Artificiais são quase todas as fronteiras, muitas
vezes fruto de decisões conjunturais que, nalguns casos, prevaleceram por
séculos, apesar de impulsos vitais para lhes apagar o risco separador. Noutros
casos foram oscilando, ao sabor de ventos da história, deixando sempre rasto de
amargura.
Também o território português foi desenhado a golpes
de espada ou em resultado de tranquilidades momentâneas, compradas por medos e
submissões, instalando rotinas que se tornaram memórias, desligando povos,
cortando raízes, erguendo ameaças e promovendo dissensões.
Hoje facilmente se percebe que é tempo de encontrar
outras formas de organização do espaço e das gentes, até porque se sentem, como
nunca, os efeitos nefastos de raias impostas, especialmente para os que aqui se
mantiveram, pouco podendo contra centralismos reiterados e, por isso, assistindo
ao mirrar das terras, na medida do seu esvaziamento que alimentou monstros
cabeçudos.
Aparentemente até os responsáveis pelo agravamento
da macrocefalia das capitais estão a sentir que é preciso arrepiar caminho, mas
não demonstram a força nem a determinação necessárias, ficando-se por piedosas
intenções, ao mesmo tempo que retomam a ladainha que aponta às vítimas de
décadas e séculos de marginalização a responsabilidade das condições a que se
chegou.
Não será esse o caminho. De uma vez por todos é
preciso que se reconheça que a inversão da situação das zonas raianas depende
principalmente de decisões dos dois estados (Portugal e Espanha), que as foram
empurrando para a tragédia que tende a agravar-se. Porque, afinal, ninguém
quer, deste ou do outro lado da raia, avançar para medidas que seriam vitais
para que se possa pensar nalgum futuro.
Há dois territórios que lideram o ranking do
abandono: o distrito de Bragança e a província de Zamora. Era aqui que se devia
ter garantido uma discriminação positiva que suportasse a revitalização do
tecido económico, conjugando redes de transportes, promoção de investimentos
produtivos e a valorização patrimonial e turística.
Não estamos exactamente nas mesmas condições e o
nordeste transmontano apresenta debilidades mais graves do que as terras
zamoranas, mas o destino pode ser fatal dos dois lados da raia. Por isso não se
entende que, na recente cimeira ibérica, os problemas destes dois territórios
tenham sido simplesmente ignorados, levando mesmo a que do lado espanhol haja a
denúncia de promessas de agendamento não cumpridas, traduzindo um desprezo
pouco consentâneo com as ilusões vendidas quando se faz a festa da localização
privilegiada destes territórios raianos.
Olhando com frieza a realidade até onde a vista
alcança, sente-se que já estamos quase no ponto sem retorno. Mesmo onde ainda
há vida, já se respira a custo. Se nada for feito até os centros médios, como
as cidades do eixo da A4, do nosso lado e a envolvente de Zamora poderão entrar
em decadência irreversível.
A raia partiu-nos. Não admira que queiramos, ao
menos, que os responsáveis vão eles próprios para a raia que os parta.
Escrito
por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste
Retirado
de www.jornalnordeste.com
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