunto de todos os astros, que encontramos o Sol, a estrela que é o centro do nosso sistema planetário, uma estrela de quinta grandeza que, por acaso ou não, se encontra na nossa Via Lactea.        

Marcolino Cepeda