domingo, 23 de agosto de 2020

MINA DE VOLFRÂMIO E ESTANHO A CÉU ABERTO PREVISTA PARA A LOCALIDADE ESPANHOLA DE CALABOR (Publicado por Lusa, em 22-08-2020. Retirado de "Diário de Trás-os-Montes")

 


Autarcas e ambientalistas contra mina espanhola junto à fronteira com Bragança

Autarcas e ambientalistas portugueses mostraram-se hoje contra a instalação de uma mina de volfrâmio e estanho a céu aberto prevista para a localidade espanhola de Calabor, junto à fronteira, situada a cinco quilómetros do concelho de Bragança.

"A instalação da mina está prevista para um território de fronteira de grande importância ambiental e que está classificado como Rede Natura 2000, num território que é também de grande importância hidrográfica", disse à Lusa o presidente da associação Palombar - Conservação da Natureza e do Património Rural, José Pereira.

O também biólogo disse que "o principal problema do empreendimento mineiro é a afetação da bacia hidrográfica do Douro através das suas linhas de água".

"Todos os detritos produzidos pela mina serão trazidos para território português, através de cursos de água, que são comuns a Portugal e Espanha", vincou.

O FAPAS (Fundo para a Proteção dos Animais Selvagens) também se mostrou solidário com a posição da associação Palombar (Portugal) e com os ecologistas en Acción de Zamora, (Espanha) e com outras associações de defesa do ambiente que também " deram parecer negativo" ao empreendimento mineiro espanhol.

" O projeto de exploração de volfrâmio e estanho a céu aberto terá consequências negativas para o ambiente, nomeadamente poluição da água subterrânea, uso de explosivos e poluição do ar, entre outros", disse Nuno Gomes de Oliveira, membro da direção do FAPAS.

Esta exploração mineira está localizada perto de Calabor, a cerca de cinco quilómetros da fronteira com Portugal nas proximidades do Porque Natural de Montesinho.

"Vale mais um território conservado que a treta de uma mina a céu aberto. As explorações mineiras podem gerar milhares de euros, e não estamos contra a atividade económica, mas sim a favor da preservação dos ecossistemas e das bacias hidrográficas ", concretizou o ambientalista.

Hernâni Dias, presidente da câmara de Bragança, disse que "este projeto mineiro junto à fronteira terá de ser revisto, bem como o processo de impacto ambiental ".

O autarca lamentou "o facto de não terem sido avaliados os reais efeitos da redução de caudais nas linhas de água transfronteiriças, uma vez que vão ser necessárias grandes quantidades de água para tratar tudo aquilo que vai sair da exploração mineira".

O responsável também se mostrou preocupado com a eventual contaminação das águas superficiais e subterrâneas devidos à maquinaria pesada a ser instalada durante a exploração mineira.

O presidente da União de Freguesias de Avela e Rio de Onor, Mário Gomes, indicou à Lusa que o empreendimento espanhol "de forma alguma se pode concretizar neste território".

"Os principais impactos da exploração mineira serão nas linhas de águas que fazem parte da bacia hidrografia do Douro, principalmente, nos rios Pepim e Igrejas, e um destes cursos de água já se encontra assoreado em alguns quilómetros extensão, resultante da atividade mineira que no passado se desenvolveu nesta região", vincou.

O autarca mostrou-se, igualmente, " preocupado" com o possível impacte visual resultante da exploração a céu aberto, que poderá afetar o turismo de natureza que "está em franco desenvolvimento" nesta freguesia.

O Bloco de Esquerda (BE) criticou na quarta-feira o "silêncio" do Governo perante a exploração mineira a céu aberto prevista para a localidade espanhola de Calabor.

"A Comissão Coordenadora Distrital do BE de Bragança vê e sente com espanto a postura displicente e o silêncio do Governo português perante a exploração mineira a céu aberto que se prevê em Calabor, com evidente e pesado impacto na saúde das populações, assim como nos cursos de água da bacia hidrográfica do Douro e ainda no Parque Natural de Montesinho, podendo mesmo afetar a nível de extinção espécies protegidas de fauna e flora", indicavam os bloquistas, em comunicado enviado à Lusa.

Na opinião do BE de Bragança, o Governo "não pode ser conivente e permitir abusos junto à fronteira, de cujos resultados advenham consequências gravosas para o ambiente e a população portuguesa".

O Bloco exige ao Governo "uma tomada de posição oficial na defesa destas populações e destes territórios".

Aquela força política acrescenta que, o próprio Estudo de Impacto Ambiental (EIA) "aponta para resultados severos, sendo que o efeito mais óbvio é produzido pela destruição do habitat [de várias espécies] ", causando "prejuízos na fauna e na flora".

Também o CDS questiona Governo sobre exploração de volfrâmio e estanho a dois quilómetros do Parque de Montesinho

O deputado do CDS João Gonçalves Pereira quer saber se o Ministro do Ambiente e Ação Climática está a par do projeto de extração de volfrâmio e estanho previsto para a região transfronteiriça de Bragança, a cinco quilómetros de Rio de Onor e a dois do Parque de Montesinho, e se foi estabelecido algum tipo de contacto por parte do Governo espanhol, ou de qualquer outra entidade pública, no sentido de conjuntamente ser negociado e analisado o referido projeto.

O prazo de consulta do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto mineiro espanhol termina hoje.

 

Foto: trabalhos de preparação : A. SAAVEDRA

Retirado de: www.diariodetrasosmontes.com


Entrevista com o escritor A. M. Pires Cabral (Publicada em 18/08/2020 no Jornal Nordeste)

 


“Gosto da minha terra e estou profundamente ligado a ela”

“ENQUANTO TIVER VIDA E SAÚDE ESPERO NÃO DEIXAR DE ESCREVER, ESPERO MORRER COM A CANETA NA MÃO”

António Manuel Pires Cabral tem 79 anos e é natural de Chacim, concelho de Macedo de Cavaleiros. Começou a sua carreira profissional como professor, mas foi a literatura que lhe trouxe as maiores felicidades. Estreou-se em 1974 com o livro de poesia “Algures a Nordeste”, mas também se dedica aos romances, ficção e teatro. Há muitos anos que vive em Vila Real, mas é no Nordeste Transmontano que encontra a sua inspiração

Licenciou-se em Filologia Germânica e Ciências Pedagógicas e esteve a leccionar aqui na região, em Torre de Moncorvo e Bragança.

Comecei a minha vida profissional em Macedo de Cavaleiros. Nasci no concelho, em Chacim e a família vivia aqui. Frequentei aqui o colégio, na altura chamava-se Externato Trindade Coelho, que hoje já não existe. Nesse mesmo externato vim depois a ser professor quando terminei o curso em 1965. Fui convidado a ficar aqui a dar aulas e estive aqui durante três anos. Depois comece i a pensar que Macedo, na altura, era um ambiente um bocado provinciano. Eu gosto da província e sou um provinciano nato, mas parecia-me demais. Entretanto tinha casado e os filhos começaram a chegar e pensei que era preciso navegar daqui para fora. Fui para Bragança, onde estive dois anos, depois fui para o Porto onde fiz o estágio pedagógico e depois fui colocado em Vila Real. Antes ainda estive em Torre de Moncorvo a dirigir a escola Industrial e a Preparatória. A minha carreira de professor terminou em Vila Real. Quando foi no 25 de Abril, era eu director em Moncorvo, os directores foram dispensados e então eu tive que regressar à Industrial e depois nos primeiros anos deste milénio aposentei-me.

A vida encaminhou-o para Vila Real e por lá ficou. Porquê?

Vila Real teve os argumentos suficientes para me prender. Uma cidade com algum progresso, com uma universidade que, na altura, tinha sido criada e estava a dar frutos, que tinha uma vida cultural que já mexia e que me agradava. Pensei que em Vila Real estava bem e em Vila Real fiquei até hoje.

Mas podemos dizer que o amor da sua vida surgiu em 74 quando lançou o seu primeiro livro de poesia?

Se é o grande amor da minha vida não posso responder, porque felizmente sou um homem de amores, tenho muitos amores incluindo a família. A minha carreira literária começou de facto em 74 com um livro pequenino chamado “Algures a Nordeste”. “Quem pega na bussola vê/ oito direcções de mundo,/ oito métodos de estar./ O oitavo é o Nordeste”, de alguma forma este pequeno poema condensa a minha visão do que é o Nordeste e todo este sentimento de gratidão que eu tenho para com a terra que me viu nascer e me deu tudo aquilo que eu tenho espiritualmente e para a qual sinto que tenho uma dívida que vou pagando aos poucos com livros.

Vem sempre à sua terra, em regresso às origens. De que maneira é que isso o influencia na sua escrita?

Eu venho aqui porque me sinto aqui bem, mas também porque sinto necessidade de retemperar esta minha costela nordestina. Porque Vila Real já é um distrito diferente já é uma gente diferente também. De facto sinto uma necessidade, de quando em quando, de vir aqui acima beber e retemperar as minhas raízes.

O que acaba por influenciar as suas obras…

Naturalmente. Dos 60 e tal livros que já publiquei, uma boa percentagem tem por tema a realidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, mas escrevi muito pouco sobre o Douro. Eu não sou um homem do Douro. A natureza e a paisagem que me atraem e dizem alguma coisa profundamente são mesmo estas do Nordeste Transmontano.

Também lhe traz inspiração quando está aqui?

Chego-me a essa varanda (de casa) vejo a Serra de Bornes e imediatamente começo a desenvolver um poemazinho. Sinto-me sempre inspirado aqui em Trás-os-Montes, nem que sejam as nuvens do céu, dá impressão que são diferentes de Vial Real, Porto, seja de onde for.

Escreveu também prosa, teatro, ficção... como foi a experiência?

Digamos que eu sou aquilo que se costuma dizer “um homem orquestra”, um homem que faz várias coisas. A poesia não era suficiente para mim. Hoje em dia o que faço mais é poesia e gosto muito de fazer poesia. Mas houve uma fase da minha vida que senti a necessidade de variar um pouquinho. Publiquei um primeiro romance, que foi premia - do com o Prémio Circulo Leitores e daí para diante publiquei mais quatro romances, quatro ou cinco livros de contos, também tenho publicado teatro, nomeadamente uma peça que é um autêntico best seller junto dos grupos amadores de todo o país, que se chama “O Saco das Nozes”. Mas se me pergunta se o teatro me preenche da mesma maneira que me preenche a ficção ou a poesia, não preenche, é uma coisa aparte. Há outra actividade relacionada com a literatura que é a organização de antologias. Digamos que é uma actividade literária ou paraliterária que me dá tanto gosto fazer como a poesia ou a ficção.

Cada livro é especial no sentido em que cada um resulta de uma experiência própria?

Cada livro é uma entidade irrepetível, cada um tem as condições em que foi gerado, em que foi escrito. Neste momento, no cantinho de literatura, em Grijó, estou a trabalhar em poesia. Não esqueço os meus poemas, nem os arrumo num canto. Gosto de quando em quando voltar a eles e ver se me dão ou não o prazer que me deu escrevê-los.

Tem ainda outras paixões, nomeadamente a pintura e a fotografia…

Gosto de facto de pintura, mas tudo isso que eu faço, em aguarela, digamos que é um trabalho amador, o mais amador possível. Não tive qualquer preparação técnica para ser pintor, nem sou. Quanto à fotografia é também uma paixão que tenho de longa data. Tenho no computador milhares de fotografias, justamente de Trás-os-Montes, os costumes, as paisagens, as gentes, os animais, portanto a fotografia também me cativa bastante.

Estamos a falar de três artes completamente diferentes, em que as ideias são expostas de maneira completamente diferente… qual é o sentimento em cada uma delas?

Sendo realmente tipos de arte totalmente diferentes umas das outras, mas são as três coisas que me proporcionam prazer estético e isso é comum a todas. O impulso que me leva a fazê-lo é justamente a busca da beleza.

Já recebeu vários prémios, qual foi o mais especial? Já recebeu o prémio D. Dinis, entregue pelo Presidente da República, na altura Cavaco Silva…

Sim, penso que foi esse, pela projecção que esse prémio tem, que é a nível nacional. Mas também o prémio de Poesia Luís Miguel Nava, também é um prémio de expressão nacional. Felizmente, tenho recebido prémios que dizem alguma coisa a quem está actualizado nesse sentido. São prémios com peso e isso dá-me muito gosto e enche-me de algum orgulho.

A última distinção foi exactamente aqui na sua terra, em Macedo de Cavaleiros, com a Biblioteca a que dá nome.

Digamos que é uma deferência e homenagem para com a minha pessoa, que me dá muito gosto. Ter o meu nome associado a um sítio de cultura e literatura como é uma biblioteca, tem que ser sempre uma honra muito grande. É, se calhar, de todos os prémios e distinções que tenho recebido aquele que me preenche mais o ego.

Certamente que vamos encontrar lá as suas obras.

Espero que sim. Infelizmente algumas delas estão absolutamente esgotadas, mas para cima de 60 livros estão lá. Estou a juntá-los já para oferecer. É o mínimo que posso fazer.

O seu filho também é poeta…

Também é um poeta de expressão nacional. Infelizmente a vida dele é tão presa que não pode ligar tanto quanto queria à poesia. Ele é tradutor e tem que traduzir muito para ganhar a vida.

E é um orgulho para um pai ver o filho seguir as suas pisadas?

Imenso. A gente ver que algo daquilo que é nosso fruto ficou num filho é, de facto, um prazer muito grande.

O facto de ele ter assistido ao seu percurso, influenciou-o também?

Eu penso que sim, ele começou por ler as minhas coisas e suponho que tenham sido essas leituras que ele fez que foram fazendo nascer o interesse e a vontade de vir a publicar livros. Naturalmente não basta isso para ser escritor, é necessário ter um ADN que o puxe para a literatura e isso herdou-o de mim.

A escrita, para si, não acabará até ao último momento?

Bem gostaria de dizer que sim, mas estamos nas mãos de Deus como se costuma dizer. Mas enquanto tiver vida e alguma saúde espero não deixar de escrever, espero morrer com a caneta na mão ou com o computador.

Como é que vê o futuro da região?

Não o vejo muito cor-de-rosa. Esta aldeia onde estamos (Grijó) há 30 anos estava cheia de gente. Agora não tem uma escola primária. Já não há gente e se não há gente não podemos considerar que seja um futuro risonho. O livro “A Gaveta do Fundo”, que publiquei há três anos, é profundamente pessimista em relação a isso. É um livro em que se vai constatando pormenor por pormenor, como a vida está a acabar, aqui no Nordeste. Oxalá que apareça alguém ou algum fenómeno que dê a volta a isto. Eu ainda me lembro de há 30 anos Grijó estar cheio de gente, viam-se crianças a brincar na rua, gente que passava com os carros de bois, com os tractores, até com as vacas. Fervilhava de vida. Hoje não se vê nada disso.

Sente nostalgia desses tempos?

Sinto, porque eu gostaria, se fosse possível, de revivificar esta região.

O que é que falta para isso?

O que falta é criar condições. Aquilo que digo em relação a Grijó digo em relação a Macedo. Macedo em Agosto, por causa dos emigrantes, parece uma cidade. Mas se for em Dezembro, Janeiro, Fevereiro… não vê praticamente ninguém, é uma cidade praticamente morta. Tudo isto me dá uma angústia.

Quando fala na sua terra o que é que diz?

Digo que gosto da minha terra e estou profundamente ligado a ela. Em Chacim já não tenho ninguém, às vezes vou lá porque quando era adolescente passava lá férias, mas hoje em dia quando falam em Chacim diz-me relativamente pouco. Diz-me muito mais Alvites (concelho de Mirandela) que é a terra onde os meus pais estão sepultados e onde também passei férias. Aí sim tinha família, hoje ainda tenho, mas só uma pessoa ou duas. Grijó é a terra da minha mulher e adoptei-a e também gosto muito de vir a Grijó. De todas, Grijó é aquela que de longe me tem proporcionado mais inspiração para escrita. Tenho um livro de crónicas de Grijó, um dos últimos livros de prosa que publiquei tem também alguns capítulos dedicados a Grijó. Nunca Grijó foi tão falado como nos meus livros e ainda bem.

As pessoas que leiam os seus livros ficam a conhecer melhor o Nordeste?

Eu procuro de facto, de alguma forma, dar uma visão genérica do Nordeste. Quer através de poemas, tenho muitos poemas sobre o Nordeste, quer através de crónicas, quer através de romances, alguns deles passam-se aqui nesta zona, quer a publicação de um dicionário de língua popular, chamado “Língua Charra”. São dois volumes com 20 e tal mil palavras recolhidas aqui com os respectivos significados. É a recolha de linguagem popular mais completa que se fez em Trás- -os-Montes e Alto Douro.

Jornalista: Ângela Pais

Retirado de www.jornalnordeste.com