No estado actual do nosso
conhecimento, construído à custa da razão, não é possível conceber o mundo e a
humanidade sem os integrar nessa estrutura radical, cósmica, essencial, a matéria,
secularmente demonizada, pretendida refugo incómodo, dispensável na eternidade,
notável fantasia de desiludidos, empenhados em sacudir as escórias da vida.
Naturalmente a materialidade
não é assimilável à existência que, no caso dos seres vivos, aparece com
componentes que reconhecemos como emanações de processos materiais, mas não
podem ser simplesmente reduzidas à expressão dos equilíbrios, desequilíbrios
ou reequilíbrios moleculares, antes devem ser entendidas como realidades
empolgantes, embora efémeras no tempo cósmico, que podem ser engolidas num
qualquer buraco negro, possibilidade indescartável que nos conduz à angústia
do confronto com o absurdo do definitivo nada.
Entretanto, sendo a humanidade
um produto do que emana da matéria, também constitui uma realidade diferente,
com a característica singular de dispor de condições para se subtrair aos
desígnios estritamente físicos, até de os condicionar, deixando marcas notórias
nos ritmos do universo.
Embora reféns desta trágica
condição, os humanos geraram realidades inefáveis como as emoções, os sentimentos,
as linguagens, afinal a cultura, que parecem libertar-nos do determinismo
natural, pelo menos é o que gostávamos que acontecesse, porque queremos
acreditar que a memória terá o condão de permanecer mesmo sobre as cinzas, o
pó a que estamos condenados
Assim nos vamos alimentando
das esperanças, talvez vãs, mas reconfortantes, de dar algum sentido às vidas
de todos os dias, mobilizando o legado dos que nos precederam. Por isso valorizamos
vestígios, sinais, ruínas, tradições dedicando-lhe afectos e mobilizando esforços
para os manter como referências. São a nossa alma.
O reconhecimento dos caretos
de Podence como património imaterial da humanidade pela Unesco é uma
palpitação global ao mesmo ritmo, uma forma de partilhar o destino.
As festas de Inverno que
sobrevivem no território amplo do Noroeste Peninsular têm agora mais condições
para atrair gente, com tudo o que isso significa ao nível do dinamismo
económico, mas também no contacto com a magia do que está além do visível e do
quantificável, o tal imaterial que nos acompanha na passagem pelo planeta.
Talvez tivesse sido possível
conjugar esforços para promover uma candidatura de todas as festas com
máscaras do distrito e do lado espanhol, mas as coisas são como são e os
méritos ficam para quem os conquista, com trabalho, coragem e determinação.
O reconhecimento dos outros
é um alento e as vidas fazem-se desses prazeres de nos encontrarmos nas alegrias,
nas festas, no espanto de nos sentirmos profundamente próximos dos contemporâneos
e dos que por cá passaram há mais ou menos tempo.
Apesar de nos gastarmos
todos os dias a garantir o suporte material da vida, sentimos que fundamental
para sermos o que somos é o imaterial, que geramos permanentemente sem saber
como nem porquê.
Escrito
por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste
Retirado
de www.jornalnordeste.com
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