terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Estamos a ficar com os azeites (Editorial do Jornal Nordeste, 10-12-2019)


A oliveira, o seu fruto e o azeite que dele se extrai são referências fundamentais das civilizações mediterrânicas, associadas a confortos de di­vindades e às aspirações hu­manas na partilha das essên­cias do que consideram as delícias da imortalidade. 
Associamos o azeite à luz que nos guia nas trevas, à purificação do corpo, à ce­lebração da vida, apesar de também conhecermos ditos jocosos que o relegam para realidades enjoativas, ranço­sas e escorregadias, fruto de modas em tempos de idola­tria do sintético, do proces­sado, do adulterado, aparen­temente cómodo, eficaz, rá­pido, com consequências que se hão-de ver, se calhar.
O Nordeste Transmon­tano tem sofrido os efeitos nefastos do isolamento que a história lhe foi impondo, abafando-lhe o alento e es­vaziando-lhe a alma. Mesmo assim, quando olhado com olhos de ver, pressentia-se não haver razão para lhe as­sacar a condição de verda­deiro degredo.
Talvez se tenha chegado tarde ao reconhecimento de potencialidades únicas, ape­sar da aventura notável que foi o empreendimento do Ca­chão há mais de meio século, que se perdeu nas noites do desleixo acomodado às mi­ragens de prosperidade que haveria de cá chegar, mais cedo ou mais tarde, porque sobraria de prometido mila­gre nacional, abençoado por todos os santos da Europa.
Mesmo assim, ainda foi possível identificar produ­tos que teriam futuro no sec­tor agroalimentar, nomeada­mente as carnes, o azeite, os frutos secos ou o vinho. Não faltaram proclamações e ac­ções de sensibilização para a aposta na especificidade, na qualidade, na produção tra­dicional, porque por aí se chegaria a mercados com al­to poder de compra, refina­dos, com garantias de conti­nuidade.
O reconhecimento das produções da região foi apa­recendo: vinhos, azeites, car­nes certificadas foram pre­miados a nível internacional, mas a generalidade dos pro­dutores viu-se confrontada com a exiguidade do univer­so de consumidores, reinsta­lando-se o instinto de sobre­vivência, quando não aconte­ceu o abandono por falta de rentabilidade ou exaustão de quem gastara a vida a lutar contra o destino. Assim se ex­plica a redução vertiginosa de cabeças de gado bovino e dos efectivos de ovinos e capri­nos, estes com as perdas co­nexas de outro produto para palatos exigentes, os queijos com carácter muito próprio.
Enquanto a castanha e a amêndoa parecem ter, no horizonte imediato, garan­tias de rendimentos inte­ressantes e o vinho também continua a fazer caminho, o azeite da região está, desde há três anos, a confrontar-se com um problema que pode comprometer-lhe o futuro.
O preço pago aos pro­dutores de azeitona está em queda e os transformadores já recusam o próprio fruto, porque não colocam o azei­te no mercado com renta­bilidades aceitáveis. Por is­so, um número significati­vo de pequenos produtores poderão conhecer sérias di­ficuldades para manter a ac­tividade ou sujeitar-se a ficar com os azeites. Aqui nos con­frontamos, mais uma vez, com o absurdo: a qualida­de afinal serve-nos de pouco.
Ficar com os azeites tam­bém é expressão idiomática que utilizamos para referir irritação, mau humor ou fú­ria, sentimentos que tendem a não se arredar das nossas vidas.

Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste

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