quinta-feira, 29 de junho de 2017

A HORA QUE PASSA



Ontem, quando aqui cheguei,
Não fazia ideia do passar do tempo
Nem sequer descansei
Numa vereda varrida pelo vento

Apenas vivi o que a vida me deu…
O que a vida me tirou…
Liberta dos sonhos de Orfeu
Segui caminhos que agora sou

E sem ver, procuro acreditar
Que hoje, agora, outros descobrirei
Semeando dúvidas que hei de descartar
Devagarinho… caminhos que trilharei

Amanhã, quando o dia, lentamente, se erguer
Já me encontrará desperta, ansiando vida
Terei dormido sonhos felizes, pequenos, de querer
Que realizarei do meu jeito, de cabeça erguida

Coração pleno de alegria
Ontem, hoje e amanhã,
viver apenas um dia
Num atropelo, num afã…

Assim quero ser.

Maria Cepeda

terça-feira, 27 de junho de 2017

A raia que os parta… (27/06/2017) – Editorial do Jornal Nordeste





Artificiais são quase todas as fronteiras, muitas vezes fruto de decisões conjunturais que, nalguns casos, prevaleceram por séculos, apesar de impulsos vitais para lhes apagar o risco separador. Noutros casos foram oscilando, ao sabor de ventos da história, deixando sempre rasto de amargura.
Também o território português foi desenhado a golpes de espada ou em resultado de tranquilidades momentâneas, compradas por medos e submissões, instalando rotinas que se tornaram memórias, desligando povos, cortando raízes, erguendo ameaças e promovendo dissensões.
Hoje facilmente se percebe que é tempo de encontrar outras formas de organização do espaço e das gentes, até porque se sentem, como nunca, os efeitos nefastos de raias impostas, especialmente para os que aqui se mantiveram, pouco podendo contra centralismos reiterados e, por isso, assistindo ao mirrar das terras, na medida do seu esvaziamento que alimentou monstros cabeçudos.
Aparentemente até os responsáveis pelo agravamento da macrocefalia das capitais estão a sentir que é preciso arrepiar caminho, mas não demonstram a força nem a determinação necessárias, ficando-se por piedosas intenções, ao mesmo tempo que retomam a ladainha que aponta às vítimas de décadas e séculos de marginalização a responsabilidade das condições a que se chegou.
Não será esse o caminho. De uma vez por todos é preciso que se reconheça que a inversão da situação das zonas raianas depende principalmente de decisões dos dois estados (Portugal e Espanha), que as foram empurrando para a tragédia que tende a agravar-se. Porque, afinal, ninguém quer, deste ou do outro lado da raia, avançar para medidas que seriam vitais para que se possa pensar nalgum futuro.
Há dois territórios que lideram o ranking do abandono: o distrito de Bragança e a província de Zamora. Era aqui que se devia ter garantido uma discriminação positiva que suportasse a revitalização do tecido económico, conjugando redes de transportes, promoção de investimentos produtivos e a valorização patrimonial e turística.
Não estamos exactamente nas mesmas condições e o nordeste transmontano apresenta debilidades mais graves do que as terras zamoranas, mas o destino pode ser fatal dos dois lados da raia. Por isso não se entende que, na recente cimeira ibérica, os problemas destes dois territórios tenham sido simplesmente ignorados, levando mesmo a que do lado espanhol haja a denúncia de promessas de agendamento não cumpridas, traduzindo um desprezo pouco consentâneo com as ilusões vendidas quando se faz a festa da localização privilegiada destes territórios raianos.
Olhando com frieza a realidade até onde a vista alcança, sente-se que já estamos quase no ponto sem retorno. Mesmo onde ainda há vida, já se respira a custo. Se nada for feito até os centros médios, como as cidades do eixo da A4, do nosso lado e a envolvente de Zamora poderão entrar em decadência irreversível.
A raia partiu-nos. Não admira que queiramos, ao menos, que os responsáveis vão eles próprios para a raia que os parta.

Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste

Memórias de Sefarad ou a História que não foi (20/06/2017) – Editorial do Jornal Nordeste




Sobre a História não vale a pena derramar prantos, porque o tempo é um caminho sem retorno e o que foi feito não se apaga, pelo contrário, revela-se uma força a ter em conta quando se procuram novos horizontes. 
Durante três dias Bragança, no congresso Terras de Sefarad, pôde retomar consciência do que foi o tempo em que a cidade e a região eram uma referência de Sefarad, a Ibéria dos hebreus, um centro de grande dinamismo nas actividades económicas e financeiras, com reflexos na renovação da inteligência, na senda da racionalidade, que nos conduziu a um mundo em que, apesar de todas as perplexidades, a razão é a luz que continua a impor-se contra todos os reinos das trevas ululantes.
Foram dezenas de comunicações importantes para a compreensão do legado filosófico, artístico e ético dos sefarditas, que pontificaram nestas terras desde a alta idade média e que foram literalmente enxotados, quando não simplesmente aniquilados pelos esbirros de um Santo Ofício de má memória, que nos tolhe ainda hoje, quando queremos apontar o dedo aos cobardes degoladores e assassinos sem freio, que nos ensombram os dias. 
Sabemos que estas misérias são resultado do entendimento milenar que os “filhos” do Deus único alardearam, reclamando sempre serem, uns ou outros, os detentores da verdadeira revelação.
Naturalmente os judeus e, por consequência, os sefarditas também terão os seus pesos na consciência. 
Mas, não há dúvida de que o percurso judaico-cristão, com todas as iniquidades que arrasta, tem dado contributos notáveis para a verdadeira construção civilizacional e o abrir das portas de novas utopias.
Os sefarditas serão, entre os judeus, dos que têm feito um percurso renovador relativamente ao tradicionalismo arcaizante. Voltando à sua relação com a península e com a nossa região, valerá a pena trazer à reflexão geral o trabalho apresentado por Fernando de Sousa, da Universidade do Porto, que tornou evidente a relação entre as investidas inquisitoriais em Bragança e o declínio da cidade e da região, oscilações que viriam a redundar na decadência quase final no séc. XIX, depois de períodos de grande esplendor industrial, nomeadamente no sector dos têxteis de seda. 
Esta comunicação leva-nos a revisitar o grande texto de Antero de Quental, de 1871, “ As causas da decadência dos povos peninsulares”, que já detectava no fundamentalismo inquisitorial uma das razões do atraso do país e da dependência em relação a outras potências, onde a inovação e o espírito empreendedor encontraram terreno fértil e acolhedor.
Outra fora a história do nordeste transmontano se os industriosos sefarditas tivessem aqui enraizado a modernidade, que partilharam noutras paragens. Talvez hoje não nos víssemos no desespero da quase agonia e nos pudéssemos sentir realmente no centro do mercado ibérico, como deixou dito, em Bragança, o actual primeiro-ministro. 

Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste
Retirado de www.jornalnordeste.com

Afinal o interior não existe (06/06/2017), Editorial do Jornal Nordeste




Há uma solidariedade que nos leva a olhar para o resto do país, a leste, faixa inteira até ao interior serrano do reino do Algarve, para dar razão ao aforismo de que mal de muitos é alívio.
Por alguma razão, eventualmente resultante de um rebate de consciência, o governo em funções criou uma Unidade de Missão para a Valorização do Interior, liderada por uma professora de Coimbra, Helena Freitas. O desígnio anunciado era travar as dinâmicas avassaladoras de despovoamento, com consequências provavelmente irreversíveis para mais de dois terços do território.
Entretanto, foram anunciadas medidas, muitas simples contastações do que há muito fora diagnosticado, ficando-se por enunciações, sem passos concretos em nenhum calendário.
Já aqui se escrevera que a Unidade se movimentaria num mundo virtual, cor-de-rosa seco, destinado a desbotar sem retorno.
Mas, todos ouvimos falar daquele Tomé, céptico e pessimista, que ficou numa vergonha quando o Mestre lhe ordenou que lhe tocasse as feridas. Não ficou com grande fama e vai penando séculos fora a sua propensão para a dúvida.
Num contacto ocasional com a última edição do semanário “Notícias da Covilhã” ficámos a saber que Helena Freitas disse, em Castelo Branco, que “é um absurdo hoje falar em interioridade num país que tem duzentos quilómetros até ao litoral”, acrescentando que “o país está a mudar e só os velhos do restelo é que não o conseguem ver”.
Poucos meses após a criação da tal Unidade, pelos vistos estará tudo resolvido. Já não há razões para que do interior se clame por justiça, por equidade, pelo pleno exercício da cidadania. Como que por milagre, o país do desequilíbrio demográfico, do envelhecimento vertiginoso, do abandono à má sorte, foi substituído pelo paraíso terreal e só mesmo mentes diabólicas continuam a lançar a cizânia entre as gentes.
Depois de tal milagre, ficamos todos aliviados e a própria Helena Freitas terá terminado, à velocidade da luz, uma missão, afinal, tão simples, um ovo de colombo pós moderno, mais fantástico do que o original. Isto sim, foi eficácia. Chegou, viu e nem precisou de tocar em nada, qual fada de todas as maravilhas.
Só que não. A dura realidade não se compadece com a fantasia e a fada corre o risco do apupo. Porque todos os dias sentimos o agravamento das condições de manutenção desta nossa terra com gente dentro. Não houve, até agora, nenhum evento sobrenatural que transformasse a nossa condição.
Assim, absurdo é considerar que não há razões para se falar de interioridade e, principalmente, encontrar formas de lhe atenuar os efeitos e reabrir horizontes de justiça. Especialmente, quando tudo se conjuga para que, ao contrário do milagre virtual anunciado pela responsável da Unidade de Missão, as desigualdades se agravam, com mais investimentos concentrados no litoral. Apesar de haver gente de bom senso, que não cala a denúncia da insistência no erro, que será fatal para o interior, mas também para o país.

Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste

As vantagens de ser feriado em Lisboa (13/06/2017) – Editorial do Jornal Nordeste




Ao contrário de Passos Coelho, que se armou em morigerador da balda, logrando a conjugação de protestos dos velhos republicanos e do povo piedoso, valeria a pena fazer as contas para verificar se o país não ganharia com feriados acrescentados ao calendário, principalmente se tivessem efeitos na área de influência de Lisboa.
Este ano o calendário acentuou a tendência para que o país possa sentir algum alívio, já que de 10 a 16 de Junho a capital poderá estar autenticamente fechada para férias, tendo em conta festas, bebedeiras e ressacas, para além da natural condição molengona que o celebrado sol alfacinha justifica.
Poderá perguntar-se porquê o supradito alívio. Naturalmente, poupa-se muito em ares condicionados, gasóleo e fuel para autocarros e barcos, electricidade para comboios suburbanos e metro em franca expansão, tendo em conta que nos feriados tudo isso costuma funcionar a meio gás.
Outra vantagem, que se pôde notar logo no Domingo, dia seguinte ao feriado do 10 de Junho e de preparação para a maratona das sardinhas pela velha capital, foi a edição de noticiários da estação televisiva SIC, que deu espaço generoso à região transmontana, com duas peças sobre o distrito de Bragança, no jornal da tarde, uma delas potenciada nessa mesma noite e, depois, à hora do almoço de segunda-feira.
Certamente pesou no alinhamento a qualidade de trabalho jornalístico do correspondente regional que, ao longo de anos, tem prestigiado a informação que por aqui se faz. Mas, não restarão dúvidas de que o peso das questões regionais nas edições também terá resultado do tempo de pontes para a farra de mais de meia Lisboa, políticos e jornalistas incluídos.
Falou-se de Quintanilha, no concelho de Bragança. Aparentemente é um quase paraíso. À porta das pessoas vai o pão, o peixe, a carne, o insecticida, o médico e a farmácia. Que mais poderiam querer…mas foram dizendo que não há transportes, que vir a Bragança é caro e que se vão governando com as visitas dos ambulantes e com o que as hortas produzem.
É então que o sobressalto se instala. No distrito há centenas de povoações onde os habitantes, vergados pela idade, nem sonham com a quase edénica Quintanilha, porque os médicos ficam a dezenas de quilómetros, o merceeiro, o peixeiro, o talhante e o padeiro já desistiram e só restam autocarros fretados ao Domingo pelas grandes superfícies, para excursões até ao arroz, à massa, ao leite, ao azeite e ao frango de aviário.
A TDT (Televisão Digital Terrestre) tem muito grão, os telemóveis ficam sem rede e os carros de praça estão quase em extinção. Era mesmo útil que houvesse mais feriados na capital, para que não se tomassem decisões contra as gentes do interior e, pelo contrário, houvesse espaço para falar da via dolorosa que por aqui se vai subindo até ao calvário, sem ressurreição prometida.

Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste
Retirado de www.jornalnordeste.com