O Jornal Nordeste visitou as aldeias de Aveleda, Vale de Lamas e São
Julião. Procurámos criadores de gado bovino. Não encontramos.
Está um dia quente para a altura do ano em que nos encontramos. Os
termómetros marcam a temperatura de 15º C, o que parece impossível. Um anúncio
da Primavera antecipada. Estamos em pleno Parque Natural do Montesinho, numa
aldeia que se chama Aveleda, no concelho de Bragança. Estacionamos o carro e
encontramos o pequeno Gabriel, de 12 anos e perguntamos se ele se lembra de na
aldeia existirem vacas e bois. Ele responde que sim. Questionámos há quanto
tempo e ele não sabe precisar. Mas o facto é que neste momento já não há
perspectivas de se voltarem a ver. A aldeia de encantadora tem tudo, mas quase
não tem habitantes. Ao encontrarmos o Gabriel ficamos com um guia que nos vai
mostrando todos os recantos da aldeia. Encontramos as senhoras da aldeia que
foram à novena e estão de regresso a casa. A primeira que encontramos é a
Virgínia Gregório de 84 anos. Vem “carregada” de preto, com o xaile para se
proteger do frio (que não se nota, o frio). Abre-se um sorriso e dizemos ao que
viemos. Conta, na sua simplicidade, que em tempos teve cerca de seis vacas
turinas, “daquelas que dão leite”, mas também tive vitelos “no Cachão diziam
que os meus vitelos eram os melhores da região”. Continuamos o nosso caminho e
mesmo ao pé da ponte, é Ana Rodrigues que nos recebe de braços abertos. É
habitante da aldeia e a sua casa situa-se mesmo ao lado da ponte. Conta que em
tempos, aliada à actividade de comerciante, pois teve uma pequena mercearia na
aldeia, tinha duas juntas de vacas turinas. Conta que teve de se desfazer delas
porque já não tem capacidade para as tratar. A aldeia, de momento, conta com
cerca de 50 habitantes, disse Ana Rodrigues. Na mesma aldeia encontramos José
Correia, que teve um vaca tourina que teve que deixar porque “a lida do
dia-a-dia fez-me desfazer dela, assim como do cavalo”. Agora só tenho a burra e
na aldeia só há cinco.
Dirigimo-nos para Vale de Lamas, neste domingo soalheiro. Mesmo ao chegar
ao “cimo do povo”, em cima do tractor encontramos Rui Balesteiro, com 73 anos
feitos. Em tempos teve uma vacaria, com cerca de 40 vacas produtoras e 20
vitelos para recria, conta. No entanto, teve que se desfazer deste negócio
familiar, que laborou durante cerca de 10 anos, porque o leite foi
desvalorizado e os custos de produção eram maiores, e com o avançar da idade
optou por se desfazer da produção. “Eu até estava com boas médias, cerca de
1000 contos por mês.” “Era a empresa do Cachão que nos levava o leite”, contou.
Mas associado ao facto de os pagamentos não estarem a correr certinhos, levou a
que Rui deixasse aquela profissão, mas não abandonou a agricultura. Referiu que
a agricultura para ele tem estado sempre esquecida e que só quem tem muita
força de vontade é que consegue “viver disto”. Antigamente nesta aldeia, nos
anos 60, na casa dos meus pais havia uma junta de bois e outra de vacas, que
era com estes animais que fazíamos o todo trabalho agrícola.
Mais abaixo na aldeia, no Centro de Convívio, estão sentados à conversa,
na esplanada, dois amigos de longa data, Sebastião Pereira e Jorge Balesteiro.
Só um ano de idade os separa. Um tem 78 anos e o outro 79. Toda a vida foram
amigos. Falamos com o Sebastião, que conta que teve vacas: duas turinas, duas
mirandesas e muitos vitelos. Conta-nos a sua história de vida com as lágrimas
nos olhos. Deixou a actividade há cerca de 5 anos, mas continua a ser
agricultor, com a mulher. Teve três filhos, mas nenhum se quis dedicar à
agricultura. Contou que tratava muito bem do seu gado e “nunca passaram fome”.
Relembrou que naquela aldeia, houve, em tempos, cerca de 50 juntas entre vacas
e bois e que agora nem um burro existe na aldeia. O amigo Jorge, teve 4 vacas e
dois porcos, mas teve que abandonar a criação há 30 anos, porque já não tinha
mais forças para continuar a trabalhar na agricultura. Teve 2 vacas mirandesas
e 2 turinas. Agora está sozinho em casa, viúvo e já faz as refeições no lar e
passa as tardes no Centro de Convívio para se entreter. Tínhamos de lavrar tudo
com as vacas, íamos à lenha com elas e não havia tractores”. Ficávamos ali uma
tarde inteira, com tantas histórias de vida para contar.
Mas ainda fomos a outra aldeia: São Julião. Entrámos na aldeia pela rua
que nos parece ainda ter gente, porque as casas têm todas as persianas para
baixo e apesar de serem cerca de 4h00 da tarde, dá a sensação que estamos numa
aldeia fantasma porque não avistámos vivalma. Dentro de um baixo de uma casa
está o Américo Cortinhas que saudamos. Perguntamos se podemos falar com ele e
responde na maior simplicidade “se eu souber posso dizer”. Um homem de lavoura
“com quase 74 anos”, conta que há bastante tempo que já não existe nem uma
vaca, mas que em tempos na aldeia chegaram até às 200 crias. “Raro era o
vizinho” que não tinha vacas. Na rua onde estamos relata que quase todas as
casas estão vazias. No fundo da rua, vem Antónia Vara, esposa de Américo que
vem rodeada do seu rebanho de ovelhas. Foi pastora toda a vida, tem 79 anos,
quase a fazer 80. Contou que teve que se desfazer das suas “vaquinhas” por
causa da doença do marido. Tiveram dois filhos. Um foi para Lisboa estudar para
ser professor de inglês, mas acabou por ser PSP. O outro filho vive em
Bragança, vai ajudando os pais mas não foi para a agricultura que se voltou.
Indicaram-nos a última habitante da aldeia que teve vacas. Fomos ao alcance da
Joaquina Lopes. Perto da sua casa, está uma senhora muda que mesmo assim nos
consegue indicar a casa. Joaquina abre-nos a porta de casa, senta-se à lareira
e oferece-nos figos. Conta-nos a sua história de vida, 67 anos de vida, cheia
de altos e baixos e diz ela que dá um livro. Dos seus irmãos, foi a única que
fez da agricultura a sua profissão, mas uma doença obrigou-a a desfazer-se das
vacas.
Escrito por Jornalista: Maria
João Canadas
Retirado de www.jornalnordeste.com
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