“Gosto da minha terra e estou profundamente ligado a ela”
“ENQUANTO TIVER VIDA E SAÚDE ESPERO NÃO DEIXAR DE
ESCREVER, ESPERO MORRER COM A CANETA NA MÃO”
António Manuel Pires Cabral tem 79 anos e é natural de
Chacim, concelho de Macedo de Cavaleiros. Começou a sua carreira profissional
como professor, mas foi a literatura que lhe trouxe as maiores felicidades.
Estreou-se em 1974 com o livro de poesia “Algures a Nordeste”, mas também se
dedica aos romances, ficção e teatro. Há muitos anos que vive em Vila Real, mas
é no Nordeste Transmontano que encontra a sua inspiração
Licenciou-se em Filologia Germânica e Ciências
Pedagógicas e esteve a leccionar aqui na região, em Torre de Moncorvo e
Bragança.
Comecei a minha vida profissional em Macedo de
Cavaleiros. Nasci no concelho, em Chacim e a família vivia aqui. Frequentei
aqui o colégio, na altura chamava-se Externato Trindade Coelho, que hoje já não
existe. Nesse mesmo externato vim depois a ser professor quando terminei o
curso em 1965. Fui convidado a ficar aqui a dar aulas e estive aqui durante
três anos. Depois comece i a pensar que Macedo, na altura, era um ambiente um
bocado provinciano. Eu gosto da província e sou um provinciano nato, mas
parecia-me demais. Entretanto tinha casado e os filhos começaram a chegar e
pensei que era preciso navegar daqui para fora. Fui para Bragança, onde estive
dois anos, depois fui para o Porto onde fiz o estágio pedagógico e depois fui
colocado em Vila Real. Antes ainda estive em Torre de Moncorvo a dirigir a
escola Industrial e a Preparatória. A minha carreira de professor terminou em
Vila Real. Quando foi no 25 de Abril, era eu director em Moncorvo, os
directores foram dispensados e então eu tive que regressar à Industrial e
depois nos primeiros anos deste milénio aposentei-me.
A vida encaminhou-o para Vila Real e por lá ficou.
Porquê?
Vila Real teve os argumentos suficientes para me prender.
Uma cidade com algum progresso, com uma universidade que, na altura, tinha sido
criada e estava a dar frutos, que tinha uma vida cultural que já mexia e que me
agradava. Pensei que em Vila Real estava bem e em Vila Real fiquei até hoje.
Mas podemos dizer que o amor da sua vida surgiu em 74
quando lançou o seu primeiro livro de poesia?
Se é o grande amor da minha vida não posso responder,
porque felizmente sou um homem de amores, tenho muitos amores incluindo a
família. A minha carreira literária começou de facto em 74 com um livro
pequenino chamado “Algures a Nordeste”. “Quem pega na bussola vê/ oito
direcções de mundo,/ oito métodos de estar./ O oitavo é o Nordeste”, de alguma
forma este pequeno poema condensa a minha visão do que é o Nordeste e todo este
sentimento de gratidão que eu tenho para com a terra que me viu nascer e me deu
tudo aquilo que eu tenho espiritualmente e para a qual sinto que tenho uma
dívida que vou pagando aos poucos com livros.
Vem sempre à sua terra, em regresso às origens. De que
maneira é que isso o influencia na sua escrita?
Eu venho aqui porque me sinto aqui bem, mas também porque
sinto necessidade de retemperar esta minha costela nordestina. Porque Vila Real
já é um distrito diferente já é uma gente diferente também. De facto sinto uma
necessidade, de quando em quando, de vir aqui acima beber e retemperar as
minhas raízes.
O que acaba por influenciar as suas obras…
Naturalmente. Dos 60 e tal livros que já publiquei, uma
boa percentagem tem por tema a realidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, mas
escrevi muito pouco sobre o Douro. Eu não sou um homem do Douro. A natureza e a
paisagem que me atraem e dizem alguma coisa profundamente são mesmo estas do
Nordeste Transmontano.
Também lhe traz inspiração quando está aqui?
Chego-me a essa varanda (de casa) vejo a Serra de Bornes
e imediatamente começo a desenvolver um poemazinho. Sinto-me sempre inspirado
aqui em Trás-os-Montes, nem que sejam as nuvens do céu, dá impressão que são
diferentes de Vial Real, Porto, seja de onde for.
Escreveu também prosa, teatro, ficção... como foi a
experiência?
Digamos que eu sou aquilo que se costuma dizer “um homem
orquestra”, um homem que faz várias coisas. A poesia não era suficiente para
mim. Hoje em dia o que faço mais é poesia e gosto muito de fazer poesia. Mas
houve uma fase da minha vida que senti a necessidade de variar um pouquinho.
Publiquei um primeiro romance, que foi premia - do com o Prémio Circulo
Leitores e daí para diante publiquei mais quatro romances, quatro ou cinco
livros de contos, também tenho publicado teatro, nomeadamente uma peça que é um
autêntico best seller junto dos grupos amadores de todo o país, que se chama “O
Saco das Nozes”. Mas se me pergunta se o teatro me preenche da mesma maneira
que me preenche a ficção ou a poesia, não preenche, é uma coisa aparte. Há
outra actividade relacionada com a literatura que é a organização de
antologias. Digamos que é uma actividade literária ou paraliterária que me dá
tanto gosto fazer como a poesia ou a ficção.
Cada livro é especial no sentido em que cada um resulta
de uma experiência própria?
Cada livro é uma entidade irrepetível, cada um tem as
condições em que foi gerado, em que foi escrito. Neste momento, no cantinho
de literatura, em Grijó, estou a trabalhar em poesia. Não esqueço os meus
poemas, nem os arrumo num canto. Gosto de quando em quando voltar a eles e ver
se me dão ou não o prazer que me deu escrevê-los.
Tem ainda outras paixões, nomeadamente a pintura e a
fotografia…
Gosto de facto de pintura, mas tudo isso que eu faço, em
aguarela, digamos que é um trabalho amador, o mais amador possível. Não tive
qualquer preparação técnica para ser pintor, nem sou. Quanto à fotografia é
também uma paixão que tenho de longa data. Tenho no computador milhares de
fotografias, justamente de Trás-os-Montes, os costumes, as paisagens, as
gentes, os animais, portanto a fotografia também me cativa bastante.
Estamos a falar de três artes completamente diferentes,
em que as ideias são expostas de maneira completamente diferente… qual é o
sentimento em cada uma delas?
Sendo realmente tipos de arte totalmente diferentes umas
das outras, mas são as três coisas que me proporcionam prazer estético e isso é
comum a todas. O impulso que me leva a fazê-lo é justamente a busca da beleza.
Já recebeu vários prémios, qual foi o mais especial? Já
recebeu o prémio D. Dinis, entregue pelo Presidente da República, na altura Cavaco
Silva…
Sim, penso que foi esse, pela projecção que esse prémio
tem, que é a nível nacional. Mas também o prémio de Poesia Luís Miguel Nava,
também é um prémio de expressão nacional. Felizmente, tenho recebido prémios
que dizem alguma coisa a quem está actualizado nesse sentido. São prémios com
peso e isso dá-me muito gosto e enche-me de algum orgulho.
A última distinção foi exactamente aqui na sua terra, em
Macedo de Cavaleiros, com a Biblioteca a que dá nome.
Digamos que é uma deferência e homenagem para com a minha
pessoa, que me dá muito gosto. Ter o meu nome associado a um sítio de cultura e
literatura como é uma biblioteca, tem que ser sempre uma honra muito grande. É,
se calhar, de todos os prémios e distinções que tenho recebido aquele que me preenche
mais o ego.
Certamente que vamos encontrar lá as suas obras.
Espero que sim. Infelizmente algumas delas estão
absolutamente esgotadas, mas para cima de 60 livros estão lá. Estou a juntá-los
já para oferecer. É o mínimo que posso fazer.
O seu filho também é poeta…
Também é um poeta de expressão nacional. Infelizmente a
vida dele é tão presa que não pode ligar tanto quanto queria à poesia. Ele é
tradutor e tem que traduzir muito para ganhar a vida.
E é um orgulho para um pai ver o filho seguir as suas pisadas?
Imenso. A gente ver que algo daquilo que é nosso fruto
ficou num filho é, de facto, um prazer muito grande.
O facto de ele ter assistido ao seu percurso,
influenciou-o também?
Eu penso que sim, ele começou por ler as minhas coisas e
suponho que tenham sido essas leituras que ele fez que foram fazendo nascer o
interesse e a vontade de vir a publicar livros. Naturalmente não basta isso
para ser escritor, é necessário ter um ADN que o puxe para a literatura e isso
herdou-o de mim.
A escrita, para si, não acabará até ao último momento?
Bem gostaria de dizer que sim, mas estamos nas mãos de
Deus como se costuma dizer. Mas enquanto tiver vida e alguma saúde espero não
deixar de escrever, espero morrer com a caneta na mão ou com o computador.
Como é que vê o futuro da região?
Não o vejo muito cor-de-rosa. Esta aldeia onde estamos
(Grijó) há 30 anos estava cheia de gente. Agora não tem uma escola primária. Já
não há gente e se não há gente não podemos considerar que seja um futuro
risonho. O livro “A Gaveta do Fundo”, que publiquei há três anos, é
profundamente pessimista em relação a isso. É um livro em que se vai
constatando pormenor por pormenor, como a vida está a acabar, aqui no Nordeste.
Oxalá que apareça alguém ou algum fenómeno que dê a volta a isto. Eu ainda me
lembro de há 30 anos Grijó estar cheio de gente, viam-se crianças a brincar na
rua, gente que passava com os carros de bois, com os tractores, até com as
vacas. Fervilhava de vida. Hoje não se vê nada disso.
Sente nostalgia desses tempos?
Sinto, porque eu gostaria, se fosse possível, de
revivificar esta região.
O que é que falta para isso?
O que falta é criar condições. Aquilo que digo em relação
a Grijó digo em relação a Macedo. Macedo em Agosto, por causa dos emigrantes,
parece uma cidade. Mas se for em Dezembro, Janeiro, Fevereiro… não vê
praticamente ninguém, é uma cidade praticamente morta. Tudo isto me dá uma
angústia.
Quando fala na sua terra o que é que diz?
Digo que gosto da minha terra e estou profundamente
ligado a ela. Em Chacim já não tenho ninguém, às vezes vou lá porque quando era
adolescente passava lá férias, mas hoje em dia quando falam em Chacim diz-me
relativamente pouco. Diz-me muito mais Alvites (concelho de Mirandela) que é a
terra onde os meus pais estão sepultados e onde também passei férias. Aí sim
tinha família, hoje ainda tenho, mas só uma pessoa ou duas. Grijó é a terra da
minha mulher e adoptei-a e também gosto muito de vir a Grijó. De todas, Grijó é
aquela que de longe me tem proporcionado mais inspiração para escrita. Tenho um
livro de crónicas de Grijó, um dos últimos livros de prosa que publiquei tem
também alguns capítulos dedicados a Grijó. Nunca Grijó foi tão falado como nos
meus livros e ainda bem.
As pessoas que leiam os seus livros ficam a conhecer
melhor o Nordeste?
Eu procuro de facto, de alguma forma, dar uma visão
genérica do Nordeste. Quer através de poemas, tenho muitos poemas sobre o
Nordeste, quer através de crónicas, quer através de romances, alguns deles
passam-se aqui nesta zona, quer a publicação de um dicionário de língua
popular, chamado “Língua Charra”. São dois volumes com 20 e tal mil palavras
recolhidas aqui com os respectivos significados. É a recolha de linguagem
popular mais completa que se fez em Trás- -os-Montes e Alto Douro.
Jornalista: Ângela Pais
Retirado de www.jornalnordeste.com
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