quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

ENTREVISTA PROFESSOR ADRIANO MOREIRA (4º Excerto)


Entrev.: É verdade. Também é nossa. 

Prof. Doutor A.M.: Chamei a atenção, chamei ontem… não percebo esta guerra civil da língua: quando olhamos para o site das Nações Unidas, estão lá oito línguas só. Está lá a nossa.

Entrev.: É a quinta língua mais falada do mundo. Não é qualquer coisa. É uma grande coisa.

Prof. Doutor A.M.: E mesmo para a literatura… Sabe qual foi a grande invenção do inglês para se expandir? O inglês básico. E o criador do livrinho, um professor, disse: “Isto é que vai conquistar o mundo.”

Entrev.: E conquistou. É isso. Senhor Professor, já estamos quase a acabar e eu não quero cansá-lo mais. Que leitura faz da região de Trás-os-Montes de hoje?

Prof. Doutor A.M.: Bom, eu não tenho hoje a mesma intimidade. Porque já venho menos vezes, já não tenho parentes na aldeia. Não há crianças. Mas eu mantenho este sentimento… No sítio onde nós vivíamos não havia igreja, lá em Lisboa. …  havia muitas, mas longe. E dinheiro, para o transporte e tempo livre não havia. Portanto a minha mestra foi a minha mãe. E até morreu um amigo meu, franciscano, muito sábio, era da Academia das Ciências, e acaba o livro, o último que escreveu, com estas palavras: “Deus existe.” E eu: “A minha mãe já me tinha dito.” E, portanto, a crise desafiante da Igreja é geral, e a resposta não está a ser uniforme. Está a pagar glórias, está a pagar porque foi uma responsável pela ocidentalização do mundo. Mas aquela história que eu contei… não contei… Recordo-me do sueco Dag Hammarskjöld, Secretário Geral das Nações Unidas, sendo eu um dos representantes de Portugal… Nós éramos muito novos, os delegados. Íamos para a pandega no fim-de-semana: qualquer hora que chegássemos, (estávamos num hotel muito pobre de africanos, porque naquele tempo o estado não era rico nas ajudas de custo), a janela dele estava iluminada. Estava a trabalhar. Tínhamos tal admiração por ele, que eu a primeira vez que fui à Suécia, fui ao cemitério para REVERENCIAR  a sepultura dele. Fez na ONU uma salinha, do tamanho deste espaço onde estamos, com bancos de madeira e um altar de mármore ao meio, e uma luz que vinha do alto sobre a pedra, impressionante! “Sala de meditação de todas as religiões.” Ele percebeu que tinham que se por de acordo. Veja bem! Ele foi assassinado, no Congo. A mim dizem-me, não, não está provado. Eu digo, pois não. Deitaram-lhe só o avião abaixo. Bom. Morreu muito novo. Eu tinha esta admiração que disse. Já agora, conto uma pequena anedota: eu cheguei a ser presidente de uma coisa que se chamava Centro Europeu de Informação e Documentação. Foi fundado pelo Arquiduque de Habsburgo, de quem eu fui muito amigo. Tínhamos delegação em catorze países e ainda cheguei a ser o Presidente. Uma vez tivemos uma reunião na Suécia. Ficámos num Château e no domingo de manhã foram bater aos quartos “Há missa na sala de jantar.” Porque o arquiduque tinha o privilégio de lhe dizerem a missa onde estivesse. E ele tinha um altar portátil. Portanto, levava-o com ele. Onde chegasse, instalavam-no e diziam a missa. Quem disse a missa foi um alemão. Ninguém sabia alemão senão os alemães e depois estava o padre Aguiar que era o nosso e lá traduzia as coisas como podia. A certa altura, desata tudo à gargalhada na missa que estaria no fim. “Ó padre Aguiar, o que é isto?” É que o padre, como era a primeira missa que se dizia na Suécia desde o tempo do Lutero, achou que devia haver uma música. Então encontrou uma senhora de idade que tocaria a música. Sabe o que era? O hino do Lutero, na primeira missa católica desde a reforma.

Entrev.: (Risos) O hino do Lutero! Ora, então, realmente. Que engraçado.

Prof. Doutor A.M.: (Risos) É uma coincidência. O hino do Lutero. Era o que ela sabia tocar. É interessante. Há um padre chamado Kung, alemão. Conhece o nome? Tem uma fundação e teve umas questões com o Papa Emérito. Era amigo dele, mas proibiu-o de dar aulas. A pregação dele no mundo, é que as religiões se entendam.

Entrev.: Era bom era!

Prof. Doutor A.M.: Olhe, ainda outro dia, há pouco tempo, li um livro do líder do Tibete. Como é que ele se chama?

Entrev.: O Dalai Lama.

Prof. Doutor A.M.: Apresentei o Dalai Lama na Universidade de Lisboa há mais de 30 anos. Apresentei-o, veio cá. É impressionante o seu recente livrinho. Ele diz, “Eu fui invadido, destruíram o meu país, mataram muita gente, estou exilado há 50 anos, e não tenho ódio a ninguém. Acho que a paz é fundamental. E o Papa Francisco tem razão.” É impressionante, é animador para o Papa que tem pouca saúde.

Entrev.: Tem uma saúde muito frágil.

Prof. Doutor A.M.: Falta-lhe um pulmão. E já caiu duas vezes. Mau sinal. Há um problema com ele que eu acho que esta gente não avalia; dos cardeais, bispos vivos, é o que sabe mais da América Latina.

Entrev.: – Sem dúvida nenhuma!

Prof. Doutor A.M.: E, portanto, ele sabe o drama da América Latina. Eu escrevi um artigo que vai sair no Diário de Notícias. Eu ando um bocadinho preocupado com essa gente. E acabei o artigo assim: “O problema não é a soberania do Brasil, que não é o único soberano; o problema, quando se diz a importância da Amazónia, é o valor para o Globo.

Entrev.: Ai, sem dúvida nenhuma!

Prof. Doutor A.M.: Esse valor está antes. Com esta conversa que estão a ter em relação aos nativos e que implica com o inquérito do Papa. Lembrei-me, por umas passagens, do livro sobre a democracia na américa”, que é um livro muito célebre de Toqueville, em que se conta o encontro dos Iroqueses com o Presidente dos Estados Unidos. Vale a pena ler isto, porque disseram o seguinte: “Quando os senhores chegaram aqui, vinham carentes. Recebemo-los ajudando-os. Os senhores destruíram o nosso território. Éramos os componentes da nação mais importante. Estamos aqui os últimos da nossa raça. Vimos-lhe perguntar se temos de morrer.” Eu concluo: “Vejam se evitam uma repetição deste acontecimento com esta história da Amazónia.”

Entrev.: Esperemos que sim.

Prof. Doutor A-M.: Eu acho que é comparável.

Entrev.: É comparável sem dúvida. Olhe, Senhor Professor, para concluirmos isto, porque eu vejo que já está muito cansado, … o que pergunta o meu marido é se o senhor professor não se importaria que a sua obra toda, a sua biblioteca toda, fosse colocada online, em suporte digital?

Prof. Doutor A.M.: Isso tem de perguntar. Eu, por mim, não me importo. Tem que perguntar ao nosso Presidente da Câmara. Ela está para vir, o resto. Isto aqui é uma parte.

Entrev.: Eu sei, eu sei.

Prof. Doutor A.M.: Já viu, não viu?

Entrev.: Sim, já vi e sou frequentadora da sua biblioteca.

Prof. Doutor A.M.: Eu, uma das coisas que digo à minha mulher, é isto: “A ti, depois de eu morrer, vai-te custar, porque a casa, sem os livros, vai ficar vazia. Eu Graças a Deus tenho uma casa grande. E fui favorecido por Deus, que eu nunca tive grandes empregos, mas tinha a educação transmontana. Nada de inutilidades, etc. E a minha casa é muito acolhedora. Eu vivo ali há 50 e tal anos, veja bem. Mas é um tempo em que o Restelo chamava-se o Bairro das mulheres arrependidas. Sabe porquê? Acabou o açúcar. Onde é que se compra açúcar? Não havia um sítio onde comprar. Agora não, agora há tudo. Bom, a casa é a mesma. Vá lá e cabem lá os catorze netos. De vez em quando juntam-se todos lá. E estou a reparar numa coisa. Os que andam na universidade vão para lá estudar.

Entrev.: Ora vê! Risos de ambos.

Prof. Doutor A.M.: É uma coisa engraçadíssima!

Entrev.: É porque sabem que têm um avô e uma avó que os podem receber e sabem que podem contar com eles. Senhor professor o prémio da lusofonia?

Prof. Doutor A.M.: Disse ontem. Disse ontem. Se não fosse o meu pai, não estava ali. Enfim, se não fossem o meu pai e a minha mãe, não estava ali. Estou sempre a lembrar isso.

Entrev.: E o prémio devia ter o nome do seu pai…

Prof. Doutor A. M.: E até aqui há tempos, já há muito tempo, mais de um ano, talvez quase dois, o Comandante Geral da Polícia, penso que agora não tem esse título, mas equivale a general, aconteceu eu falar com ele num almoço em que fiquei ao seu lado. Ele disse-me assim: “Olhe uma coisa senhor professor, o seu pai não foi ajudante do Ferreira do Amaral?” Eu disse: “Foi”. Ainda conheci o Ferreira do Amaral, porque eu era pequenino, mas o meu pai achou que eu devia ir ver o seu comandante. E gostava tanto dele, que o meu pai, já com 80 anos, naquele tempo, era um tempo em que estava em Grijó e ia a Lisboa de propósito à missa anual pelo seu comandante. Veja bem. Ele foi vítima num atentado. Iam-no matado a tiro e safou-se. E diz-me o comandante: “O senhor podia dar-me um retrato do seu pai?” “Com certeza! Até lho posso dar já que tenho na carteira.” “Não, eu quero um mais apropriado, para pôr ao pé do “Ferreira do Amaral”.

Entrev.: Muito bem. Que maravilha! Obrigada, Senhor Professor. Foi um enorme prazer e uma grande honra ter-nos concedido esta entrevista. Não temos palavras para agradecer a sua disponibilidade e amabilidade. Pedimos desculpa por se ter tornado tão longa. Bem-haja. 

Entrevista realizada por Maria e Marcolino Cepeda e Lídia Machado dos Santos

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