Abascal surgiu do nada
para liderar um grupo parlamentar de cinquenta e dois
deputados nas cortes do reino vizinho, com arreganho
e discurso cortante, a anunciar tempos de guerra política a sério, também nesta península que, num engano de
alma ledo e cego, alguns quiseram ver a deslado da tempestade perfeita que avança, arrasadora, capaz de nos
deixar de alma encharcada,
enregelada, a pingar amarguras, com lágrimas e tudo.
Claro que não. Já há seis
meses o Vox, partido liderado por Santiago Abascal,
atingiu vinte e quatro lugares, trazendo à praça pública as mesmas questões, a ira
crescente de alguns sectores da sociedade espanhola, irracional talvez e o apelo a uma resistência visceral
às eflorescências caprichosas
de diversidades, individualismos, tribalismos, deleites
com o próprio umbigo, verdadeiro retorno ao apogeu
da época barroca, sensual,
orgíaca, onanista, petulante
na festa do imediatismo, que
esta vida são dois dias.
Na verdade, o que se
passa aqui ao lado não pode provocar espanto, depois
de surpresas sucessivas, um
pouco por todo o mundo.
Começa a ser tarde para
forças políticas que se proclamam defensoras da democracia resguardarem o
fundamental em vez de se
desgastarem nos jogos de
conjuntura até à exaustão, ao
desânimo, ao salve-se quem
puder que, normalmente, resulta em grandes tragédias.
Abascales, Trumps ou
Bolsonaros desta vida não
surgem por obra do demónio, esse bode expiatório das
nossas impiedades. São produto do hedonismo sem horizonte, que leva um número crescente de cidadãos, refastelados nas comodidades democráticas, a exigir tudo,
aqui e agora, como se não
houvesse amanhã, sem tomar consciência que o mundo tem pouco a ver com o
mítico paraíso terreal antes
da investida da serpente.
Quando a actividade política se torna simples feira de vaidades, mais cedo ou
mais tarde o espaço público
é tomado por mirones broncos, inconvenientes, instintivos, despeitados que podem
varrer o terreiro num ápice,
impondo retrocessos civilizacionais, autênticos poços
sem fundo.
Nisto deveriam pensar
os socialistas espanhóis, mas
principalmente as gentes do
Podemos e do Cidadãos, que
abriram as portas a Abascal,
também beneficiário da alergia à exuberância dos nacionalismos basco e catalão, numa Europa no fio da navalha, entre a pulverização que
a aniquilará e a unidade que
a pode salvar.
O nosso país não vai ficar
imune ao fenómeno. A multiplicação de partidos é sinal
de que as soluções serão cada vez mais difíceis, empurrando para alternativas autoritárias. Não seria a primeira
vez a ouvirmos falar de “fado
parlamentar”, da necessidade
de moralizar a política ou de
repor a ordem no país, proclamações que se sustentam
nas aparências de um caos
insidioso a tomar conta das
nossas vidas, alimentadas
pelo sensacionalismo mediático, mas principalmente pela displicência dos responsáveis políticos.
André Ventura também
anunciou o crescimento vertiginoso do seu partido, porque sabe que espanhóis, alemães, polacos, húngaros, brasileiros, americanos ou portugueses, somos todos feitos
da mesma massa e a vidinha
de cada um vale mais que
os destinos da humanidade.
Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste
Retirado de www.jornalnordeste.com
Sem comentários:
Enviar um comentário