quarta-feira, 27 de novembro de 2019

D. António Luís da Veiga Cabral da Câmara recordado em livro (publicado em 27-11-2019)



   Por ocasião da comemoração dos 200 anos sobre o seu falecimento, o Município de Bragança editou a obra “D. António Luís da Veiga Cabral da Câmara – Bispo de Bragança e Miranda (1758-1819).

“Foi, sem dúvida, uma figura ímpar, de controversas virtudes, venerado por uns e odiado por outros, que se destaca na História da Igreja em Portugal, pelo que achámos que merecia ser homenageado com a edição de uma obra”, destacou o Presidente da Câmara Municipal, Hernâni Dias, durante a apresentação da obra que decorreu, no dia 26 de novembro, na Biblioteca Municipal de Bragança, que contou com a presença, entre outros, do Bispo da Diocese Bragança-Miranda, D. José Cordeiro.
A obra resultou, assim, de um processo de investigação, levado a cabo por Fernando Sousa, coordenador científico do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade (Universidade do Porto), que classificou D. António Luís da Veiga Cabral da Câmara como “um dos prelados mais extraordinários e polémicos de toda a História da Igreja em Portugal, quiçá, aquele que mais paixões despertou e que perduraram após a sua morte durante mais tempo”.


Retirado de www.cm-braganca.pt

Quinta do Bill criam hino aos Caretos de Podence (Lusa em Ter, 26/11/2019)

“OLHEM OS CARETOS”, “SERÁ UMA CANÇÃO ALEGRE PARA SER CANTADA E DANÇADA”.




A banda portuguesa Quinta do Bill criou uma canção para os Caretos de Podence que servirá de hino aos icónicos mascarados transmontanos a dias de conhecerem a decisão da UNESCO sobre a candidatura a Património da Humanidade.
O vocalista da banda, Carlos Moisés, contou hoje à Lusa que a canção vai estar pronta no final desta semana e será entregue à associação Casa do Careto, que decidirá quando irá pô-la a circular, com a promessa de que “será uma canção alegre para ser cantada e dançada”.
“Olhem os Caretos” é o título da canção da autoria dos Quinta do Bill com letra de Sebastião Antunes e oferecida aos tradicionais mascarados do concelho de Macedo de Cavaleiros, que aguardam a decisão do Comité Intergovernamental de Salvaguarda do Património Imaterial da Humanidade, que se reúne em Bogotá, na Colômbia, entre os dias 08 e 14 de dezembro.
Os Quinta do Bill já atuaram em Macedo de Cavaleiros e conhecem os Caretos da aldeia deste concelho do distrito de Bragança.
Num concerto há alguns anos, um dos elementos da banda, a autora de temas como "Os Filhos da Nação", vestiu um dos coloridos fatos de lã tradicionais dos endiabrados mascarados que animam o Entrudo Chocalheiro atrativo de milhares de forasteiros portugueses e estrangeiros.
O presidente da associação dos caretos, António Carneiro, desafiou a banda portuguesa a fazer uma música e o repto foi aceite, inserido na campanha da candidatura a Património Imaterial da Humanidade, e o resultado poderá servir de hino, como disse à Lusa Carlos Moisés.
O vocalista dos Quinta do Bill confessa-se “um apaixonado por tudo o que seja música tradicional” e teve “a preocupação de que a canção mostrasse a realidade da música tradicional de Trás-os-Montes para sensibilizar as pessoas para a realidade dos Caretos, e que respeitasse as tradições culturais”.
Os caretos irão ser cantados com a sonoridade das percussões tradicionais -- caixa, bombo e gaita-de-foles -- e “a própria letra foi construída com o cuidado de recolher informação” no local sobre esta tradição.
“A canção transmite a parte lúdica do ritual e o porquê desta tradição, fala da ligação à terra, do rigor do inverno e da figura demoníaca do próprio careto”, indicou o vocalista da banda.
Carlos Moisés “ficaria muito feliz se os Caretos de Podence conseguissem concretizar este desejo, da elevação a Património da Humanidade”, e associa o contributo da banda “ao esforço” coletivo para alcançar este objetivo.
Como realçou, os Caretos de Podence “são os mais visíveis e podem ser os grandes embaixadores desta tradição” de Trás-os-Montes, comum a várias zonas de Trás-os-Montes, e também da vizinha Espanha, entre o Natal e o Carnaval, nas chamadas "Festas de Inverno" ou "Festas do Rapazes".
O presidente da associação dos Caretos de Podence, António Carneiro, antevê que “esta vai ser uma grande música, em termos de música tradicional portuguesa”, e realça que todos os contributos “são importantes para esta cultura que esteve quase moribunda e hoje é um ícone”.
Os Caretos vão estar em Bogotá, na segunda semana de dezembro, a aguardar a decisão do organismo competente da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
Além do colorido e do ruído dos chocalhos terão agora um hino que chama a atenção para os endiabrados mascarados em versos como estes a que a Lusa teve acesso:
“Olhem os Caretos
A chocalhar (…)
Saltar, soltar, trajar
É o nosso nordeste a falar
Traquinar, perturbar, assustar, a brincar
São rapazes capazes de nos afrontar
Tradição que nos conta que o medo se vence
Mistério de Podence."

Retirado de www.diariodetrasosmontes.com 

UEFA APROVA PROJECTO DA ASSOCIAÇÃO DE FUTEBOL DE BRAGANÇA (publicado em 27-11-2019)

“Street Football Move” vai ser financiado pela UEFA e quer promover a prática desportiva junto das crianças do 1º, 2º e 3º ciclos do ensino básico. O projecto da A.F. Bragança foi o único português aprovado pela UEFA.
Das mais de 400 candidaturas apresentadas à UEFA apenas 42 foram aprovadas e uma é portuguesa. Trata-se do projecto “Street Football Move” ou, em português, “Movimento Futebol de Rua”, da Associação de Futebol de Bragança. “O nosso staff liderado pelo professor Paulo Araújo está de parabéns. Enquanto no projecto Erasmus+ Sport somos parceiros de um consórcio neste somos líderes e é um projecto original. Em Portugal este é o segundo projecto aprovado desde que foi criada a UEFA Foundation for Children”, destacou António Ramos, presidente da A.F. Bragança.  
O Street Football Move quer levar o futebol a todas as crianças do distrito de Bragança do 1º, 2º e 3º ciclos do ensino básico, e acima de tudo promover a prática da actividade física e desportiva, de forma a contribuir para o combate ao sedentarismo. “A Associação de Futebol de Bragança tem uma responsabilidade social e desportiva e queremos ajudar a combater os números do sedentarismo. Queremos quê todas as crianças pratique desporto, que ganhem o gosto pelo desporto e em particular pelo futebol e futsal.”.
Para tal a AFB quer envolver várias entidades. “Vamos aproveitar todos os agrupamentos de escola, os municípios e a Federação Portuguesa de Futebol, que será nossa parceira. Vamos organizar eventos de futebol de rua em todos os concelhos do distrito de Bragança”, acrescentou.
O Street Football Move é um projecto de dois anos, vai ter uma despesa comparticipada pela UEFA de 100 mil euros, e pretende chegar, por ano, a cinco mil crianças do distrito de Bragança.
Em breve, o presidente da AFB vai assinar o protocolo com a UEFA, na Suíça, para avançar com a implementação do projecto.
No total foram apresentadas mais de 400 candidaturas e só 42 foram aprovadas. Deste lote 21 são europeias, nove de África, seis da Ásia, cinco da América e uma da Oceânia. O financiamento da UEFA aos 42 projectos ronda os 4,5 milhões de euros.

Escrito por: Jornalista Susana Madureira
Retirado de www.jornalnordeste.com 

O jornalismo e a sua importância na cooperação dos territórios transfronteiriços (publicado em 26-11-2019)

Conselho Raiano de Bragança reuniu mais de 100 pessoas, entre jornalistas portugueses e espanhóis, professores e a secretária de Estado da Valorização do Interior


“Comunicação social, desenvolvimento e cooperação transfronteiriça” foi o tema de mais um Conselho Raiano de Bragança, que aconteceu no sábado, no Instituto Politécnico de Bragança. Os jornalistas e o seu papel quer na transmissão da cultura regional quer no desenvolvimento da cooperação entre as zonas raianas foi uma das ideias mais defendidas e discutidas no conselho.
A proximidade e parecenças culturais, não têm sido suficientes para uma colaboração efectiva. Esta foi uma das ideias defendidas por Javier Andrés, jornalista especializado em vinhos, agro alimentação, turismo e desenvolvimento rural. O jornalista espanhol afirmou que existe uma falta de cooperação entre os dois territórios e isso é visível quando vai a um restaurante português, a 30 km da fronteira, e não têm a possibilidade de beber um vinho espanhol e mesmo também se verifica do outro lado. Deste modo, o também colunista e locutor, defendeu que o papel que está a ser desempenhado pelos jornalistas não é suficiente.
“Não há conexão entre os jornalistas e os meios de comunicação dos dois países e se eles não falarem dos problemas que se passam nas zonas raianas dificilmente vamos conseguir que se torne num espaço comum de cultura”, salientou Javier Andrés, acrescentado que é do meio rural que surgem notícias sobre o “turismo”, “alimentação”, “tradições” e, deste modo, é essencial que em Salamanca se noticie sobre Bragança e vice-versa.
Outro dos assuntos discutidos no conselho dizia respeito ao trabalho que tem sido feito pelos jornalistas televisivos. Jorge Wemans, provedor do telespectador da RTP, explicou que é importante
que as zonas raianas transmitam uma imagem ou conceito para serem dadas a conhecer. No entanto, admitiu que não sabe qual é a imagem que está a ser transmitida na raia Bragança-Salamanca.
Uma das explicações para isso acontecer deve-se ao “desinvestimento do serviço público de televisão”, que aconteceu durante anos, no que diz respeito à “rede de correspondentes locais”. “As
realidades locais não podem ser tratadas aos bochechos. Portanto, se há alguma coisa que é preciso fazer com urgência no serviço público de televisão é reforçar os correspondentes locais no território
português”, sublinhou.
Isabel Ferreira, secretária de Estado da Valorização do Interior, não faltou ao conselho raiano e mostrou-se empenhada em alargar a cooperação entre Portugal e Espanha. “É necessário responsáveis
políticos que defendam as nossas posições quando estamos a negociar com os parceiros espanhóis, e com todos os outros parceiros, e agora existe um interlocutor, que serei eu”, afirmou, acrescentando
que “todas as competências de cooperação territorial” estão sob a tutela da sua secretaria de Estado.
Os Conselhos Raianos acontecem desde 2014, mas a partir de agora a estratégia vai ser diferente.  Francisco Alves, presidente da Rionor, associação organizadora dos Conselhos Raianos, avançou que em breve haverá “veladas raianas”, reuniões informais e abertas, com o intuito de atrair mais jovens e associados. O tema da primeira reunião será “Território raianos, que futuro?”

Escrito pela jornalista Ângela Pais
Retirado de www.jornalnordeste.com  

terça-feira, 26 de novembro de 2019

En la raya nos sentimos fatal (Editorial do Jornal Nordeste de 26-11-2019)

No sábado, em Bragança, um espanhol de barba branca e farta, de seu nome Javier Andrés, disse a quem o quis ouvir que a cooperação transfronteiriça não tem ido além de cerimónias enfatuadas e festarolas, quando deveria ser encarada como esperança derradeira para comunidades que estão à boca do abismo sem retorno.
Reflectia-se sobre a condição dos que sobram nos territórios raianos, apesar das decisões políticas de figurões alapados em Madrid e em Lisboa. Javier Andrés não escondeu pessimismo relativamente ao que trará o futuro próximo. Lembrou que, nas zonas raianas, parceiras na desgraça, não se notam efeitos de cooperação no quotidiano das gentes que, afinal, continuam com os olhares ansiosos voltados para as respectivas capitais ou para centros secundários, também eles a dançar ao ritmo da música centralista.
Exemplificou: entrando no território português, à mesa de almoço não encontrou nenhum vinho espanhol na carta do restaurante; se fizermos vinte quilómetros em território espanhol conheceremos o reverso da medalha, porque do lado de lá também não encontraremos nenhum vinho português para regar o repasto.
Aparentemente insignificante, a situação é a expressão de que a vida real continua a afastar-nos em vez de nos aproximar. O comunicador, a viver em Salamanca, alertou para um problema ainda maior, que atrapalha a comunicação dos dois lados da raia, a resistência dos espanhóis em lidar com a língua portuguesa, apesar da capacidade de adaptação que se nota do lado de cá. Defendeu mesmo ser incompreensível que não se caminhe para o bilinguismo nas escolas destas regiões, o que traria outros níveis de relação e resultados práticos.
A nossa história comum nem sempre foi condicionada por fronteiras e preconceitos. Basta lembrar que nos séculos XV e XVI, mesmo depois de Aljubarrota e de Tordesilhas, a mobilidade transfronteiriça era habitual. Nos últimos quatro séculos, a partir de 1640, em nome de desígnios alheios aos portugueses e a todos os da Hispânia, os poderes na península foram cedendo às pressões de potências estranhas e às modas nacionalistas.
Assim se elevaram muros invisíveis mas incontornáveis, que nos tornaram mais dependentes das migalhas dos poderes centrais. O distanciamento cresceu até há três décadas, quando os dois países entraram na União Europeia. Acreditou-se que a partir de então outra seria a nossa história comum. Mas havia um caminho exigente à nossa espera e a situação a que se chegara prometia pouco porque já estávamos em profunda recessão demográfica, com estruturas produtivas debilitadas e uma fortíssima atracção dos grandes centros sobre as novas gerações, que não dá sinais de reversão.
A título de exemplo, Bragança e Zamora estão geminadas há mais de 35 anos e são quase insignificantes os efeitos dessa aliança no dia a dia das duas cidades. A nova secretária de Estado para a Valorização do Interior diz ter consciência do problema e que será a interlocutora para o desenvolvimento da cooperação transfronteiriça, o que poderá constituir um primeiro passo na busca de outros caminhos. Veremos se ainda há tempo.

Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste.
Retirado de www.jornalnordeste.com 

sábado, 23 de novembro de 2019

ENTREVISTA AO PROF. DOUTOR ADRIANO MOREIRA

Esta entrevista foi realizada no dia 19 de outubro de 2019, em Bragança, na Pousada de São Bartolomeu.
Tivemos, para esta entrevista, o apoio da Câmara Municipal de Bragança na pessoa da Senhora Vereadora da Cultura, Dra Fernanda Silva a quem agradecemos a disponibilidade, gentileza e paciência. Obrigada Fernanda.
Agradecemos, também, à Prof. Doutora Lídia Machado dos Santos, que faz o favor de ser nossa amiga, a colaboração e o empenho que imprimiu a este projeto. Obrigada Lídia. 

Falta-nos agradecer, de coração, ao Senhor Professor Adriano Moreira por nos ter concedido esta maravilhosa entrevista e à sua dignissíma esposa, Dra Mónica, pela paciência que teve em nos aturar, pois ultrapassámos bastante o tempo prevista para a realização da entrevista. 

Convém acrescentar que o Senhor Professor Adriano Moreira é uma personalidade única, com uma lucidez impressionante, uma inteligência viva, uma cultura abismal e um sentido de humor inteligente e muito jovem. Foi um enorme prazer termos passado por esta experiência. 
Bem haja Senhor Professor. 

Esta conversa foi gravada e transcrita. Conforme combinado com o nosso entrevistado, foi-lhe enviada e colocada à sua disposição para que fizesse as alterações que assim entendesse. Assim foi. O que aqui apresentamos, está à sua maneira. 




Entrevistadoras (Entrv.): “Quando olho para trás, a memória mais antiga que tenho é a de estar sentado numa pedra, no Bairro de Campolide, e haver, à minha frente, um charco e eu a pensar como é que se podia viver naquele meio, naquela pobreza. É a primeira e mais antiga recordação que tenho. Devia ter quatro ou cinco anos, por aí.”

Senhor Professor, é impressionante que, com tão tenra idade, se tenha apercebido das condições tão ingratas em que vivia e que tenha tomado consciência disso. Quer comentar?

Prof. Doutor Adriano Moreira (Prof. Doutor A.M.): Sabe que, a experiência é existência, e nós todos somos, como dizia o Ortega, históricos, fazemo-nos…, e a circunstância varia e nós enfrentamo-la e eu, de facto tinha… apesar de ter uma vida pobre, (nós éramos pobres), tinha conforto, que a maior parte dos garotos não tinha, e isto porque a minha mãe também era diferente…

Entrv.: A sua mãe era costureira…

Prof. Doutor A.M.: Era, mas o pai dela era uma pessoa muito informada. Vivia na aldeia de Grijó, mas tinha vivido no Brasil. Ela, por exemplo, sabia o João de Deus de cor, o Guerra Junqueiro de cor porque o pai a animava e portanto já tinha outra visão da vida e isso explica também como é que, com tantas dificuldades, já percebessem o que hoje se chama “elevador social” e que, (e eu acho isto heróico), os dois filhos tinham de tirar curso superior

Entrv.: Naquele tempo… e dadas as circunstâncias…

Prof. Doutor A.M.: E conseguimos! A minha irmã já está com oitenta e tal anos. É médica e tem um doente com o qual ela se preocupa… É comigo! E lá aparece. E, portanto, eu via aquelas crianças que não tinham uma casa onde recebessem os cuidados que eu recebi. A diferença estava na minha formação. E foi por isso que percebi.

Entrv.: O avô do Senhor Professor foi uma referência no seu crescimento literário e social?

Prof. Doutor A.M.: Foi. Esse meu avô era extraordinário. Era o pai da minha mãe e tinha uma casa melhor do que a do meu avô paterno, que eu não conheci, e tinha uma pedra a servir de banco cá fora. Eu devo dizer que essa pedra está lá em Lisboa na minha casa porque a junta autónoma das estradas tirou a pedra para corrigir a rua e eu quis a pedra, e portanto está lá e tem em cima uma inscriçãozinha que diz: “Banco do avô Valentim”. Era onde ele lia o jornal. Ele tinha tomado, parte muito jovem, com 18 anos talvez, ou menos…, numa espécie de levantamento por causa de impostos teve de sair do país… e foi assim que ele foi para o Brasil - que era para onde iam os portugueses -, e lá esteve, uns dois anos, jovem. Não sei porquê, porque acontece em tantas ocasiões, não apenas às pessoas, mas também aos movimentos, adotam flores. Ele usava sempre um cravo e, quando não havia cravos, uma folha! Era assim! E, portanto, já tinha uns livros, alguns extraordinários: tinha um livro sobre Nietzsche, tinha um livro sobre a segurança internacional, etc.. Eu herdei esses livros num caixotinho que agora estão cá na biblioteca de Bragança. Eram um tesouro para ele.

Entrv.: Desculpe, mas esse caixotinho era toda a biblioteca, todo o espólio do avô do senhor Professor.

Prof. Doutor A.M.: Era.

Entrv.: Que ele guardava como verdadeiras relíquias…

Prof. Doutor A.M.: Era um tesouro para ele. Ora bem, e, portanto, a minha mãe foi educada por ele e, por isso, é que ela tinha aquela sensibilidade.

Entrev.: E por isso essa visão do mundo.

Prof. Doutor A.M.: E para além disso, ela era muito inteligente. Começou a fazer costura em Lisboa para ajudar a família. Para verem o que era a vida naquele tempo, quando eu me formei, fiz o estágio, e fui para o Ministério da Justiça onde consegui um lugar: ganhava três vezes mais do que o meu pai,

Entrev.: O seu pai era polícia…

Prof. Doutor A.M.: E morreu subchefe ajudante. Eu estive à despedida dele dos seus subordinados. Fez um tão bom discurso que eu pensei assim: “louvada faculdade!”

Entrv.: Só uma curiosidade, senhor Professor, se me permite…De entre o espólio literário do avô fazia parte Guerra Junqueiro…

Prof. Doutor A.M.: Fazia. O Guerra Junqueiro era muito popular. 

Entrv.: O avô era contemporâneo de Guerra Junqueiro. Ele faleceu em 1923 e o senhor Professor nasceu em 1922…

Prof. Doutor A.M.: Mas não diga!

Entrv.: Ah, essas coisas não se dizem!

Prof. Doutor A.M.: Depois eu ainda tive mais razões para me interessar por Guerra Junqueiro porque uma das pessoas que teve mais importância na minha formação e vida pública, foi o Almirante Sarmento Rodrigues que era casado com a descente do Guerra Junqueiro e foi ele que presidiou às cerimónias do centenário, - o que naquele tempo, naquele regime, era preciso ser transmontano porque ele era marinheiro e recebia ordens: mas, o Guerra Junqueiro era da família da sua mulher e fez uma bela celebração do Guerra Junqueiro. Portanto, foi assim neste ambiente familiar que cresci naquele bairro de Campolide… Naquele tempo Lisboa tinha muitos bairros, eu atualmente acho que só já há uma região que é bairro…o resto é Lisboa, mas ali era bairro e na esquina do beco, onde vivia, havia uma casa melhor, e uma senhora que tinha uma bibliotecazinha e era, salvo erro, tia de um dos marinheiros do barco que foi afundado na guerra de 14, comandado por Augusto de Castilho, que tem uma estátua em Vila Real, afundou-se salvando um barco português. E essa senhora, entre outras coisas, por exemplo, tinha a coleção do Júlio Verne! Umas encadernações fantásticas, ela emprestava-me cada volume… e eu tinha um cuidado enorme. Li a coleção toda.

Entrv.: Grande vizinha também lhe digo…

Prof. Doutor A.M.: Tinha outros livros que também me emprestava. E gostava muito de conversar com miúdos e criei lá alguns amigos para a vida… depois fiz a instrução primária num colégio que havia lá… não do Estado. Mas era aquilo tão pobre… eu ainda me recordo que custava por mês vinte escudos.

Entrv.: Era dinheiro…

Prof. Doutor A.M.: Era dinheiro naquele tempo…E a senhora tinha um filho doente epilético, mas era uma grande professora. Depois fui para o Passos Manuel e, agora, tenho de pensar o seguinte: quando eu fui para o Passos Manuel tinha 9 para 10 anos, fiz exame muito cedo, e tinha de ir de Campolide para o Passos Manuel a pé.

Entrv.: Mas não era de castigo?

Prof. Doutor A.M.: Não… não! Fazia ginástica, e acontecia que, quando voltava é que custava mais porque era sempre a subir! Lá fiz o curso ginasticado. Depois fui para a Faculdade de Direito que era no Campo de Santana. Não havia transporte, nem dinheiro para pagar, portanto passei cinco anos a pé, a ir e a vir. E era fácil aquilo. Nessa altura, comecei a pensar que tinha de apoiar a minha irmã que era mais nova… ela fez um bom curso. Depois, estes dois transmontanos, eu e ela, havíamos de nos ligar ao Ultramar porque ela foi médica para Lourenço Marques, casou com um oficial da Força Aérea, médico também, e depois tive de andar envolvido naquelas guerras, de maneira que somos africanos regressados.

Entrv.: Senhor Professor, usa muitas vezes a expressão, “a maneira portuguesa de estar no mundo”. De que forma é diferente da maneira transmontana de estar no mundo?

Prof. Doutor A.M.: Eu a transmontanos julgava que não tinha de explicar!...

Entrv.: Pedimos-lhe que nos explique… Nós queremos ouvi-lo e transcrever o que nos disser…

Prof. Doutor A.M.: Há uma coisa que eu acho importantíssima nos transmontanos. Primeiro, são solidários. Olhe, quando nós fomos viver para Lisboa, eu vinha passar as férias aqui com o meu avô, sempre. Naquele tempo eram três meses, e para chegar cá era duro. Apanhava-se um comboio aí pelas oito horas à noite e chegava-se à estação de Grijó no dia seguinte, por volta das sete e meia da tarde. Chegava a Grijó, que ainda era longe, a cavalo num burro que estava lá à minha espera e lá ia eu… E então ficava em Grijó e era felicíssimo aqueles três meses. Tinha um primo, o Alexandre, que era como se fosse meu irmão. Já morreu há bastantes anos. Era tão bom… conhecíamos tudo, andávamos por todos os lados. O meu avô tinha uma propriedadezinha para aí com um hectare, mas era à beira de um ribeiro e a gente ia lá, tomava banho no ribeiro, corria com as cobras d´água, enfim… era uma vida…

Entrv.: Esses três meses eram fundamentais para recuperar energias… e para recarregar baterias.

Prof. Doutor A.M.: Era! E depois ainda me lembro sempre de amigos do tempo do meu pai e que ali estavam reformados. Lembro-me, por exemplo, de um, o chamado Zé Fiscal porque ele tinha sido guarda-fiscal. Quando eu comecei a ser conhecido, ele cada coisa que via no jornal, cortava e trazia no bolso, e quando eu chegava mostrava-me. Um grande amigo. E havia outros… O Zé Peras, que trabalhava na agricultura da família dos Mirandas, e uma jovem, hoje senhora, que foi fazer um curso de enfermagem em Lisboa na escola Rockfeller, conviveu os três anos connosco, é uma amiga, sobretudo da minha irmã, porque é mesmo da idade dela. A querida Lucília.

Eu vou amanhã a Grijó a uma festa que eles me vão fazer. Mas há pouco tempo, foi no dia 6 de setembro, dia dos meus anos, imagine o que eles fizeram: com as técnicas atuais, arranjaram maneira de ligar uma emissão de imagem para a minha televisão, em Lisboa.

E eu em Lisboa, sentado numa cadeirinha, com os 14 netos à volta, (estão sempre),… vem aquilo de repente… a aldeia toda junta a cantar-me os parabéns e ela, Lucília, fez um poema… e leu o poema! Fantástico! Então, eu amanhã tenho que lá ir porque eu fiz também uma bibliotecazinha para eles, como pediram. E querem inaugurá-la. E querem que seja domingo porque os padres só estão livres no domingo àquela hora.

Aquela aldeia mereceu-me sempre grandes cuidados. Conforme fui podendo, por exemplo, conseguir por lá a eletricidade, que ia daqui das barragens… passava pela aldeia, e lá andavam de candeia. Consegui que pusessem lá a eletricidade. Também consegui o esgoto, uma segunda escola e o coreto da festa. De maneira que, o largo do coreto chama-se Adriano Moreira, a biblioteca chama-se Adriano Moreira.

Entrv.: É uma homenagem justa!

Prof. Doutor A.M.: Porque me inquietou, foi a falta de crianças…

Entrv.: Pois, não, infelizmente.

Prof. Doutor A.M.: No meu tempo havia tantas…

Entrv.: E a capela da sua mãe?

Prof. Doutor A.M.: Essa capela tem uma origem interessante. A santa protetora da nossa aldeia é Santa Madalena, mas a festa é ao Senhor do Calvário. E, portanto, a capela do Senhor do Calvário era fora da aldeia… agora já lá chega a aldeia. Era uma colina, tinha umas rochas e eu lembro-me que com o meu primo gostávamos de nos encavalitar nas rochas a ver o pôr-do-sol. Lembro-me disto… íamos para ali para o Santo Cristo… Depois houve, consta, um empreiteiro que precisou de amanhar a estrada e lembrou-se de, com dinamite, tirar as pedras e a capela ficou, claro, toda atingida. A minha mãe, que era muito crente, estava sempre muito aflita com a capela. Eu já era um bocadinho crescido quando isso aconteceu, já formado, era Ministro do Interior, um transmontano, o Dr. Trigo Negreiros, e era Ministro da Marinha outro transmontano, que era o almirante Sarmento Rodrigues. O Almirante Sarmento Rodrigues que, também era transmontano, eu já andava a dar aulas, mandou-me chamar e pediu-me para ir estudar o sistema prisional do Ultramar. Nesse tempo dedicava-me a isso: o direito prisional. E, então, corri as províncias todas de África, e sinto pena porque nunca tive a ocasião de ir a Timor. Fiz o livro. Desse livro saiu a reforma prisional Sarmento Rodrigues do Ultramar. Como eu tinha dito no estudo, a condenação à prisão é sempre destinada à reabilitação. Reabilitação, que tem sempre a tal circunstância, a cultura a que a pessoa pertence. E, portanto, não podemos ter as estruturas técnicas, que são europeias, para África. Defendi fazer um regime puramente de “colónias agrícolas”, prevendo até a reunião das famílias: os europeus, tão poucos, viriam para cá. Com o livro ganhei o prémio da Academia das Ciências. E esse prémio, na altura, era 80 contos.

Entrv.: Era significativo…sem dúvida…

Prof. Doutor A.M.: Para o meu pai era o ordenado de dois anos ou três. E, então, o que é que eu fiz? Peguei no dinheiro do prémio e dei-o à minha mãe: “Pode concertar a nossa capela!” Um amigo meu fez o projeto. Era o arquiteto Mário de Oliveira… morreu em Trás-os-Montes, em Vila Real porque, ele não era transmontano, mas veio para cá trabalhar.

Entrv.: E acabou por ficar…

Prof. Doutor A.M.: Portanto fizeram a Capela, ficou linda e ele fez o projeto, não levou dinheiro, mas faltava a estrada! Fui ao Dr. Trigo Negreiros, transmontano, e contei-lhe da Capela: “Isto está feito. Está uma beleza, mas depois há a procissão todos os anos, e as mulheres vão ajoelhar-se, e a estrada é uma coisa difícil e penosa”, - “Está bem, e então o que é que quer?”, - “Quero que o senhor faça a estrada!” E fez!

De maneira que a Capela tem um grande culto. A última vez que eu lá fui eles mandaram dizer a missa na capela. E amanhã vou lá. Infelizmente com esta crise em que o país está, consegui a segunda escola e estão as duas fechadas. As duas. O presidente da junta vive na aldeia, uma família média, transformou o edifício da primeira escola em biblioteca Adriano Moreia e depois achou natural: “Agora, mande os livros!”

E eu tenho mandado bastantes, com uma certa cautela por ser uma aldeia, e a minha irmã Olívia, sábia, disse-me com o seu ar de médica, “Vê lá se mandas livros que eles leiam!”

Entrv.: Pois, com certeza! O senhor Professor é um transmontano radical?

Prof. Doutor A.M.: Sou!

Entrv.: E o que é ser um transmontano radical?

Prof. Doutor A.M.: Sabe uma coisa? Isso foi muito benéfico porque escusava de ser radical no resto!

Entrv.: Só pelo facto de ser transmontano já era radical! Muito bem!

Prof. Doutor A.M.: Era! Ora bem, isto vinha a propósito, portanto, por que é que eu cheguei… à expressão “maneira portuguesa de estar no mundo” que, aliás, foi utilizada pelo nosso presidente do júri, Prof. Braga da Cruz, no último livro que publicou, onde faz um retrato do país através de correspondências ou ensaios de pessoas vivas! Portanto, são aí umas quarenta. Tem o livro dele?

Entrv.: Não! Ainda não o adquiri!

Prof. Doutor A.M.: Mas é um livro extraordinário e também lá fala de mim! E diz assim, mais ou menos: “caracterizo os esforços da vida dele, com este problema: a maneira portuguesa de estar no mundo…”

Entrv.: Como é que o senhor Professor encara a posição de Portugal no mundo, hoje em dia?

Prof. Doutor A.M.: Com muita preocupação porque, não sei se isto é fácil de explicar para o público, mas é mais ou menos isto que eu lhes vou dizer…e compreendam que com a II Guerra Mundial, Portugal não entrou por querer na II guerra Mundial… e aquilo que anda escrito, em regra… e que procura talvez salvar a face do país… não começa dessa maneira… foi o Ultimato dos Estados Unidos – precisavam do Arquipélago dos Açores, porque, naquele tempo, os aviões não tinham capacidade para atravessar o Atlântico com gasolina e, então, tinham de fazer uma aterragem, e o Presidente do Conselho, o Doutor Salazar, conseguiu uma coisa extraordinária: os Açores e Portugal, claro, entravam como associados à defesa ocidental e na guerra, o resto dos territórios eram neutrais! Eu ainda me lembro (era estudante durante a guerra) e nós andávamos sempre aflitos a ver se os alemães vinham por aí fora. Eles chegaram a estar nos Pirenéus.

Bom, ele acabou até o discurso, dizendo mais ou menos o seguinte, na Assembleia da República, “Os juristas vão ter muita dificuldade em explicar isto. Mas é assim.” Quem cobriu essa imposição com palavras mais respeitosas foi a Inglaterra, dizendo – “Invocamos a Aliança”. Só que se esqueceram de uma coisa: é que no tal território que não entrava na guerra, ficava Timor. Foi invadido pelos japoneses e eles mataram, fizeram quase uma destruição da população. Eles ainda haviam de sofrer outro grave abuso, mas, nesse tempo, foi um desastre. Eu ainda me lembro do primeiro-oficial português governador, que depois da paz entrou em Timor. Quando chegou ele tinha uma guarda de honra à espera, gente toda esfarrapada, mas com a bandeira. Tinham-na enterrado para os japoneses não poderem destruí-la. Era uma gente muito fiel a Portugal. Ainda este ano tive… já foi o ano passado… isto passa a correr… eu nunca fui a Timor e não conheço o Presidente da República atual que já é o terceiro. Ele mandou-me o convite para eu ir a Timor. Eu disse-lhe: “Não vou porque o médico não deixa. Ele proíbe-me de andar de avião”. Eu tive um acidente nos pulmões, uma infeção e ele respondeu: “Traga uma enfermeira!”. E eu respondi: “O médico não está preocupado com a enfermeira. O médico está preocupado comigo!”

Sabe o que ele fez? Veio cá o primeiro presidente de Timor para me entregar uma condecoração. A condecoração chama-se “Condecoração de Timor: “Pelos serviços prestados a Timor (porque eu defendi-os muito nas Nações Unidas preocupei-me com os que estiveram refugiados em Lisboa e que sofreram imenso, sobretudo as mulheres que são sempre vítimas) aos Direitos do Homem e à Humanidade.”

Eu tenho um neto com quatro anos, bastante doente, que tem o meu nome, e eu disse: “Eles enganaram-se! É para o Adrianinho!” E dei-lha, para se lembrar de mim quando crescer.

Entrv.: Senhor professor, creio que vem a propósito eu utilizar uma expressão, uma frase também do senhor Professor que diz, “Nós tivemos um grande talento para criar impérios…Nós gostaríamos de ouvir o comentário do senhor Professor.

Prof. Doutor A.M.: A questão é esta: vamos sempre à circunstância. Ainda este ano foram publicadas traduções de duas histórias de Portugal feitas por saxónicos. Eu achei interessante. Li as duas. São muito justos. E ambos concordam em dizer que é um milagre: como é que o mais pequeno país europeu fez um império?! Ora bem, eu digo: a circunstância.

Tenho uma grande admiração por D. Dinis porque o que é que ele fez? Primeiro, fez a Marinha. O primeiro almirante português, creio que foi há dois anos que se celebraram os 700 anos da nomeação. E o D. Dinis fez isto porquê? Não foi por causa da religião católica. Foi porque os piratas atacavam a navegação e ele tinha de organizar a defesa. Fez o pinhal de Leiria para poder fazer os barcos, as pessoas que tratassem disto tinham de saber – fez a Universidade; conseguiu a absolvição dos Templários, e criou com eles a Ordem de Cristo, salvando assim o património. E o que é que aconteceu? Um professor inglês do século XIX disse uma coisa muito sábia: em geral, não é a nação que faz o estado, é o estado que faz a nação. E de facto, o efeito geral de estas três coisas, acho eu… atribuo a isto… ele não pensou, mas com tudo junto acontece que havia nação em 1385 porque a nação é que escolheu o rei. E já não é de herança! É aclamação. Depois vamos perdendo essa noção mas o rei de Portugal tinha de ser sempre aclamado pelas cortes. E foi D. Dinis! E foi isto que deu essa audácia, com a sorte que tivemos com a geração do Infante D. Henrique… é um grupo espantoso que admiramos: que saber… como é que eles tiveram aquela coragem?

Hoje, como sabem, cresce uma crítica salientando a escravatura, o resto é o milagre que historiadores estrangeiros sublinham.

Entrv.: Se compararmos com as outras escravaturas, a nossa não era das mais pesadas.

Prof. Doutor A.M.: Nunca é leve, mas aqui há dois anos saiu um livro importante que interessa às universidades. Imagine que foi uma universidade da América latina que organizou um livro sobre a paz ibérica. É o ensino de Coimbra, de Évora, de Espanha, (Salamanca), e você admira-se com gente que está no século XVI a discutir se os reis têm legitimidade para tomar conta do território de gente que já lá está, se o Papa tem realmente poder para fazer essas coisas, se a escravatura é legítima, etc.
Isto é o património imaterial da humanidade… nasceu cá uma grande parte. Foi uma grande parte: Coimbra e Évora, depois os professores que nós tivemos e os missionários, para mim o padre mais importante é o Padre António Vieira.

Entrv.: O Padre António Vieira?

Prof. Doutor A.M.: António Vieira! Morreu no Brasil, velho, chegara a ser preso pela Inquisição, mas depois o Papa deu-lhe imunidade. E ele já estava velho, talvez tivesse noventa anos, mas continuou a escrever e avaliar o que se estava a passar.

Ora bem, Portugal com isto (por isso é que eu comecei por dizer – Portugal, como os outros países, está sempre ligado às circunstâncias)… as circunstâncias evoluíram muito porque apareceram as novas potências como agora estão a aparecer os emergentes. Como sabe o mundo começou a ser ocidentalizado, mas não éramos só nós, eram todos os outros que apareceram com interesses próprios. É uma mudança muito firme passar de sozinhos e Espanha para muitos. A balança do poder começa a ser diferente e por isso nós tivemos períodos de decadências como foi as duas coroas, de Portugal e de Espanha, etc. Ora, para não ser muito comprido… vamos ver o que aconteceu durante a minha vida. O que aconteceu foi em 1.º lugar a guerra – uma coisa espantosa. Quando se fez a paz em 1918, antes de eu nascer, o general alemão que assinou a paz disse – isto não é paz, é armistício por vinte anos. Foi dia por dia. Veja bem. II Guerra Mundial. Nós passámos aqueles problemas, não é verdade? E depois disso, a mudança da atitude dos europeus foi de aceitar que estava a desaparecer aquilo que lhe atribuíam: ser “a luz do mundo”. Que deixou de ser, aos poucos. E, Portugal começou, talvez a se compreender na II Guerra Mundial, que em vez de dominar a circunstância, a circunstância começava a dominar. E por isso a minha conclusão neste momento (eu escusava de ter sido tão comprido) é que o país - arranjei uma palavra feia porque a situação é feia -, é exógeno, quer dizer, é objeto das consequências de decisões em que não toma parte.

Entrv.: Eu costumo dizer que nós somos as nossas circunstâncias!

Prof. Doutor A.M.: É a relação com a circunstância. Eu lembro quando foi do primeiro grande golpe que foi as duas coroas, o nosso Frei Bartolomeu dos Mártires, que agora é santo… eu acho que ele fez uma coisa um bocadinho criticável, achando legítimo que viesse o rei de Espanha. Ora bem, mas outro bispo percebeu a circunstância: não estava de acordo, mas quando lhe perguntaram, o que respondeu foi – “Ao presente não lhe vejo mais remédio.” Quem diz isto não está de acordo.

A política do bacalhau demolhado (Editorial do Jornal Nordeste, 19-11-2019)

É penoso, a raiar o ridículo, sentir a obrigação de retomar, a cada passo, um problema que devia estar resolvido há décadas, mas promete arrastar-se sem solução até que deixe de o ser, quando já ninguém tiver consciência dos seus efeitos trágicos para o país inteiro e para as gerações que lutaram para retorcer um destino que não mereceram.
Volte-se, então, ao bacalhau demolhado, expressão usada para referir discurso redondo, às voltas sobre tema consabido, sem que se pressinta rasgo para encontrar caminho até horizontes desanuviados. Uma chatice, até porque a demolha infindável do fiel amigo instala verdadeiro cheirete que nos pode levar a abominá-lo, apesar de lhe reconhecermos as delícias que secularmente nos tem proporcionado.
A viagem no tempo seria longa e dolorosa, de nos secar a alma. À velocidade da luz veremos cinco séculos de vida a escoar-se desta terra, quase sempre sem retorno, apesar dos avisos mudos dos fraguedos que velam as noites e dos sussurros nos carvalhais, que nos eriçam a pele.
Longe de veleidades poéticas, fora possível travar em tempo o desastre se houvera verticalidade e coragem política. Mas, não foi o que aconteceu e tarde está a tornar-se, cada vez mais, nunca, o que nos conduzirá ao irremediável.
Essa agora, dirão alguns, então não se vê que, pelo contrário, as medidas tomadas nos últimos três anos vão no sentido de recuperar os territórios para a partilha do desenvolvimento com o quinto do país que festeja todos os dias o progresso, esse novo bezerro de ouro com um rebrilho que entontece.
Não, definitivamente não se vê. Em 2016 foi lançada a Unidade de Missão Para a Valorização do Interior, apoiada num aparelho de propaganda inédito, mas suportada numa personalidade respeitável, competente, frontal, de uma honestidade política invulgar. Pouco mais de um ano depois Helena Freitas demitiu-se porque não teve o apoio que pensava ter. Tomou o seu lugar a segunda figura da Unidade de Missão, João Paulo Catarino, e a estrutura foi-se diluindo no esquecimento, mesmo quando se tornou secretaria de Estado, de que ele foi titular durante quase um ano, localizada em Castelo Branco, com nova festa em pleno Parlamento e palmas do presidente daquele município, que não poupou encómios.
Luís Correia, assim se chama o autarca, quis acreditar. Agora há-de estar a arregalar os olhos de espanto: afinal já não tem lá a secretaria de Estado, transferida para Bragança. Entretanto, não se lhe conhece pegada política, económica e cultural, que bem se agradecia.
A deslocação para Bragança não terá efeitos muito diferentes. A decisão foi tomada com a mesma leveza. Não se trata de uma opção estrutural, o que implicaria a transferência dos serviços e a instalação num dos edifícios que foram sobrando do abandono. Pelos vistos haverá um gabinete com três funcionários, provavelmente um condutor, um segurança e um atendedor de telefones. Isabel Ferreira terá que gerir assuntos de todo o país, mas nada impedia que os serviços ficassem centrados em Bragança.
Não se sabe se Castelo Branco manterá alguma estrutura governamental, o que nos deve pôr de sobreaviso para o resultado no fim desta festa.

Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste
Retirado de www.jornalnordeste.com

domingo, 17 de novembro de 2019

PARTÍCULAS

Por vezes, o dia, ao raiar o sol, engana-nos.
Acreditamos que vai correr tudo bem,
que vamos ser felizes, que vamos ser nós.

Não funciona assim. Somos, talvez,
feitos de nada ou de tudo, remansosa enseada
onde pensamos, por fugazes momentos, ser.

Quando o dia não é, que seremos nós?
Como seremos nós depois de ser?
Existiremos? As partículas não sentem nem são.

Maria Cepeda

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Cuidado com os ventos da história (Editorial de Teófilo Vaz) - 12-11-2019

Abascal surgiu do nada para liderar um grupo parlamentar de cinquenta e dois deputados nas cortes do reino vizinho, com arreganho e discurso cortante, a anunciar tempos de guerra política a sério, também nesta península que, num engano de alma ledo e cego, alguns quiseram ver a deslado da tempestade perfeita que avança, arrasadora, capaz de nos deixar de alma encharcada, enregelada, a pingar amarguras, com lágrimas e tudo.
Claro que não. Já há seis meses o Vox, partido liderado por Santiago Abascal, atingiu vinte e quatro lugares, trazendo à praça pública as mesmas questões, a ira crescente de alguns sectores da sociedade espanhola, irracional talvez e o apelo a uma resistência visceral às eflorescências caprichosas de diversidades, individualismos, tribalismos, deleites com o próprio umbigo, verdadeiro retorno ao apogeu da época barroca, sensual, orgíaca, onanista, petulante na festa do imediatismo, que esta vida são dois dias.
Na verdade, o que se passa aqui ao lado não pode provocar espanto, depois de surpresas sucessivas, um pouco por todo o mundo.
Começa a ser tarde para forças políticas que se proclamam defensoras da democracia resguardarem o fundamental em vez de se desgastarem nos jogos de conjuntura até à exaustão, ao desânimo, ao salve-se quem puder que, normalmente, resulta em grandes tragédias.
Abascales, Trumps ou Bolsonaros desta vida não surgem por obra do demónio, esse bode expiatório das nossas impiedades. São produto do hedonismo sem horizonte, que leva um número crescente de cidadãos, refastelados nas comodidades democráticas, a exigir tudo, aqui e agora, como se não houvesse amanhã, sem tomar consciência que o mundo tem pouco a ver com o mítico paraíso terreal antes da investida da serpente.
Quando a actividade política se torna simples feira de vaidades, mais cedo ou mais tarde o espaço público é tomado por mirones broncos, inconvenientes, instintivos, despeitados que podem varrer o terreiro num ápice, impondo retrocessos civilizacionais, autênticos poços sem fundo.
Nisto deveriam pensar os socialistas espanhóis, mas principalmente as gentes do Podemos e do Cidadãos, que abriram as portas a Abascal, também beneficiário da alergia à exuberância dos nacionalismos basco e catalão, numa Europa no fio da navalha, entre a pulverização que a aniquilará e a unidade que a pode salvar.
O nosso país não vai ficar imune ao fenómeno. A multiplicação de partidos é sinal de que as soluções serão cada vez mais difíceis, empurrando para alternativas autoritárias. Não seria a primeira vez a ouvirmos falar de “fado parlamentar”, da necessidade de moralizar a política ou de repor a ordem no país, proclamações que se sustentam nas aparências de um caos insidioso a tomar conta das nossas vidas, alimentadas pelo sensacionalismo mediático, mas principalmente pela displicência dos responsáveis políticos.
André Ventura também anunciou o crescimento vertiginoso do seu partido, porque sabe que espanhóis, alemães, polacos, húngaros, brasileiros, americanos ou portugueses, somos todos feitos da mesma massa e a vidinha de cada um vale mais que os destinos da humanidade.

Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste
Retirado de www.jornalnordeste.com

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Professor Doutor Adriano Moreira

Tivemos o grato prazer de entrevistar o Ex.mo Senhor Professor Adriano Moreira. A entrevista foi realizada no passado dia 19 de outubro, às 10:00 horas, na Pousada de São Bartolomeu.
Depois de alguns contactos repletos de simpatia e disponibilidade, conjugaram-se as vontades e as vidas dos diversos intervenientes e foi feita a entrevista.
Homem de grande cultura, assumidamente transmontano, deleitou-nos com a sua vivacidade e sentido de humor.

Obrigado Senhor Professor.
Maria e Marcolino Cepeda




História sobre as relações no tempo colonial vence I Prémio Adriano Moreira

António Trabulo tem 76 anos, é neurocirurgião aposentado e foi o vencedor da primeira edição.

António Trabulo foi o vencedor do I Prémio Literário da Lusofonia Professor Doutor Adriano Moreira, criado, em 2018, pelo Conselho de Curadores da Biblioteca Adriano Moreira, com o intuito de incentivar a criatividade literária e valorizar a língua oficial portuguesa.
Foram submetidas 45 candidaturas de trabalhos originais, 35 obras portuguesas, nove brasileiras e uma espanhola.
A história premiada é um conjunto de parábolas que expressam as relações entre brancos e negros desde a primeira guerra mundial até aos anos 90, em Angola. “É um livro estruturado sobre duas personagens essenciais, uma que é um pequeno diabo da tradição ganguela e é um espírito, e o outro é um padre do Espírito Santo e que foi para Angola para exercer a sua missão e para fazer o apostolado”, contou o vencedor acerca da sua obra.
Nasceu em Vila Nova de Foz Côa e tem 76 anos. Foi neurocirurgião e agora aposentado e decidiu dedicar-se à escrita a tempo inteiro. “Eu acho que já nasci com o gosto pela escrita”, salientou António Trabulo, que aos dez anos escreveu um conto para o Jornal ABC de Angola e publicou um livro quarenta anos depois. Já recebeu diversos prémios, metade fora de Portugal, cinco no Brasil e um na Argentina. No entanto, referiu que foi no seu país que ganhou prémios com “mais qualidade”, como o Prémio Literário da Lusofonia Professor Doutor Adriano Moreira. “Sinto-me muito orgulhoso, principalmente por ser um prémio com este significado”, afirmou, acrescentando que “representa um reconhecimento de um trabalho é duro”, uma vez que “a profissão de escritor leva à solidão”.
A autarquia de Bragança tem vindo apostar na escrita, não só “em termos originais”, mas na escrita “trabalhada” e com “investigação”. “Estamos perfeitamente convictos de que hoje iniciamos aqui um ciclo importante, no que tem a ver com o processo de promoção da língua portuguesa e, sendo uma língua falada por tantos milhões, pelo mundo fora, é necessário que continuemos a apostar na língua”, destacou o presidente da câmara brigantino, que avançou também que, em breve, vai ser apresentado um livro, mas ainda sem data marcada.
O I Prémio Literário da Lusofonia Professor Doutor Adriano foi atribuído na sexta-feira, no Teatro Municipal de Bragança. A distinção é atribuída apenas de dois em dois anos.


Retirado de www.jornalnordeste.com