Há
uma solidariedade que nos leva a olhar para o resto do país, a leste, faixa
inteira até ao interior serrano do reino do Algarve, para dar razão ao aforismo
de que mal de muitos é alívio.
Por
alguma razão, eventualmente resultante de um rebate de consciência, o governo
em funções criou uma Unidade de Missão para a Valorização do Interior, liderada
por uma professora de Coimbra, Helena Freitas. O desígnio anunciado era travar
as dinâmicas avassaladoras de despovoamento, com consequências provavelmente
irreversíveis para mais de dois terços do território.
Entretanto,
foram anunciadas medidas, muitas simples contastações do que há muito fora
diagnosticado, ficando-se por enunciações, sem passos concretos em nenhum
calendário.
Já
aqui se escrevera que a Unidade se movimentaria num mundo virtual, cor-de-rosa
seco, destinado a desbotar sem retorno.
Mas,
todos ouvimos falar daquele Tomé, céptico e pessimista, que ficou numa vergonha
quando o Mestre lhe ordenou que lhe tocasse as feridas. Não ficou com grande
fama e vai penando séculos fora a sua propensão para a dúvida.
Num
contacto ocasional com a última edição do semanário “Notícias da Covilhã”
ficámos a saber que Helena Freitas disse, em Castelo Branco, que “é um absurdo
hoje falar em interioridade num país que tem duzentos quilómetros até ao
litoral”, acrescentando que “o país está a mudar e só os velhos do restelo é
que não o conseguem ver”.
Poucos
meses após a criação da tal Unidade, pelos vistos estará tudo resolvido. Já não
há razões para que do interior se clame por justiça, por equidade, pelo pleno
exercício da cidadania. Como que por milagre, o país do desequilíbrio
demográfico, do envelhecimento vertiginoso, do abandono à má sorte, foi
substituído pelo paraíso terreal e só mesmo mentes diabólicas continuam a
lançar a cizânia entre as gentes.
Depois
de tal milagre, ficamos todos aliviados e a própria Helena Freitas terá
terminado, à velocidade da luz, uma missão, afinal, tão simples, um ovo de
colombo pós moderno, mais fantástico do que o original. Isto sim, foi eficácia.
Chegou, viu e nem precisou de tocar em nada, qual fada de todas as maravilhas.
Só
que não. A dura realidade não se compadece com a fantasia e a fada corre o
risco do apupo. Porque todos os dias sentimos o agravamento das condições de
manutenção desta nossa terra com gente dentro. Não houve, até agora, nenhum
evento sobrenatural que transformasse a nossa condição.
Assim,
absurdo é considerar que não há razões para se falar de interioridade e,
principalmente, encontrar formas de lhe atenuar os efeitos e reabrir horizontes
de justiça. Especialmente, quando tudo se conjuga para que, ao contrário do
milagre virtual anunciado pela responsável da Unidade de Missão, as
desigualdades se agravam, com mais investimentos concentrados no litoral.
Apesar de haver gente de bom senso, que não cala a denúncia da insistência no
erro, que será fatal para o interior, mas também para o país.
Escrito por Teófilo Vaz,
Diretor do Jornal Nordeste
Retirado de www.jornalnordeste.com
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