Entrev.: É verdade.
Também é nossa.
Prof. Doutor A.M.: Chamei a atenção, chamei ontem…
não percebo esta guerra civil da língua: quando olhamos para o site das Nações Unidas,
estão lá oito línguas só. Está lá a nossa.
Entrev.: É a quinta
língua mais falada do mundo. Não é qualquer coisa. É uma grande coisa.
Prof. Doutor A.M.: E mesmo para a literatura… Sabe
qual foi a grande invenção do inglês para se expandir? O inglês básico. E o criador
do livrinho, um professor, disse: “Isto é que vai conquistar o mundo.”
Entrev.: E conquistou. É isso. Senhor Professor, já estamos quase a acabar e eu
não quero cansá-lo mais. Que leitura faz da região de Trás-os-Montes de hoje?
Prof. Doutor A.M.: Bom, eu não tenho hoje a mesma
intimidade. Porque já venho menos vezes, já não tenho parentes na aldeia. Não
há crianças. Mas eu mantenho este sentimento… No sítio onde nós vivíamos não
havia igreja, lá em Lisboa. … havia
muitas, mas longe. E dinheiro, para o transporte e tempo livre não havia.
Portanto a minha mestra foi a minha mãe. E até morreu um amigo meu,
franciscano, muito sábio, era da Academia das Ciências, e acaba o livro, o
último que escreveu, com estas palavras: “Deus existe.” E eu: “A minha mãe já
me tinha dito.” E, portanto, a crise desafiante
da Igreja é geral, e a resposta não está a ser uniforme. Está a pagar glórias, está
a pagar porque foi uma responsável pela ocidentalização do mundo. Mas aquela
história que eu contei… não contei… Recordo-me do sueco Dag Hammarskjöld, Secretário
Geral das Nações Unidas, sendo eu um dos representantes de Portugal… Nós éramos
muito novos, os delegados. Íamos para a pandega no fim-de-semana: qualquer hora
que chegássemos, (estávamos num hotel muito pobre de africanos, porque naquele
tempo o estado não era rico nas ajudas de custo), a janela dele estava
iluminada. Estava a trabalhar. Tínhamos tal admiração por ele, que eu a
primeira vez que fui à Suécia, fui ao cemitério para REVERENCIAR a sepultura dele. Fez na ONU uma salinha, do
tamanho deste espaço onde estamos, com bancos de madeira e um altar de mármore
ao meio, e uma luz que vinha do alto sobre a pedra, impressionante! “Sala de
meditação de todas as religiões.” Ele percebeu que tinham que se por de acordo.
Veja bem! Ele foi assassinado, no Congo. A mim dizem-me, não, não está provado.
Eu digo, pois não. Deitaram-lhe só o avião abaixo. Bom. Morreu muito novo. Eu
tinha esta admiração que disse. Já agora, conto uma pequena anedota: eu cheguei
a ser presidente de uma coisa que se chamava Centro Europeu de Informação e Documentação.
Foi fundado pelo Arquiduque de Habsburgo, de quem eu fui muito amigo. Tínhamos
delegação em catorze países e ainda cheguei a ser o Presidente. Uma vez tivemos
uma reunião na Suécia. Ficámos num Château e no domingo de manhã foram bater aos
quartos “Há missa na sala de jantar.” Porque o arquiduque tinha o privilégio de
lhe dizerem a missa onde estivesse. E ele tinha um altar portátil. Portanto,
levava-o com ele. Onde chegasse, instalavam-no e diziam a missa. Quem disse a
missa foi um alemão. Ninguém sabia alemão senão os alemães e depois estava o
padre Aguiar que era o nosso e lá traduzia as coisas como podia. A certa
altura, desata tudo à gargalhada na missa que estaria no fim. “Ó padre Aguiar,
o que é isto?” É que o padre, como era a primeira missa que se dizia na Suécia
desde o tempo do Lutero, achou que devia haver uma música. Então encontrou uma
senhora de idade que tocaria a música. Sabe o que era? O hino do Lutero, na primeira
missa católica desde a reforma.
Entrev.: (Risos) O
hino do Lutero! Ora, então, realmente. Que engraçado.
Prof. Doutor A.M.: (Risos) É uma coincidência. O hino do
Lutero. Era o que ela sabia tocar. É interessante. Há um padre chamado Kung,
alemão. Conhece o nome? Tem uma fundação e teve umas questões com o Papa
Emérito. Era amigo dele, mas proibiu-o de dar aulas. A pregação dele no mundo,
é que as religiões se entendam.
Entrev.: Era bom
era!
Prof. Doutor A.M.: Olhe, ainda outro dia, há pouco
tempo, li um livro do líder do Tibete. Como é que ele se chama?
Entrev.: O Dalai
Lama.
Prof.
Doutor A.M.: Apresentei o Dalai Lama na Universidade de Lisboa há mais de 30
anos. Apresentei-o, veio cá. É impressionante o seu recente livrinho. Ele diz,
“Eu fui invadido, destruíram o meu país, mataram muita gente, estou exilado há
50 anos, e não tenho ódio a ninguém. Acho que a paz é fundamental. E o Papa
Francisco tem razão.” É impressionante, é animador para o Papa que tem pouca
saúde.
Entrev.: Tem uma
saúde muito frágil.
Prof. Doutor A.M.: Falta-lhe um pulmão. E já caiu
duas vezes. Mau sinal. Há um problema com ele que eu acho que esta gente não
avalia; dos cardeais, bispos vivos, é o que sabe mais da América Latina.
Entrev.: – Sem
dúvida nenhuma!
Prof. Doutor A.M.: E, portanto, ele sabe o drama da
América Latina. Eu escrevi um artigo que vai sair no Diário de Notícias. Eu
ando um bocadinho preocupado com essa gente. E acabei o artigo assim: “O
problema não é a soberania do Brasil, que não é o único soberano; o problema, quando
se diz a importância da Amazónia, é o valor para o Globo.
Entrev.: Ai, sem
dúvida nenhuma!
Prof. Doutor A.M.: Esse valor está antes. Com esta
conversa que estão a ter em relação aos nativos e que implica com o inquérito
do Papa. Lembrei-me, por umas passagens, do livro sobre a democracia na américa”,
que é um livro muito célebre de Toqueville, em que se conta o encontro dos Iroqueses
com o Presidente dos Estados Unidos. Vale a pena ler isto, porque disseram o
seguinte: “Quando os senhores chegaram aqui, vinham carentes. Recebemo-los
ajudando-os. Os senhores destruíram o nosso território. Éramos os componentes da
nação mais importante. Estamos aqui os últimos da nossa raça. Vimos-lhe
perguntar se temos de morrer.” Eu concluo: “Vejam se evitam uma repetição deste
acontecimento com esta história da Amazónia.”
Entrev.: Esperemos
que sim.
Prof. Doutor A-M.: Eu acho que é comparável.
Entrev.: É
comparável sem dúvida. Olhe, Senhor Professor, para concluirmos isto, porque eu
vejo que já está muito cansado, … o que pergunta o meu marido é se o senhor
professor não se importaria que a sua obra toda, a sua biblioteca toda, fosse
colocada online, em suporte digital?
Prof. Doutor A.M.: Isso tem de perguntar. Eu, por
mim, não me importo. Tem que perguntar ao nosso Presidente da Câmara. Ela está
para vir, o resto. Isto aqui é uma parte.
Entrev.: Eu sei, eu
sei.
Prof. Doutor A.M.: Já viu, não viu?
Entrev.: Sim, já vi
e sou frequentadora da sua biblioteca.
Prof. Doutor A.M.: Eu, uma das coisas que digo à
minha mulher, é isto: “A ti, depois de eu morrer, vai-te custar, porque a casa,
sem os livros, vai ficar vazia. Eu Graças a Deus tenho uma casa grande. E fui
favorecido por Deus, que eu nunca tive grandes empregos, mas tinha a educação
transmontana. Nada de inutilidades, etc. E a minha casa é muito acolhedora. Eu
vivo ali há 50 e tal anos, veja bem. Mas é um tempo em que o Restelo chamava-se
o Bairro das mulheres arrependidas. Sabe porquê? Acabou o açúcar. Onde é que se
compra açúcar? Não havia um sítio onde comprar. Agora não, agora há tudo. Bom,
a casa é a mesma. Vá lá e cabem lá os catorze netos. De vez em quando juntam-se
todos lá. E estou a reparar numa coisa. Os que andam na universidade vão para
lá estudar.
Entrev.: Ora vê!
Risos de ambos.
Prof. Doutor A.M.: É uma coisa engraçadíssima!
Entrev.: É porque
sabem que têm um avô e uma avó que os podem receber e sabem que podem
contar com eles.
Senhor professor o prémio da lusofonia?
Prof. Doutor A.M.: Disse ontem. Disse ontem. Se não
fosse o meu pai, não estava ali. Enfim, se não fossem o meu pai e a minha mãe,
não estava ali. Estou sempre a lembrar isso.
Entrev.: E o prémio
devia ter o nome do seu pai…
Prof. Doutor A. M.: E até aqui há tempos, já há muito
tempo, mais de um ano, talvez quase dois, o Comandante Geral da Polícia, penso
que agora não tem esse título, mas equivale a general, aconteceu eu falar com
ele num almoço em que fiquei ao seu lado. Ele disse-me assim: “Olhe uma coisa
senhor professor, o seu pai não foi ajudante do Ferreira do Amaral?” Eu disse:
“Foi”. Ainda conheci o Ferreira do Amaral, porque eu era pequenino, mas o meu
pai achou que eu devia ir ver o seu comandante. E gostava tanto dele, que o meu
pai, já com 80 anos, naquele tempo, era um tempo em que estava em Grijó e ia a
Lisboa de propósito à missa anual pelo seu comandante. Veja bem. Ele foi vítima
num atentado. Iam-no matado a tiro e safou-se. E diz-me o comandante: “O senhor
podia dar-me um retrato do seu pai?” “Com certeza! Até lho posso dar já que
tenho na carteira.” “Não, eu quero um mais apropriado, para pôr ao pé do “Ferreira
do Amaral”.
Entrev.: Muito bem.
Que maravilha! Obrigada, Senhor Professor. Foi um enorme prazer e uma grande
honra ter-nos concedido esta entrevista. Não temos palavras para agradecer a
sua disponibilidade e amabilidade. Pedimos desculpa por se ter tornado tão
longa. Bem-haja.
Entrevista realizada por Maria e Marcolino Cepeda e Lídia Machado dos Santos
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