(Excerto da Biografia que escrevo sobre Amadeu Ferreira)
«Acompanhávamos, através do Santa Clara Gomes, o
Movimento das Forças Armadas, que na altura ainda não sabíamos que se chamava
Movimento dos Capitães, e íamos falando no bar, enquanto bebíamos uns copos,
uns uísques e jogávamos umas cartas no bar de oficiais. No dia 24 de Abril o
Santa Clara Gomes diz-me: “Tu vais ficar de Oficial de Prevenção, vai ser esta
noite e o teu papel é prenderes o Oficial de Dia”. Nós tínhamos uma missão
pequena, porque não tínhamos tropas operacionais e por isso não fazíamos parte
do núcleo central do 25 de Abril. Eu sou escalado para ficar de Oficial de
Prevenção, o Oficial de Dia era o tenente França, do serviço geral, que eram
aqueles oficiais que eram promovidos a partir de sargentos. Não eram
milicianos, nem da Academia Militar, faziam parte do serviço geral. Quando
chegasse a hora certa, a minha função era dizer ao tenente França: “Passa-se
isto… Você adere ou não adere? Adere, muito bem. Não adere, está preso”. Era
basicamente isto. O Capitão Santa Clara Gomes, nessa noite, ficou no quartel,
juntamente comigo. Estávamos sossegados, não havia nada para fazer como Oficial
de Prevenção. Eu passava o tempo no bar, tínhamos de estar acordados toda a
noite, estivemos a jogar às cartas, a conversar e à espera que o tempo
passasse.» Havia um terceiro envolvido, o Alferes Paula Ferreira, que tinha
vindo mutilado da guerra colonial. Tinha estado em Moçambique, na zona do
Niassa e trazia consigo o Cancioneiro do Niassa. «Em certas noites no bar de oficiais
cantávamos as canções do Cancioneiro do Niassa. Muitas dessas canções eram de
revolta, acompanhadas à viola pelo Paula Ferreira.» O Cancioneiro ataca a
instituição militar, as hierarquias, dentro do espírito de protesto contra a
guerra, em canções como o “Soldadinho”, poemas do Reinaldo Ferreira “Fui um dia
ter com Deus / à taberna do diabo / entre Cristãos e ateus / fizeram de mim
soldado”. Termina com este verso: “Todos me chamam herói / ninguém me chama
Manuel / quem quer uma cruz de guerra / que eu já não volto ao quartel”.
«O Santa Clara Gomes tinha-me dito: a primeira senha vai ser “E depois do adeus” e a partir daí significa que o movimento se iniciou, se desencadeou e nós vamos estar atentos até que seja cantada a “Grândola Vila Morena”. Nós tínhamos o aparelho sintonizado nos Emissores Associados de Lisboa e às 22 h e 55 o Paulo de Carvalho começa a cantar “E depois do adeus”, a primeira senha da revolução. Olhámos uns para os outros: “isto está em marcha”.» Estão preparados, sabem o que têm de fazer e à meia-noite e vinte minutos ouvem o Zeca Afonso a cantar “Grândola Vila Morena”, na Rádio Renascença, ou seja a segunda senha da revolução, posta no ar pelo jornalista Carlos Albino. «Nós explodimos de contentamento, tínhamos uma garrafa de espumante guardada no frigorífico do bar de oficiais e abrimo-la. Tínhamos o retrato do Marcelo Caetano e do Américo Tomás nas paredes do bar, orientámos a rolha para lá e depois deitámos os retratos ao chão. Em seguida, dirigimo-nos ao tenente França que era o Oficial de Dia, e que não estava no seu posto de Oficial de Dia. Andava a passear entre os caixotes da parada. O Capitão Santa Clara Gomes e eu fomos ter com ele, explicámos-lhe a situação: “entregue-nos a sua pistola”. O homem ficou tão cheio de medo que entregou logo a pistola e disse que não queria saber de nada, que fazia tudo o que nós quiséssemos e a nossa tarefa ficou facilitada. Continuámos a ouvir a rádio até de madrugada. Ouvimos o primeiro comunicado “Daqui Posto de Comando das Forças Armadas”. Sabíamos do quartel de Engenharia da Pontinha, mas desconhecíamos que havia dois quartéis perto do Depósito Geral de Adidos, que não tinham aderido ao 25 de Abril. Era o Quartel de Cavalaria 7, ao fundo da Calçada da Ajuda, que de madrugada se confronta com o Salgueiro Maia, ali na zona da Junqueira, e Lanceiros 2, ou seja, a Polícia Militar que ficava paredes meias com o Depósito Geral de Adidos. Passámos a noite a ouvir os comunicados do Comando das Forças Armadas. Tínhamos cumprido a nossa missão com êxito e aguardávamos a excitação do dia seguinte, com os soldados todos na parada a discutir se o golpe vence ou não vence. Não havia informação e o 25 de Abril passou-se praticamente nesta expectativa e eu continuei como Oficial de Prevenção. O Santa Clara Gomes dizia “puto, vamos ter que arranjar uma missão, pá, porque nós não podemos ficar aqui fechados!”
«O Santa Clara Gomes tinha-me dito: a primeira senha vai ser “E depois do adeus” e a partir daí significa que o movimento se iniciou, se desencadeou e nós vamos estar atentos até que seja cantada a “Grândola Vila Morena”. Nós tínhamos o aparelho sintonizado nos Emissores Associados de Lisboa e às 22 h e 55 o Paulo de Carvalho começa a cantar “E depois do adeus”, a primeira senha da revolução. Olhámos uns para os outros: “isto está em marcha”.» Estão preparados, sabem o que têm de fazer e à meia-noite e vinte minutos ouvem o Zeca Afonso a cantar “Grândola Vila Morena”, na Rádio Renascença, ou seja a segunda senha da revolução, posta no ar pelo jornalista Carlos Albino. «Nós explodimos de contentamento, tínhamos uma garrafa de espumante guardada no frigorífico do bar de oficiais e abrimo-la. Tínhamos o retrato do Marcelo Caetano e do Américo Tomás nas paredes do bar, orientámos a rolha para lá e depois deitámos os retratos ao chão. Em seguida, dirigimo-nos ao tenente França que era o Oficial de Dia, e que não estava no seu posto de Oficial de Dia. Andava a passear entre os caixotes da parada. O Capitão Santa Clara Gomes e eu fomos ter com ele, explicámos-lhe a situação: “entregue-nos a sua pistola”. O homem ficou tão cheio de medo que entregou logo a pistola e disse que não queria saber de nada, que fazia tudo o que nós quiséssemos e a nossa tarefa ficou facilitada. Continuámos a ouvir a rádio até de madrugada. Ouvimos o primeiro comunicado “Daqui Posto de Comando das Forças Armadas”. Sabíamos do quartel de Engenharia da Pontinha, mas desconhecíamos que havia dois quartéis perto do Depósito Geral de Adidos, que não tinham aderido ao 25 de Abril. Era o Quartel de Cavalaria 7, ao fundo da Calçada da Ajuda, que de madrugada se confronta com o Salgueiro Maia, ali na zona da Junqueira, e Lanceiros 2, ou seja, a Polícia Militar que ficava paredes meias com o Depósito Geral de Adidos. Passámos a noite a ouvir os comunicados do Comando das Forças Armadas. Tínhamos cumprido a nossa missão com êxito e aguardávamos a excitação do dia seguinte, com os soldados todos na parada a discutir se o golpe vence ou não vence. Não havia informação e o 25 de Abril passou-se praticamente nesta expectativa e eu continuei como Oficial de Prevenção. O Santa Clara Gomes dizia “puto, vamos ter que arranjar uma missão, pá, porque nós não podemos ficar aqui fechados!”
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