São jovens. São
“alfacinhas”. E decidiram recentemente trocar o alvoroço da capital pela
serenidade de Bragança. A Madalena e o Vítor, têm 23 anos, e andam à descoberta
das terras transmontanas. O Jornal Nordeste esteve à conversa com eles para
saber como está a correr esta sua aventura no Reino Maravilhoso.
Débora Lopes
Numa altura em que muitos jovens transmontanos estão
a fugir para o litoral, à procura de oportunidades, o que é que leva dois
lisboetas a trocar a capital por Bragança?
Madalena
– O Vítor veio estudar para Bragança, tirar o curso de
treinador de futebol e eu basicamente vim à aventura, ver o que é que Bragança
tinha para me oferecer e aqui estou.
Vítor quando chegaste cá ficaste de alguma forma
surpreendido com o que encontraste?
Fiquei
um bocadinho surpreendido. Acho que as pessoas de Lisboa têm um bocado a ideia
de que Bragança é um pouco mais aldeia e não tem nada a ver. Alguns amigos (de
Lisboa) que fomos convidando e têm vindo cá, têm um bocadinho a ideia de que
vão chegar cá, vão ver meia dúzia de casas e acabou mas, de facto, não é assim.
Bragança é maior do que isso e mais desenvolvido do que às vezes se pensa por
lá. No caminho que fazemos para cá vemos que o norte está bastante desenvolvido
e cidades que vamos vendo pelo caminho, como Vila Real, são bastante grandes.
Vocês não conheciam mesmo nada nesta região?
M/V
– Nada mesmo. Aliás, tinha a possibilidade de fazer o curso
em Faro ou em Bragança e como já conhecíamos bem o sul decidimos aventurar-nos
pelo norte e foi essa uma das razões que nos fez vir para cá.
E quais são as principais diferenças que vocês
notaram?
Madalena
– A principal diferença é logo o tempo, porque aqui faz
mesmo muito frio, não tem nada a ver com Lisboa. Quando vamos a Lisboa nos
fins-de-semana ou nas férias, lá estamos de t-shirt e aqui temos mais cinco
camadas de roupa em cima. Em relação à comida a diferença também é grande.
Adoramos comer aqui, é mesmo muito bom. As pessoas também são muito mais
calorosas do que em Lisboa, são muito mais simpáticas e acolheram-nos bastante
bem e falam-nos na rua, uma coisa que não acontece lá.
Vítor
– Por exemplo, quando nós chegámos e íamos descobrindo e
vendo que queríamos ir para um ginásio, ou ter alguma actividade e mesmo a quem
não dizíamos que sim, que vamos inscrever-nos no ginásio as pessoas
aprontavam-se logo para ajudar em tudo e disponibilizavam-se para auxiliar no
que fosse preciso e isso é algo que nunca acontece em Lisboa.
E por exemplo, actividades culturais, desportivas e
outras para passar o tempo, a oferta é muito menor do que a que existe na
capital. Mas como vocês dizem, que há muito a ideia de que aqui não se passa
nada, talvez para quem vem até seja surpreendente, não?
Madalena
– Sim, a oferta pode ser muito menor mas é mais acessível.
Por exemplo, aqui já é a segunda vez que vamos ao teatro e é muito mais
acessível do que em Lisboa, que é muito caro e isso é uma coisa a nossa favor
mas há imensa coisa para descobrir aqui à volta, outras cidades e
aldeias.
Vítor
– Mais do que isso, parece que temos um acesso mais fácil a
qualquer tipo de evento. Por exemplo, em Lisboa, quando queremos saber o que
vai acontecer no fim-de-semana vamos a um site e há 30 mil propostas e não
sabemos onde ir, tudo se paga e paga-se bem e aqui não sabemos que há uma festa
dos caretos e vamos e pronto nem é preciso pagar. Temos conseguido divertir-nos
imenso, tem estado um tempo espectacular e toda a gente aqui sabe quando há um
evento, toda a gente fala e é fácil chegar lá.
E o que é que estão a achar das tradições
transmontanas que já tiveram oportunidade de conhecer, como é o caso dos
caretos?
M/V
– Por acaso estamos ansiosos pelo Carnaval, porque não
conhecemos. Há pouco tempo estivemos numa festa onde houve também caretos e não
conhecíamos, nunca tínhamos visto nada assim e gostámos imenso. Outra tradição
que nós vimos, em Vinhais, foi a chega de touros que adorámos. As pessoas vivem
aquilo de uma maneira muito intensa e gostámos de ver.
Já disseram que a oferta cultural é muito mais
acessível… e relativamente ao custo e qualidade de vida em outros âmbitos
também ficaram surpreendidos?
Madalena
– Sim,
aqui em Bragança têm uma qualidade de vida muito melhor. A casa e as despesas
são muito mais acessíveis, apesar de ter sido complicado arranjar casa porque
quando chegámos estava tudo ocupado. Em Bragança, talvez devido ao IPB, é
complicado arranjar casa. Outra coisa que aqui também é muito mais barato é
comer fora e isso é sempre uma vantagem que associamos a qualidade de
vida.
Vítor
– Em
termos de preços ir aqui a um restaurante com boa comida é equivalente a ir a
Lisboa ao pior tasco que existe. Aqui somos servidos de forma excelente. Em
Macedo, por exemplo, fomos a um restaurante elegante em que nos tiravam o
casaco e pagámos tanto como numa tasca em Lisboa, o que nos fez sentir bastante
bem-vindos. E também vemos que apesar das pessoas não terem essa noção, aqui
têm uma boa qualidade de vida, claro que existe muito mais despovoamento mas em
Lisboa ninguém, ou pelo menos a maior parte das pessoas, têm a capacidade de
fazer uma ida e volta de carro para o trabalho, aqui vemos autocarros a viajar com
duas pessoas lá dentro, todos os dias enquanto lá muitas vezes nem dá para
entrar no autocarro e temos de esperar por outros porque estão demasiado
cheios.
Além de Bragança, Vinhais e Macedo de Cavaleiros que
outras localidades já visitaram aqui na zona?
Madalena
– Conhecemos
Rio de Onor que é considerado uma das sete maravilhas de Portugal, fomos a
Espanha conhecer Puebla de Sanabria e Zamora e também já estivemos em
Mirandela. Este fim-de-semana vamos conhecer Vila Real e Mesão Frio.
Aproveitamos os fins-de-semana para descobrir um bocadinho mais deste distrito
e deste Norte que tem muito para ver.
Mas aqui nem tudo é um mar de rosas… por exemplo, as
acessibilidades. Quando foram a Vinhais, suponho que repararam na estrada
difícil que liga Bragança a Vinhais…
Vítor
– Sim. Mesmo a estrada para Espanha vê-se que existem
algumas dificuldades. As ligações podiam estar em melhor estado e talvez
facilitasse a movimentação das pessoas e trouxesse até mais pessoas para a
própria cidade se houvesse uma facilidade de circulação maior em vez de
estradas com tantas curvas, tantos buracos, tantos problemas como têm estas. E
por exemplo, recentemente nevou e o trânsito fica muito congestionado o que
pode dar origem a muitos problemas.
Como Lisboetas que estão agora a conhecer outra
realidade, que vos era completamente estranha até há poucos meses, acham que em
Portugal ainda se canalizam muito os investimentos para o litoral?
Vítor
– Eu acho que cada vez mais começa a existir investimento
no interior. Isto é a minha opinião, mas talvez não sejam tão bem organizados
como devem ser, acho que, de facto, os investimentos são feitos no interior e
nas grandes cidades do interior mas não para as desenvolver da forma correcta.
Eu tenho o exemplo de Évora, que também é uma cidade do interior, que se foi
transformando e modificando para ficar uma grande cidade no meio do Alentejo e
que chamou imensa população jovem e adulta, uma coisa que não existia e que
criou também mais centros comercias, lojas, serviços, tudo muito bem definido,
e que fez com que mais gente fosse também para as cidades periféricas a
Évora.
Essa
organização é algo que não vejo tanto no Norte. Por todos os sítios que já
passámos aqui, vimos que as coisas não são tão bem delineadas, constroem tudo
muito disperso e talvez esta seja a grande diferença. Todavia, acho mesmo que
deve haver mais investimento, deve haver mais êxodo urbano, e não êxodo rural,
há esse problema ainda, a meu ver.
E o falar transmontano, desde o sotaque às
expressões que vos são desconhecidas, como é que se têm estado a adaptar?
M/V
– Sim,
para além das pessoas terem um sotaque muito diferente do nosso, reparámos que
também usam muitas “asneiras”, coisa que não estávamos habituados lá.
Quanto
às expressões e palavras, há algumas coisas que são diferentes mas com o tempo
vamos aprendendo e começamos a ficar habituados. São palavras que já ouvimos,
só não estamos habituados usá-las no nosso dia-a-dia. Muitas palavras parece
que derivam de outras línguas, como “mata-bicho” e “botar” parece que soa a brasileiro
e vem aqui não se sabe bem porquê. A palavra “botar” nós em Lisboa usamos um
bocadinho em tom de brincadeira e aqui é mesmo algo normal de se falar. “Botei
aqui… botei ali”.
E,
por exemplo, vamos passar uns dias a Lisboa e voltamos a falar como sempre
falámos e passadas três semanas já estamos a falar com um bocadinho de sotaque
sem nos apercebermos, já estamos a falar à transmontano.
E quando vão para Lisboa, a vossa família e amigos
dizem-vos que já apanharam sotaque daqui?
M/V
– Ainda
não dizem muito mas eu acho que é muito fácil quando vamos para algum lado
começarmos a ganhar algum tipo de sotaque e vamos começando a fazer algumas
frases trocando o “V” pelo “B” e nem nos apercebemos.
E o que é que vos custou mais a abandonar em Lisboa
para vir para Bragança?
Madalena
– Foi a família, sem dúvida. De resto, aqui a qualidade de
vida é muito superior, a confusão é menos, há muito mais paz, o nosso horizonte
não são prédios mas sim montes, o que adoramos porque nunca podemos ter essa
sensação em Lisboa.
Vítor
– Toda a gente quer aquilo que não tem e nós tínhamos muita
confusão e queríamos vir para a paz, assim como se calhar há pessoas daqui que
têm exactamente a mesma ideia e querem ir para a confusão, tudo isso faz parte.
O que nós gostávamos neste momento era trazer os nossos amigos e a família para
cá e ficávamos. Os nossos amigos que nos vêm visitar também deixam esse
feedback de que gostavam mesmo de poder vir para cá.
Mas não há momentos em que sentem falta até mesmo
dessa confusão em que cresceram?
Madalena
– Por
enquanto ainda não senti saudades de nada. Por exemplo, uma coisa que me
custava imenso era o trânsito, eu tenho a carta mas lá não consigo conduzir, é
impossível, e aqui já conduzo. É muito diferente mas, por enquanto, ainda não
sinto saudades de Lisboa.
Vítor
– Faz-nos
diferença porque apesar de estarmos em Portugal, tal como a nossa família
estamos mesmo longe deles. São cinco horas de viagem de carro, que custam muito
e sete horas e meia de autocarro custam ainda mais. Isso é o mais difícil
porque, apesar de não parecer, é uma grande distância para ir ter com a família
e voltar no mesmo fim-de-semana, custa bastante.
Aquilo
que nós sentimos mais falta é o cinema, aqui não há cinema e era um hábito que
tínhamos ir bastantes vezes ao cinema e não tínhamos essa possibilidade e às
vezes não há as lojas que nós procuramos para determinadas coisas, e claro que
tudo isso faz diferença, todas essas infra-estruturas comerciais fazem
diferença, sentimos alguma falta disso. Mas pronto, no fundo acabamos por nos
abstrair e vamos aproveitando a boa comida, a boa disposição das pessoas e o ar
puro que aqui respiramos.
Aqui dentro das cidades vocês não precisam de pegar
no carro para ir a algum lado, isso é também uma vantagem, não?
Madalena
– Sim,
isso é óptimo. Em Lisboa quando queremos ir a algum lado temos de sair com uma
hora ou hora e meia de antecedência e aqui não, é um minuto estás ali, dois
minutos estás além e isso é óptimo porque poupa-nos imenso tempo e não precisamos
de pegar no carro, é tudo de mais fácil acesso.
Vítor
– E
aqui vemos as pessoas, às vezes, dizer que determinado sítio é muito longe ir
de um lado da cidade ao outro e em Lisboa era um luxo se as distâncias fossem
como em Bragança as pessoas iam lá a pé num instante sem problema nenhum.
Se tivessem que escolher um prato de eleição do que
já provaram da nossa gastronomia qual era?
Madalena
– Eu
escolhia a vitela, qualquer prato com vitela estava escolhido.
Vítor
– Eu
só não gosto de dobrada, de resto tudo o que me ponham no prato eu como.
O que é que mais gostaram e menos gostaram nesta
vossa curta experiência aqui?
Madalena
– O
que eu gostei mais foi, sem dúvida, quando nevou porque foi a primeira vez que
vimos neve. Foi, sem dúvida, fantástico ver tudo branco foi o momento que mais
me marcou. O que eu gosto menos são os cafés onde se pode fumar porque eu não
sou fumadora, e respeito quem o é, mas há muitos estabelecimentos aqui que
permitem que se fume lá dentro e é uma coisa que me incomoda um bocado. Lá em
Lisboa não há assim tantos estabelecimentos ou então tem uma parte fechada só
para os fumadores. Aqui são quase todos e isso é a coisa de que gosto menos
aqui.
Vítor
– Eu
também foi a primeira vez que vi neve, por isso tenho de confessar que fiquei
deslumbrado, parecíamos crianças a espezinhar a neve na rua. Sobre aquilo de
que gosto menos, para ser sincero, não tenho bem a certeza. Eu gosto muito de
poder sair de casa dou dois passinhos e estou ali ao pé do rio, dou um passeio
e sinto-me no meio da natureza, em liberdade e isso é algo que eu não consigo
fazer em Lisboa, onde no máximo vou a um jardim pequeno que há à frente de
minha casa, com a confusão dos carros toda a gente a buzinar e aqui isso não
acontece.
Entrevista
de Débora Lopes
Retirado
de www.jornalnordeste.com
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