quinta-feira, 27 de março de 2025

Transparência


O sol, serenamente, aquece horas vãs
que insistentemente presenteiam as manhãs
que não são minhas nem tuas...
não são de ninguém
 
De mãos dadas, caminho, talvez, mais um dia
fecho os olhos como se fosse dormir...
Espero. Não sei o que devo esperar
se a infinitude do tempo
se uma hora de magia...

E a água, lampeira, galga pequenos remansos
do pequeno rio que corre apressado
coberto de diamantes,
 lapidados pelas fadas das fontes

Onde ficam as minas das almas risonhas,
que querem ser colares de gotas transparentes?

 Se a transparência existe
porque é que insiste, este meu coração,
continuar triste, quando eu digo que não?

Fotografia e texto: Maria Cepeda

quarta-feira, 12 de março de 2025

Continuação da entrevista realizada ao Dr. Fernando Calado


          (F.C.): Eu disse-lhe, por favor, tenho sete anos de música no seminário, mal será que eu não saiba ensinar uma nota. “Queres vir para Bragança?” No dia seguinte estava em Bragança a leccionar Música. Entretanto, na Escola do Magistério, faltava um professor. Não arranjavam um professor de Movimento e Drama. Ninguém sabia muito bem o que era isso.

(M.C.): Acho que aí está o teatro, não é? (Risos)

(F.C.): O teatro de Milhão, mais o curso de teatro que eu tinha feito com a Seiva Trupe no Porto.

(M.C.): Ah! A vida é cheia de coincidências. Estava tudo preparado para calcorrear o caminho. Maravilha! 

(F. C.): Encontro o diretor do Magistério Primário e dou-lhe a informação sobre a minha ligação ao teatro. Ele diz-me que também tenho que pedir ao Padre Marcelino para ir para o Magistério. Deixo o ciclo, onde dei três ou quatro horas e fui para o Magistério. Então, essa é a minha vida profissional com o curso de movimento e drama no Magistério. Entretanto, comecei no ensino oficial. Corri meio mundo. Um professor no ensino... O ensino no ciclo preparatório, no ensino secundário. No Penedono, Macedo de Cavaleiros, Valpaços, Chaves. Meio mundo. 

(M.C.): É o que acontece aos professores, não é?

(F.C.): O que aconteceu é que eu estava na escola secundária Abade de Baçal que se chamava Escola Secundária da Sé e no ano seguinte abriu o estágio. Comecei a trabalhar no estágio que se chamava Formação em Exercício. Ao cabo de dois anos, tinha o estágio feito. Pedi uma vaga para professor e disse ao diretor que se eu fosse para a Escola Secundária da Sé, agora Abade de Baçal, que eu iria abraçar a profissão de professor, como professor efetivo.

(M.C.): E na sua área?

(F.C.): E na minha área eu seria o mestre. Andei lá vários anos até que fui convidado a exercer o cargo de Delegado dos Assuntos Consulares.

(M.C.): E o que é que faz um Delegado dos Assuntos Consulares?

(F.C:): Sobretudo acompanhava as questões da imigração. Os imigrantes, ao invés de tratarem determinados assuntos nos consulados da Europa ou nas embaixadas, podiam tratar aqui em Bragança na Delegação dos Assuntos Consulares. 

(M.C.): Podiam fazer o mesmo agora… 

(F.C.): Exatamente. E portanto, sobretudo no verão fazíamos uma ação interessantíssima com algum regionalismo (24:05) na fronteira de Quintanilha. Comprávamos uma vitela e estávamos lá oito dias recebendo os imigrantes, fazendo publicidade, dando cartazes, dando informações e oferecendo a carne assada. (24:24) 

(M.C.): Eu recordo-me disso. Falavam sempre na rádio e na televisão. Foi uma ação extremamente interessante porque os imigrantes sentiam-se acarinhados, não é?

(F.C.): Era uma organização pequeníssima. Só era eu como Delegado e uma secretária que funcionava na Almirante Reis. Mas foi importante porque era um espaço onde os imigrantes podiam tratar, não de todos os assuntos, mas de determinados assuntos. Entretanto, a Dr.ª Olema que era a Coordenadora do Centro da Área Educativa de Bragança (CAE) aposentou-se e convidou-me para aceitar o lugar. Aceitei e estive cinco anos no CAE como Coordenador. A partir daí voltei ao ensino e fui para a Escola do Magistério onde estive quatro ou cinco anos como professor de pedagogia. Fui para o Instituto Piaget também a lecionar durante alguns anos. Acabei por regressar à escola Abade de Baçal até que me propuseram ir para o Centro de Formação Profissional (CFP) organizar o serviço. Dar alguma ajuda e eu aceitei. Só que em vez de ter sido meio ano, foram oito anos como diretor de uma empresa.

Entretanto, cheguei à fase, em que, pela idade,  me podia aposentar. Regressei à escola secundária Abade de Baçal onde me aposentei e terminei a minha vida académica.

Portanto, além da atividade como docente e em várias rádios, também dirigi uma revista que o Marcolino tão bem conheceu e onde tanto trabalhou, Os “Amigos de Bragança”, onde colaborei assiduamente no “Mensageiro de Bragança” com artigos de opinião, enfim… Tive uma boa vida no concelho da Bragança. Enfim, foi uma vida bastante preenchida, muito rica. 

(M.C.): Sem dúvida uma vida muito interessante. Os seus dias deviam ter mais horas do que os nossos. Foi uma vida bastante intensa. Publicou com assiduidade artigos de opinião e textos literários em vários jornais e revistas. Participou em programas de rádio, realizou diversas palestras, conferências, ações de formação e foi ainda diretor e proprietário da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”. Fale-nos dessa experiência…

(F.C.): De facto, a minha vida literária começou, efetivamente, no “Mensageiro de Bragança”. Na faculdade, publiquei um livrinho pequenino, de poesia “Bragança” que me trouxe alguns dissabores… fui considerado revolucionário para a altura. A doutrina social da igreja, que, efetivamente, na altura, tinha alguma dinâmica que depois chamaríamos… censura(?)Depois disso, colaborei com assiduidade no “Mensageiro de Bragança”, e, mais tarde, fiz os “Amigos de Bragança” que teve uma história interessantíssima e que se perdeu. 

CONTINUA...

domingo, 9 de março de 2025

Continuação da entrevista realizada ao Doutor Fernando Calado

(F.C.): Vinte contos era uma fortuna!

(M.C.): Uma fortuna!

(F.C.): Nós ficámos com o cheque, mas ninguém acreditou que aquilo tivesse algum valor. Só quando vimos o dinheiro na mão é que acreditámos. Portanto, foi, de facto, a raridade. Portanto, em Trás-os-Montes não havia tantos grupos de teatro assim, o que significava que era uma raridade. E, portanto, foi um património importante na aldeia. Ainda hoje, os mais idosos falam no teatro e na saudade que têm desse tempo do teatro.

Hoje, com o progresso que temos, com as possibilidades que há, não seria possível manter um grupo de teatro em vez de uma cadeia? Na altura era uma pequena fortuna. Mas é pena que não haja quem pegue outra vez na ideia. Aliás, há um organismo que capitulou e teve uma importância enorme na divulgação do teatro e da cultura em Trás-os-Montes, que foi o FAOJ (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis). E o FAOJ foi, de facto, um organismo que criou muitos grupos de teatro, muitos grupos folclóricos, muitos grupos de leitura, mas não só. Hoje, praticamente, a dimensão cultural, a divulgação cultural é inexistente nas nossas aldeias.

O que é que existe? Uma casa do povo, com um bar, com umas festanças, com umas jantaradas, com um pouco mais do que isso. 

(M.C.): Faz-se a festa dos santos que são os oragos e mais nada.  

(F.C.): O aspecto cultural, praticamente, é inexistente.

(M.C.): O que é uma pena. Era bom que alguém lhe pegasse novamente.

(F.C.): Que lhe incutisse uma dimensão cultural, uma política de dimensão cultural… Não há. É uma pena. 

(M.C.): Continuando. Enveredou pela Filosofia, como já disse. O que o levou a seguir esse caminho, veio do Seminário? 

(F.C.): Sim, sim. Aliás, o seminário tinha três secções. Quando se entrava para o seminário, fazia-se o curso de humanidades. No sexto ano passava-se para a secção de filosofia. Portanto, sexto, sétimo, filosofia. Depois, oitavo, nono, décimo segundo, filosofia. Portanto, embora a filosofia que se ensinava nos seminários, embora fosse uma filosofia tomista, ou seja, a filosofia de São Tomás de Aquino, na tradição aristotélica, mas era levada muito a sério. E não há dúvida nenhuma que, embora a filosofia fosse inspirada na filosofia grega, mas dava muita bagagem em termos de formação filosófica. E, portanto, para mim, era mais do que natural tendo eu o sétimo ano do seminário, que a saída natural seria ir para a Faculdade de Filosofia de Braga, onde fiz o primeiro ano. Com a bagagem que eu levava do seminário, consegui fazer num ano, em Braga, dez cadeiras. O que significa que no segundo ano pedi transferência para o Porto e a grande maioria das cadeiras da Faculdade de Filosofia do Porto já as tinha feitas, o que significa que depois passei mais quatro anos no Porto e vim fazendo umas cadeiras ou seminários, etc.

Mas a minha formação verdadeira foi o Seminário e a Faculdade Filosofia de Braga dos Jesuítas, que é onde se aprende Filosofia.

(M.C.): Também os jesuítas. Ora, muito nos ensinou já. Permita-me que passe à próxima pergunta. A sua vida profissional está profundamente ligada ao ensino e à coordenação de órgãos diretivos relacionados com a sua formação académica, mas não só. Fale-nos do seu riquíssimo percurso. 

(F.C.): Eu terminei o curso na Faculdade de Filosofia do Porto. Entretanto, interrompi para ir fazer o Serviço Militar e quando saí do Serviço Militar, ainda me faltava uma cadeira ou duas para ter a licenciatura. Já tinha o bacharelado. Portanto, fui terminar a licenciatura e foi curioso como comecei a minha vida profissional. Estava no Porto a terminar o curso e apareceu lá o Padre Marcelino, o Diretor do Ciclo Preparatório que não era capaz de arranjar um professor de música.


CONTINUA

quinta-feira, 6 de março de 2025

Dr. Jorge Ferreira lança dia 13 de março mais um livro...

 Jorge José Alves Ferreira nasceu em 18 de janeiro de 1959, na aldeia de Dorna, na freguesia de Póvoa de Agrações, concelho de Chaves. 



quarta-feira, 5 de março de 2025

O PÃO BRAGANÇANO (DEIXAR O PÃO FALAR)Texto e fotografias retirados de: www.cm-braganca.pt

O Auditório Paulo Quintela foi palco, esta manhã (2025/03/03), da Conferência “Pão Bragançano - Deixar o Pão Falar”, uma iniciativa que reuniu especialistas, padeiros e chefs para debater o presente e o futuro da panificação em Portugal.

Integrado no Festival do Butelo e das Casulas & Carnaval dos Caretos, o debate destacou o papel essencial do pão na cultura e identidade nacional, com particular destaque para a tradição do pão transmontano.

A sessão de abertura contou com a intervenção de Miguel Abrunhosa, Vereador da Câmara Municipal de Bragança. Seguiu-se uma entrevista conduzida por Paulo Amado a Elisabete Ferreira, recentemente distinguida como “Melhor Padeira do Mundo”, pela União Internacional de Panificação e Pastelaria, e galardoada com a Medalha Municipal de Mérito, pelo Município de Bragança. Depois, teve lugar uma apresentação do investigador e gastrónomo transmontano Virgílio Gomes, sob o mote “O Pão Bragançano”. Posteriormente, André Magalhães moderou uma conversa com Amândio Pimenta, membro dos Ambassadeurs du Pain. O encerramento ficou marcado pelo debate “Pensar o Pão em Portugal”, moderado pela jornalista Catarina Moura, com um painel de especialistas, composto por Olga Cavaleiro (investigadora de gastronomia), Luís Afonso (proprietário da Moagem do Loreto) e Lídia Brás (chefe do Stramuntana, em Vila Nova de Gaia, com raízes em Miranda do Douro).

A iniciativa procurou reforçar a importância do pão, não apenas como alimento, mas como património cultural, cuja preservação e valorização são fundamentais para a identidade gastronómica das regiões.



 

 



DEIXAR O PÃO FALAR

Organização Edições do Gosto com o apoio da Câmara Municipal de Bragança


terça-feira, 4 de março de 2025

Jorge Morais - Personagens (12) - Carnaval 1997



Acho oportuno regressar a um carnaval de há quase 30 anos aqui em Bragança (exatamente do ano de 1997): São pessoas locais com atitudes ou poses de participação, cansaço ou resignação após uma grande folia.

Jorge Morais



Carnaval 1997 - Foto1

    Neste animado carnaval na Bragança dos anos 90, aonde ainda havia amostras de carnaval popular de características mais ou menos espontâneas, fotografei este rosto espreitando do interior de um grande saiote de flanela preta que correspondia à parte inferior de um enorme gigantone que o portador fazia agora descansar em plena praça Cavaleiro de Ferreira. Quis o transportador, nesse momento, certamente também apreciar o que se passava à sua volta, aonde havia outros protagonistas e povo que observava com interesse, embora, ele próprio mostrasse um certo recolhimento ao encobrir todo o resto do seu corpo. Este Bragançano fazia-se notar amiúde pela sua militância nas festividades da cidade e, muitas vezes, incentivado ou angariado para tal fim pela própria Câmara Municipal de Bragança. 

    Uma pessoa também criativa que um dia me abordou e, delicadamente me entregou um cartão pessoal bem impresso e concebido em que se apresentava como executor de serviços de "limpa-chaminés". E esta?... Talvez o primeiro que formalmente se apresentava como tal numa cidade aonde as procuras e as ofertas neste sector de serviços domésticos a particulares eram tipo passa-palavra.




Carnaval 1997 - Foto 2

    Para esta foto e a seguinte ocorreu-me de imediato um título para elas: "Restos". Efetivamente era quase o final da tarde fria daquela terça-feira de há 27 anos quando este personagem, de que não sei a identidade, após correr e esgalhoufar pelas ruas da cidade foi, finalmente, ancorar o costado e o rabo num grande vaso de cimento que servia de separador mais do que de floreira ou base de um raquítico arbusto. A sua atitude corporal, com a fatiota e a máscara simiesca, em conjunto, denotando um certo e estranho alheamento à sua volta e cansaço também, o que parecia até contraditório, com o espírito de um dia de carnaval (talvez não tanto assim, pois que a quaresma está à porta e há quase que um aviso de pecado ou soturnidade associado também ao dia e tempo, que quase sempre aqui em Bragança estás climaticamente careta - falemos então de uma ressaca do próprio tempo de carnaval...). 
    Este sentir e observar despoletou em mim, num reflexo, o interesse visual desse antagonismo, acrescentado ainda pela atitude do fotografado olhar para o tomador da imagem também contraditoriamente: patenteando um certo laxismo do corpo em repouso mas, ao mesmo tempo, um enfoque frontal da sua máscara algo intimidatória e remetendo-me para o universo de algum filme como "O Planeta dos Macacos", aonde pululam grupos de macacos agressivos (embora também outros grupos civilizados, diríamos).




Carnaval 1997 - Foto 3


    Esta foto é aquela que mais me conduz para o título de "Restos". Efetivamente o rosto da criança e o molho de serpentinas que a mesma angariou lentamente do chão da praça, fala-nos de uma certa apatia emocional talvez abandono e que aquele molho parece suprir na condição de um pequeno troféu festivo. Efetivamente era uma criança que se via muitas vezes sozinha.
 

No momento certo, na hora exata!
              
Três imagens elucidativas do carnaval de outros tempos, feito com o que se podia arranjar e com o intuito de brincar, esquecendo regras.

Era preciso ser feliz pelo menos três dias por ano. Na quarta feira de cinzas haveria a penitência e o perdão. "És pó e em pó te tornarás".

Obrigado Jorge pela contextualização das fotografias. É muito interessante a forma como "nos explicas" estas imagens cheias de pormenores significativos que nos transportam, sem dúvida nenhuma, para outros tempos tão diferentes dos de agora.  

Maria e Marcolino Cepeda