sábado, 3 de dezembro de 2011

Entrevista com o pianista Domingos António - Gomes

É filho de pai transmontano, mãe italiana, nasceu nos Estados Unidos da América, estudou em Moscovo. Que universalidade! O mundo é a sua pátria?

Sim, pode-se dizer que sim. Eu gostava de viajar por todo o mundo.

Sente-se como em casa em qualquer parte do mundo?

De maneira nenhuma.

Qual é o sitio onde se sente melhor?

Acho que todos podemos dizer que é a nossa casa, o nosso santuário mas, talvez, onde nascemos, isso para nós é a nossa casa e nunca mais deixa de ser. Ou pelo menos o lugar onde nós temos as primeiras recordações mas, podemos chegar a ter um lugar que gostamos ainda mais e considerarmos isso a nossa Meca, o nosso santuário que se pudéssemos escolher jamais o deixaríamos.

Qual é esse lugar?

Isso é segredo.

O que o trouxe para Portugal?

Como se diz? Destino.

Foi um bom destino?

Não sei. Não é um grande sonho mas…

Mas pode ser um bom princípio?

Não sei, de facto não sei. Vamos ver.

Sentiu muitas dificuldades na integração?

Sim, de facto senti.

Quais foram as maiores dificuldades?

Não sei porque não fui à escola, não tive educação. Eu acho que é muito difícil a integração em qualquer país quando faltam muitos anos de educação escolar e quando fui para a escola era muito difícil porque já tinha catorze anos mas, claro, aqui não é tão difícil mas, mesmo assim é um pouco difícil.

A língua foi também um entrave?

Não. A língua não foi o maior problema.

E os amigos? Ficaram amigos nos Estados Unidos e depois ficaram amigos em Moscovo. Continua a haver contactos?

Sim. São poucos mas, continua a haver contactos.

São, com certeza, pedaços que ficam plantados e continuam a trazer recordações….

Sim, sempre.

E em Portugal já há amigos?

Sim, tenho.

Como foi vir de Moscovo para Bragança?

Eu achei uma boa maneira de começar na carreira vir para Portugal, porque é um país pequeno e há poucas pessoas com a minha qualificação, e acho que é o lugar ideal para começar.

E Bragança foi o lugar ideal?

Isso foi um acidente.

Agora em Lisboa, Domingos, a sua vida tem ganho outro alento?

Sim.

Está com muitos espectáculos neste momento?

Não tantos, mas…gostaria de ter muitos mais mas, não faz mal.

A vida dos seus pais girou sempre em torno da sua genialidade. Devem sentir-se muito orgulhosos com o filho que têm?

Sim, eu acho que sim, embora não mostrem, ou seja eles não fazem basófias. Eles não gostam de espantar tudo, auto engrandecimentos, são pessoas simples.

Isso ajudou também na sua construção como pessoa?

Eu acho que sim.

Uma parte dos seus estudos foi realizada nos Estados Unidos da América. Sentiu-se apoiado nessa altura?

Ao principio, quando eu era miúdo, sim. Depois de eu ir para Moscovo fui um ano aos Estados Unidos e não senti já esse apoio, porque os miúdos são miúdos, são mimados.

E em Moscovo como é que foi?

Foi bom, sempre fui considerado uma pessoa sobredotada mas, tive muitos problemas porque tive uma má preparação e levei muitos anos para superar esses problemas.
Quem lhe deu a mão cá em Portugal?

A primeira pessoa que deu conta de mim foi Vítor Nobre da RDP e depois a segunda pessoa foi António Cartaxo, também me divulgou num programa aos Domingos às quintas-feiras.

Ou seja foi pela mão da RDP, Antena 2, que ficou conhecido cá em Portugal.

Sim, depois António Cartaxo apresentou-me a Paula Ferreira e ela tem-me ajudado muito na carreira, na divulgação. Apresentou-me ao Duarte Lima que é um grande melómano, e também fez muito por mim.

Foi como uma bola de neve apareceu o primeiro contacto e depois…

Sim.

Como foi chegar a esse primeiro contacto?

Fomos a Lisboa, antes de ir para Lisboa escrevemos uma carta à RDP e pedimos uma entrevista com ele. Quando cheguei a Lisboa um dia depois fizemos a entrevista.

E tocou nesse dia?

Não, esse dia não, fizemos a entrevista e a partir daí tudo começou a acumular e a partir daí começaram a haver mais coisas e agora…

Quanto tempo esteve em Bragança sem tocar?

Sem fazer nada estive talvez meio ano.

Meio ano para uma pessoa que gosta tanto de piano como tu é…

Havia alturas em que eu fazia coisas em Lisboa; fiz uma gravação para a RDP.

A gravação chegou a ser divulgada?

Passou na rádio mas, a sério, só a partir de Março.

O Maestro António Vitorino de Almeida disse que o Domingos é um diamante puro com um talento enormíssimo. Quer comentar?

Sim é verdade mas, todos temos que trabalhar, temos que melhorar.

Como é receber um elogio de uma pessoa como o Maestro António Vitorino de Almeida?

Sinto-me muito honrado mas, nós, os artistas, nunca nos sentimos satisfeitos com a nossa actividade. Algumas vezes, chegamos a uma altura em que achamos que não podemos ir mais longe. Algumas vezes, temos que sair fora de nós próprios, receber alguns choques para ter um incentivo.
Para ir mais longe é necessário procurar o sucesso, é isso?

Não. Para ter ideias, para avançar é preciso ter um choque, é preciso ter experiências e reavaliar o que está dentro de nós.

Acredita que a música clássica tem futuro em Portugal?

Não sei, não posso dizer mas, até agora não tem tido muito sucesso, infelizmente.

O que acha da cultura musical em Portugal?

Francamente, deixa muito a desejar; não é promovida; não é apreciada.

Há pouca gente com grandes conhecimentos de música clássica em Portugal?

Sim parece que sim.

Como é na Rússia? É possível algum tipo de comparação com Portugal?

Não. Agora, muitas pessoas na Rússia estão a ser mais arrojadas no que à música diz respeito. Há muitas pessoas que apreciam música clássica mas, a música pop está a transformar a cidade de Moscovo. Isso revela-se no comportamento da juventude. É muito mau. Para apreciar música clássica é preciso educação que deve começar nos primeiros anos.

Pode-se nascer com esse gosto?

Não. Se se nasce com ouvido musical, uma pessoa é capaz de inclinar-se pela música clássica mas, se não tem esse ouvido é preciso ter um pouco de educação senão opta por outro tipo de música.

Quem destacaria ao nível da música clássica no nosso país?

Não sei mas, acho que entre os pianistas, eu diria que Maria João Pires é uma das melhores.

Noutros campos há mais alguém que seja uma grande referência a nível de música clássica no país?

António Vitorino de Almeida é um grande divulgador da música clássica e ele é capaz de tornar a música acessível a muitas pessoas no geral e em grandes círculos ele sabe espalhar música.

E no mundo? Aí já há um vasto leque por onde escolher. Quem destacaria?

Algumas centenas de colegas que eu tinha no conservatório, em Moscovo que, são espantosos e eu tive a sorte de estar rodeado por eles.

Sem serem músicos vivos, dentro do nosso país, existe algum compositor português que lhe tenha chamado a atenção?

O meu preferido dos compositores portugueses que conheço é o António Fergosa. Infelizmente ele morreu com apenas 21 anos e a minha impressão é que, grande parte da obra que ele escreveu para piano era de qualidade bastante inferior mas, havia algumas composições que mostravam um certo grau de genialidade e eu acho que se tivesse vivido mais ele poderia ter sido um grande compositor a nível internacional. Morreu por causa da pneumonia.

Poderia ter sido um grande compositor?

Aos vinte e um anos é muito cedo para fazer obras de grande renome mas, eu acho que algumas composições dele indicam que tinha muito para dizer, e eu acho que como compositor ofereceu coisas com bastante profundidade que indicam que ele poderia ter sido uma grande figura da música internacional.

Domingos, já tocou com orquestras em Portugal ou com outros músicos?

Sim, na Madeira toquei com Rui Massena, com o maestro, em Lisboa há alguns dias, toquei com a Orquestra Nacional do Porto e José Cura que é um dos tenores mais louvados no mundo.

E como correu esse concerto?

Eu acho que correu bem mas, é um pouco difícil de dizer porque quando se está a tocar está-se concentrado nos aspectos mecânicos de transmissão musical.

Ainda não viu esse espectáculo?

Não. Vai ser transmitido em Dezembro na televisão.

Vamos esperar. Acha que o ensino precoce da música clássica, é importante?

Sim. Se o miúdo tem muita aptidão por música deve começar o mais cedo possível, senão, quanto mais tarde ele começar, mais difícil vai ser para adquirir uma técnica porque está constatado que aos dez anos já é muito tarde para começar a aprender um instrumento.

Qual é a idade ideal para, por exemplo, aprender a tocar piano?

Eu acho que cinco ou seis anos, alguns começam aos três.

Isso é quase ao sair do berço. Domingos acha que seria viável a criação de um verdadeiro conservatório de música em Bragança?

Sim, eu acho que deve haver uma escola. Se a gente tem vontade de estudar música tem todo o direito de adquirir a educação musical. Quanto mais pessoas adquirirem uma cultura musical e uma sensibilidade musical, melhor será.

É da opinião então, que deve haver um nível secundário de formação musical, e quem tiver qualidade a partir daí dá o salto?

Não necessariamente secundário mas deve haver uma escola, primária por exemplo, para alunos que estão a começar e depois devem ir para escolas secundárias.

Para os melhores conservatórios, é essa a sua opinião?

Sim.

De que forma se deve fazer a selecção?

Eu acho que alguém tem de fazer a selecção mas, o miúdo pode mostrar gosto e, isso, já pode ser uma indicação.

O que pensa da criação de uma orquestra na cidade de Bragança?

Tenho receio que não haja público suficiente para não acontecer o que me aconteceu a mim dia onze de Novembro aqui. Depois dos sermões políticos metade da audiência foi-se embora e não quis ouvir, então para que serve uma orquestra se não há publico, se não há pessoas com vontade de a ouvir? Não faz sentido.

E se se chegar à conclusão de que em Bragança existem grandes músicos e que se pode criar uma orquestra, porque essa orquestra tem muita qualidade?

Sim mas, eu acho que isso é muito pouco provável. Se houver muito talento irá para fora e acabou-se a história.

Bragança fica muito longe de tudo?

Sim.

E o Domingos a tocar com uma orquestra?

Sim. Eu gostava de, de vez em quando, tocar com uma orquestra.

Tocar uma temporada inteira com uma orquestra, seria bom?

Há vários concertos que foram escritos para piano e eu tenho vontade de tocar assim.

O pianista tem sempre lugar de destaque mesmo quando toca com uma orquestra. Porquê?

Porque eu acho que o piano é uma coisa mais pessoal que a orquestra, é um instrumento mais directo e pode controlar mais. O piano é mais fácil de articular do que o conjunto dos outros instrumentos.

Dentro do mundo da música, dos pianistas todos que conhece, qual é aquele que mais admira?

Denis Kozhukhin, ele estudava no mesmo conservatório que eu estudei, andava dois anos há minha frente, era dois anos mais velho que eu e ganhou o concurso de Tchaikovsky com vinte e dois anos.

Era realmente muito jovem…
           
Sim, ele agora deve ter vinte e nove anos mas, ele ganhou o concurso com vinte e dois e já deve ter tocado pelo mundo inteiro. Eu acho que é preciso ser-se mesmo bom, ter cunhas ajuda bastante mas, eu acho que ele é mesmo bom, eu fiquei contente que ele tivesse ganho.

Que projectos tem o Domingos para o futuro?

Não sei, não posso dizer. Eu não gosto de pensar em projectos. A nossa posição na sociedade, muitas vezes, não é definida por nós. Nós temos que descobrir os nossos talentos de maneira que sejam úteis. Eu gostava de fazer várias coisas, não só tocar piano e, não necessariamente relacionadas com música mas, a música pode ser sempre uma parte da nossa vida, podemos voltar a ela, procurar nela respostas para os problemas da nossa vida.

Podemos ver um Domingos António pintor ou escritor?

Não. Isso não.

Qual era o campo que gostava de seguir?

Se eu pudesse voltar atrás talvez fosse um cientista.

Ensinar aquilo que aprendeu está fora de questão?

Eu não gosto de ensinar mas, não me importava de ser um cientista e dar aulas numa Universidade.

Se fosses cientista gostavas de ensinar mas, como pianista, não…

Sim. Como pianista não, é pessoal de mais.

Na sua curta vida já tem um percurso de fazer inveja. Sente-se realizado com esse percurso.

Não. Eu gostava de fazer ainda mais mas, não tenho espírito megalomaníaco.

Há pouco falávamos de espectáculos e dizia-nos que tem poucos espectáculos. Estamos a olhar para a sua agenda e vemos que tem inúmeros espectáculos. O que é que considera muitos espectáculos? Gostava de ter um concerto diferente todos os dias?

Todos os dias eu acho que é demais.

Então, o que seria bom?

Uma vez por semana talvez.

Domingos, já quase no final da nossa entrevista, o que é para si o piano?

Um tipo de instrumento de síntese.

Tem uma relação muito próxima com o piano não é?

Sim…

O que seria o Domingos sem o Piano?

Acho que o mundo não poderia existir sem música. Começamos por aí.

Ou seja, sem um piano o Domingos teria uma vida incompleta?

Talvez. Eu gostava de me imaginar como seria sem o piano. Mais irritado… não sei. Eu gostava de poder voltar atrás… mas não posso imaginar… sempre fui muito atraído pela música. Talvez haja outro caminho, outras coisas que possam suplantar a música mas tenho muitas dúvidas.

No fim da entrevista, habitualmente, perguntamos aos nossos entrevistados, que personalidades mais os marcaram ao longo das suas vida, por isso, não podemos fugir à regra. Destaque-nos, se assim o entender, alguém.

Bom, em termos profissionais a que me inspirou mais e me levou a querer níveis musicais mais altos foi Vladimir Horowitz, porque ele era um pianista extraordinário e, para mim, foi um dos melhores pianistas de todos os tempos. Era uma grande inspiração para mim. Eu gostava de o imitar mas isso agora passou. Ele foi uma grande influência, uma grande fonte de inspiração e depois, na vida social, alguns amigos foram grandes apoiantes e influenciaram-me muito e ajudaram-me quando estive em baixo e não os posso esquecer também.

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