Senhor arquitecto, começamos, sempre, pelo local de nascimento. É aí que tudo começa. Nasceu numa das maiores cidades do mundo, é caso para perguntar, o que faz um “paulista” em Bragança?
Nascer em São Paulo, penso que, foi um acidente na minha vida. Nunca me naturalizei português, continuo com naturalidade brasileira, e se tenho algumas questões em me considerar português, não tenho nenhumas em me considerar transmontano, ou seja, o nascimento em São Paulo , foi um acidente, de resto, tirando o período de formação superior, sempre estive em Bragança e, portanto, não me parece que me possa chamar “paulista”, agora, sou transmontano, certamente.
Eu diria que não há, tirando o facto de lá ter nascido, mais nenhuma relação, neste momento, com a cidade de São Paulo, ou com o Brasil; mantenho a nacionalidade brasileira, mas a minha ligação é aqui a Trás-os-Montes, primeiro por força da idade que tinha e de os meus pais serem daqui e aqui residirem e depois por uma opção de ter vindo para Bragança depois de ter acabado a licenciatura.
Que recordações guarda da sua infância e da sua adolescência? Foi uma adaptação difícil?
A minha infância decorreu muito perto de Bragança, e diria que em condições, de alguma forma, particulares e até excepcionais; os meus pais trabalhavam aqui perto num local chamado Minas da Ribeira que é um mundo à parte, porque não sendo um espaço urbano, e hoje faço essa afirmação com todo o peso que o urbano significa, também pela minha formação profissional, não sendo um espaço urbano também não era um espaço rural; a minha infância é vivida num espaço protegido, um espaço que estava bem delimitado, e que nos fornecia uma segurança muito grande; eu vivi lá até as minas fecharem em 1973, e de facto penso que era um óptimo sítio para ter vivido a infância.
Concluiu o ensino secundário em Bragança, na escola secundária Emídio Garcia; segui depois para Lisboa onde se licenciou em arquitectura e imediatamente regressou à cidade de Bragança. Não é um percurso muito usual nos dias que correm, fale-nos desse percurso.
Até à entrada na faculdade a ideia que tinha do mundo era uma ideia aqui do lugar, aqui de Bragança. A passagem por Lisboa e os cinco anos de formação superior são, necessariamente, de alargar horizontes e de ver outros mundos, no entanto, e sobretudo nos dois últimos anos de formação superior, foi-se tornando cada vez mais claro, que não era uma cidade ou um espaço com aquelas características do local onde eu queria viver e, por isso, a decisão de regressar a Bragança, que era tempo em que eu me formei, e que em conversa ainda muito recentemente com algumas pessoas mais novas que eu, estava eu convencido que eram hoje as coisas diferentes, mas afinal não são; efectivamente a saída para o ensino superior significa para Bragança, no que eu posso chamar já o meu tempo, a saída de gente que não regressou, dos que andaram comigo no liceu, regressou, anos depois, um outro que continua cá em Bragança; de resto todos os meus amigos e colegas de liceu que entraram no ensino superior, acabaram por ficar fora de Bragança, e isso, parece-me que significou e continua a significar, para Bragança, uma perda muito significativa de pessoas que certamente interessariam à região.
Sim, porque a partir do momento em que se formam é que elas podem contribuir de alguma forma para o desenvolvimento da região…
Não me parece que sejam só aquelas que se formam no ensino superior, serão todas, e penso que esta é que é a questão fundamental da região, é a necessidade de haver cá pessoas mas, certamente, aquelas que têm formação ao nível superior seriam desejáveis à região.
Acabou o curso de arquitectura e desde então tem desenvolvido a sua actividade profissional aqui em Trás-os-Montes. Nunca sentiu o apelo dos grandes centros?
Podemos encarar o apelo dos grandes centros de duas formas: por um lado a falta de qualidade de vida que um centro determina, não é uma opção a falta de qualidade que nós lá temos para viver, e nesse aspecto a minha opção de regressar a Bragança, é uma decisão consciente de que eu quero viver num local que me proporcione vida, e é coisa que entendo que uma metrópole não proporciona, hoje em dia e, mesmo no passado, embora as metrópoles sejam relativamente recentes, historicamente, as grandes áreas urbanas só começaram a crescer depois da revolução industrial e, portanto, mesmo na história não temos exemplos que possamos considerar muito antigos.