domingo, 24 de janeiro de 2021

TEÓFILO… MEU IRMÃO

O ano de 2020 nasceu, praticamente, com a pandemia que assola o mundo. As más notícias começaram cedo e prolongaram-se até ao seu final. Quando, finalmente, pensava ver, ao fundo do túnel, uma ténue luz com o início da vacinação contra o Covid19, recebi a notícia, para mim, mais improvável, da morte do meu amigo, diria mesmo, meu irmão, Teófilo Valdemar Alves Vaz.

Quando o nosso amigo João Manuel Neto Jacob telefonou, não quis acreditar por se me afigurar uma situação tão absurda e insana, que me parecia absolutamente impossível. Seria, com certeza um engano… mas, como sói dizer-se, as más notícias correm depressa. Não tive outro remédio senão assumir a sua veracidade.

Os primeiros momentos foram muito difíceis. O que fazer agora sem a sua fina ironia, sem a sua empatia, sem a sua amizade, sem a sua defesa constante e esclarecida daquilo em que acreditava, sem o seu profissionalismo, sem a sua entrega aos projetos que desenvolvia?

Nunca mais ouvir as suas histórias, desfrutar do seu sentido de humor, não mais apreciar o seu ar de desdém…

Em Maio de 1972, Teófilo foi oferecer-se ao jornal da terra, neste caso o Mensageiro de Bragança, para lançar uma página a que chamou “Página de Participação Jovem” que, mais tarde, se viria a chamar “Participação”. Apresentou-se no gabinete do Director, o padre Manuel Sampaio, que acolheu, com muito entusiasmo, a sua proposta.

Com a irreverência própria da juventude, dezassete anos quase feitos (a 31 de maio), propunha-se criar e desenvolver a página “Participação”. Pretendia, com um pequeno grupo de amigos, uma maior intervenção política e social, sem saber bem como iludir a censura ditatorial o que aguçou o engenho e a arte de todos. Foi, sem dúvida, um começo auspicioso e inseguro que a todos direccionou para o jornalismo.

À terceira edição da página “Participação” (1972), como habitualmente fazia, fui comprar o Mensageiro de Bragança ao quiosque junto à Livraria Rosa d’Ouro, na Praça da Sé. Levava fisgada a ideia de conhecer Teófilo Vaz e de poder participar na página por ele criada.

Escrevi-lhe uma carta e enviei-a pelo correio para o jornal. Hoje rio-me ao pensar no pormenor do correio, tão profissional, quando era tão fácil que nos cruzássemos no centro da cidade que, na altura vivíamos tão intensamente. Mas assim foi.  

Recebida a carta e prontamente respondida, combinámos encontrar-nos na Praça da Sé para falarmos com o director do Mensageiro, padre Manuel Sampaio que, de bom grado, aceitou a minha inclusão no projeto.

Foi assim que nos conhecemos e começámos a colaborar, sempre com proveitosos trabalhos em nome da cidade e da região, nos jornais e noutros sítios. Nessa altura, já colaborava o Carlos Pires e o Ernesto Rodrigues começava a aparecer com alguns textos. Mal sabíamos nós que ali nasceria uma amizade de quase cinquenta anos.

Convém referir que, com o passar do tempo, a nossa participação no jornal extravasou a “página” e, alguns de nós passaram a ser autênticos redatores. 

Também Jorge Morais e Desidério Martins, por exemplo iam apresentando alguns trabalhos. O dinamismo era evidente e a cumplicidade também.

Esta forma de intervenção dos jovens não era inédita em Bragança, porque já havia uma página “A tribuna dos novos” em que alguns jovens apareciam a fazer poesia e a escrever textos de reflexão, como Amadeu Ferreira.

Teófilo, para mim, é sinónimo de “presença”, de “amigo”, de “irmão”. Quis saber sempre de mim, nos bons e maus momentos. Nunca deixou de estar. Nunca deixou de ser. É impossível esquecer tantas coisas que fizemos juntos.

Certo dia, em pleno inverno, durante a noite, com os nossos pujantes dezassete anos, depois de beber umas cervejas, eu, o Teófilo, o Manuel de Jesus e o Lino fomos gritar palavras de ordem contra o Dr. Salazar, para a avenida do Sabor.

O Manuel de Jesus, já cansado, deitou-se sobre um pequeno muro que ali havia e adormeceu profundamente. Nós continuámos com a nossa missão até que alguém chamou a polícia que, prontamente se apresentou e nos levou para a esquadra onde tomou nota dos nossos depoimentos.

Foi um valente susto. Fomos avisados de que se voltasse a acontecer, seriamos presos. Dessa vez, fomos mandados para casa. Manuel de Jesus continuou placidamente a dormir. Só no dia seguinte soube do sucedido.

Depois deste episódio, Teófilo regressou a Angola, Luanda. Durante a sua viagem de barco, enviou-me um postal que guardo religiosamente. Queixou-se da viagem, em barco pouco rápido e prometeu voltar logo que fosse possível. 

Com a ausência dele, coube-me a mim, a responsabilidade de continuar com a página no Mensageiro, com a colaboração dos jovens que faziam parte do grupo. Podemos dizer que o papel desempenhado por todos nós assumiu algum significado na vida do Mensageiro de Bragança durante os anos de 1972, 73 e 74.

Algum tempo depois da saída do Teófilo fui chamado ao gabinete do padre Manuel Sampaio que me transmitiu que o Senhor Bispo me proibia de escrever para o jornal: “Este garoto está expulso”.

O padre Sampaio, apercebendo-se da minha desilusão e da hipotética injustiça, sugeriu-me que continuasse a escrever sob pseudónimo, o que fiz, utilizando, a partir daí, os pseudónimos José Valverde e Ricardo Faria.

Chegámos ao 25 de Abril de 1974, tempo de todas as liberdades e, nessa altura, em “ato heróico”, decidimos demitir-nos em bloco através de um manifesto publicado no jornal, onde estavam todos os nossos nomes, aparecendo o meu nome em primeiro lugar.    

A demissão do grupo que escrevia para o Mensageiro de Bragança, deu origem à criação do Jornal “Énie”, que durou cerca de dez meses, até Novembro de 1975.

Teófilo Vaz, já regressado de Angola, Ernesto Rodrigues e Carlos Pires foram os grandes impulsionadores desta publicação, sendo seu Diretor o Dr. Eduardo de Carvalho.

Eu apenas escrevi um artigo para o primeiro número e fui entrevistado, enquanto Presidente da Associação de Estudantes do Magistério de Bragança, pelo Carlos Pires. Foi essa a minha participação nesta publicação. 

As nossas lides culturais não ficaram por aqui. Enquanto Presidente do Clube de Bragança, tive a honra de ter como Vice-presidente o Teófilo.

Foi durante o nosso mandato que assinámos, no palco do Clube de Bragança, um protocolo com o então, Presidente da Câmara de Bragança, José Luís Pinheiro, que permitiu ao clube realizar três importantes acontecimentos: a 1ª Feira do Livro de Bragança, realizada de 30 de abril a 9 de maio de 1982, no Jardim António José de Almeida. Convém dizer que a ideia da Feira do Livro nasceu de uma crónica escrita pelo Teófilo no Jornal Mensageiro de Bragança, que eu fui repescar; a publicação da revista “Amigos de Bragança”, Boletim de Informação e Estudos Regionalistas, sendo Director o Dr. Eduardo de Carvalho e redatores Marcolino Cepeda, Teófilo Vaz e Ernesto Rodrigues, que também era o proprietário. A publicação do boletim prolongou-se de junho de 1984 até dezembro de 1986. Neste último número contou com a colaboração de João Manuel Neto Jacob; e, ainda, a instituição de um prémio para a realização de Concursos Literários sobre Trás-os-Montes.

Cabe-me referir que durante esse mandato, contámos com a colaboração de Jorge Morais na elaboração do cartaz para a Feira do Livro.

O gosto pelo jornalismo foi-se construindo paulatinamente e entranhando-se. Passou a assumir um espaço que era obrigatório preencher. Assim fez Teófilo embrenhando-se na imprensa regional, esticando esforços pela rádio… tornou-se jornalista sem deixar de ser Professor. Incutiu valores de perseverança nos seus alunos, abriu horizontes e mostrou passados. E desde aquele sábado, em plena Praça da Sé, em que me gritou: “Já nasceu!”, tornou-se PAI, talvez o seu melhor papel. Deixa três filhos: Pedro, Helena e Inês; e uma neta, Maria Clara.  

E as nossas tertúlias, já homens casados, em noites incertas, lá pelas onze da noite, na minha casa, na rua do Loreto, regadas a vinho, cervejas ou outros quejandos, acompanhados por petiscos que a Mara, a minha esposa, preparava, com a ajuda de um ou outro elemento do grupo, numa mistura de sabores vários. Diria que a Mara ficou a conhecer-nos muito bem e se tornou mais um elemento do grupo.

De tudo se falava, umas vezes riamo-nos e, por vezes, chorávamos por amigos que já não estavam. Ali nos perdíamos em histórias, romances e poemas, em anedotas e um quase-nada de má-língua. Nunca era tarde. Nunca nos cansávamos e, muitas vezes, ao raiar o dia, ensonados, dizíamos: “Até qualquer dia.” Com a certeza absoluta de que nos podíamos voltar a encontrar um dia qualquer, à mesma hora, no mesmo local…

Já passou algum tempo desde a última vez em que todos estivemos juntos. Nunca mais conseguiremos reunir-nos. Custa-me admitir as ausências dos que já partiram. Amadeu Ferreira, Alberto Fernandes… e agora tu, Teófilo… São muitos amigos para perder em tão pouco tempo… As nossas vidas não voltarão a ser as mesmas.

 “Mudar o destino” foi o teu último editorial no Jornal Nordeste. Infelizmente, o teu destino não pode ser mudado, mas podemos todos, se assim o quisermos, mudar o destino desta região na qual tu decidiste viver e criar uma família. Onde conservas alguns dos teus melhores amigos. Região pela qual sempre lutaste. Bragança agradece.

Obrigado amigo pelo tempo que sempre me dedicaste.

Marcolino Cepeda

P.S. Este texto foi publicado no Jornal Nordeste no dia 5 de janeiro de 2021

domingo, 3 de janeiro de 2021

RESPIRAR

Que insensatez, que desvario!

Se alguma vez serei, 

num qualquer tempo ou lugar,

porque este sentimento de vazio

onde falta o calor e não existe o ar?


Ar que se respire

sem culpa, sem esforço

nesta dimensão insegura,

sem dono, sem rosto...

que a todos angustia,

sufoca, aniquila, transfigura

nesta triste e eterna noite

onde nada se vê,

para lá da noite vazia...


Maria Cepeda