Entrv.: Eu costumo
dizer que nós somos as nossas circunstâncias!
Prof. Doutor A.M.: É a relação com a circunstância.
Eu lembro quando foi do primeiro grande golpe que foi as duas coroas, o nosso
Frei Bartolomeu dos Mártires, que agora é santo… eu acho que ele fez uma coisa
um bocadinho criticável, achando legítimo que viesse o rei de Espanha. Ora bem,
mas outro bispo percebeu a circunstância: não estava de acordo, mas quando lhe
perguntaram, o que respondeu foi – “Ao presente não lhe vejo mais remédio.”
Quem diz isto não está de acordo.
Entrv.: Sei que
ontem foi um dia muito cansativo…
Prof. Doutor A.M.: Foi, mas dormi bem. Mas eu queria
dizer outro aspeto em que o país caiu que eu chamo “exíguo”, porquê? Porque não
tem recursos suficientes, há tempos, para o que tem de fazer. As duas coisas…
aconteceu-nos e não gosto, mas em todo o caso há uma coisa que é a dignidade. E
isto já deve ser da idade… Quando via vir os homens da TROIKA explicar regras aos
nossos ministros, eu perguntava-me: “então nós não temos empregados para falar
com empregados?
EntrV: Justamente.
É verdade.
Prof. Doutor A.M.: Eu sentia-me humilhado como transmontano
e português.
Entrv.: Somos
transmontanos. Eu sou da região de Vinhais e o meu marido nasceu na cidade de
Bragança. Então somos mesmo! Embora eu tenha vivido no Brasil. Fui para lá
pequenina e estive em São Paulo durante muitos anos até voltar para cá, mas
somos e sinto-o porque os nossos pais sempre nos incutiram o trasmontanismo.
Prof. Doutor A.M.: Veio-me à ideia porque foi a
pergunta que me fez. É que quando fiz estudos em Lisboa, como lhe disse, os
meus amigos e do meu pai eram os transmontanos. Era gente muito modesta, mas
amigos e solidários e vi isso, por exemplo, na guerra de Angola. Eu cheguei a
Angola, não havia segurança. Não havia, ainda. O meu pai tinha acabado de se
reformar e disse-me: “Sem segurança não vais, vou eu”. Foi comigo.
Entrv.: Sim, sim eu
li alguns livros…
Prof. Doutor A.M.: Viu nas fotografias? Estava
sempre no meio. Era um perigo. Mas é o pai transmontano! Em toda a parte que eu
chegava e onde houvesse transmontanos eu estava protegido. Eles cercavam-me…
estavam sempre, sempre. Quer dizer, é uma comunidade que onde estiver é
transmontana.
Entrv.: É verdade,
e eu senti isso no Brasil e senti mesmo muito em S. Paulo.
Prof. Doutor A.M.: É por isso que eu digo que os
transmontanos têm uma maneira de ser de solidariedade que os identifica.
Entrv.: Sem dúvida
que sim. Os descobrimentos portugueses deram novos mundos ao Mundo. Acha
plausível que, Cristóvão de Mendonça, navegador português, tenha chegado à
Austrália em 1522, 250 anos antes da chegada do Capitão James Cook, conforme
teoria defendida por Peter Tricket no seu livro “Para além do capricórnio”? A
ser verdade, a que se terá devido o secretismo dessa descoberta?
Prof. Doutor A.M.: Eu conheço essa questão e a
questão é de facto de resposta duvidosa, as provas são duvidosas…
Entrv.: São circunstanciais…
Prof. Doutor A.M.: São duvidosas. Não ficou nada registado. Eu tenho uma
neta, a Moniquinha, que foi fazer aquele programa, o Erasmus, para a Austrália.
Agora vai ver do que lhe lembrou. Tinha uma amiga, alugaram um automóvel e
deram a volta à ilha toda. Chamei-lhes malucas porque foi um perigo, mas
disse-lhe: “Olha quem descobriu a Austrália foste tu”.
Entrv.:
É verdade! Senhor professor, palavras suas: “Estes políticos afirmam que só há
uma via! E, sobre isso, eu digo: “Nunca há apenas uma via única”.” E os
partidos políticos em Portugal e no Mundo, Senhor Professor, que futuro?
Prof.
Doutor A.M.: A
ideia de “partido” ainda no século XVIII era discutida, porque, sobretudo
ingleses, achavam contrária à ideia de comunicado. Há vários autores dessa
época… A minha memória agora não me ajuda, mas quando vi esta multiplicação dos
partidos, para as eleições europeias, lembrei-me que tinham razão aqueles
velhotes. O que é que eles diziam: partido era facção. E isso era contrário à
ideia de comunidade, portanto não queriam a palavra partido, mas depois, com o
tempo, a palavra partido deixa de ser a tal facção quando o conceito
estratégico é comum e o que discutimos é o que é melhor. A circunstância mudou.
As grandes potências emergentes em competição. A definição interna dos partidos
tem de se moldar para responder à nova circunstância. A última eleição para o
Parlamento Europeu em França, teve 30 partidos, e veja agora a última eleição em
Portugal mostrou novidades no sentido de se pôr de acordo com as novas circunstâncias.
Entrv.:
Aprendeu com a sua mãe que “Deus é companheiro”. O que pensa do Papa Francisco
e do futuro do Catolicismo?
Prof.
Doutor A.M.: Eu
sou adepto do Papa Francisco e também reparo… ainda ontem na conversa com os
nossos amigos lembrei-me disso: o mundo está muito dividido… riscos vermelhos…
agora é moda, mas se reparar, depois da Fundação das Nações Unidas, o único
líder religioso que foi chamado, foi o Bispo de Roma – Papa dos Católicos.
Primeiro foi Paulo VI. Deixou aquela célebre mensagem: que o “crescimento da
economia é o novo nome da Paz”. Depois foi João Paulo II, duas vezes: a
igualdade dos povos – era o seu próprio país dominado pelos russos; depois foi
o Papa Emérito que é o grande mestre, professor Bento XVI pregando – aquilo que
dizem é o que devem fazer. E o Papa Francisco já foi chamado duas vezes. Ora
bem, simplesmente a campanha contra a Igreja Católica neste momento é brutal.
Tem pecados, mas quando há pecados tem de se arrepender, condenar, absolver,
etc. Na nossa fé: perdoar. Mas como a circunstância, neste momento, é o
Terceiro Mundo contra os ocidentais: e quem foi que abençoou a ocidentalização?
É a razão em que ninguém fala. A luta contra os ocidentais inclui a Igreja. E
os católicos estão a fazer demonstração de perplexidade e dificuldades com esta
história da Amazónia.
Não sei se viu, o Papa convocou os Bispos, porque o
Brasil não é único dono da Amazónia. Há uns cinco ou seis e o Papa chamou os
Bispos e fez-lhes um questionário para ver como é que vai ajudar os nativos. E
até entre as perguntas perguntava se deviam admitir homens casados. E eu
percebi, porque me lembrei da história da lepra, porque quando apareceu a lepra
no século passado foi grave. Organizaram uma ilha no Golfo do México, que era
francesa, só para os leprosos e há um frade que se oferece. Mas há uma carta
dele – isto está num livro do médico que foi um bom escritor também, português,
Dr. Almerindo Lessa. O frade, com trinta anos, escreveu para a Ordem: “Irmãos,
eu sou jovem, tenho tentações, perdão, rezem por mim”. Veja bem. O Papa sabe
isto. E alguns vieram acusá-lo até de herege. E a estupidez, ainda por cima, é
que pela lei que ele está a utilizar, os Bispos não podem decidir nada. Ele fez
as perguntas. Ele tomará a decisão. Mas as perguntas, dizem alguns que são de herege.
Até aquele cardeal que está na cadeia, na Austrália, naquele conforto da
cadeia, dá-lhe tempo para divagar, chegou à conclusão de que é herege. Ora,
tudo isto é para lhe dizer: a circunstância é muito dura, é muito problema sem
experiência. Há Globo, mas não há governo do Globo.
E, depois, também aquelas vozes
encantatórias que, no fim da guerra, fizeram a Paz europeia, eram todos da
Democracia Cristã: da França, da Alemanha, da Itália. A democracia Cristã está
de rastos. Praticamente só está em Portugal, e só elegeu cinco deputados. E a
senhora Merkel está ligada, mas está a descer de poder, e esta coisa de
ocidentalizar o mundo é agora uma atacada aventura. Ora bem, nós tratemos mais
da situação de Portugal. Não há segurança do Atlântico sem Portugal; não há
luta contra a criminalidade marítima sem Portugal, mas é a situação que o
envolve e, mais uma vez, a minha convicção: os portugueses têm conseguido
lugares da vida internacional que não estão de acordo com os 92 mil quilómetros
em decadência. Tivemos a Presidência do Conselho de Segurança, da Assembleia
Geral da ONU, tivemos a Presidência dos Emigrantes – estão lá representantes muito
inteligentes. De onde é que vem este prestígio? Repare que não há missão militar
portuguesa, que não termine sem receber elogios… a capacidade da Instituição Militar
projeta-se na importância do país que não tem a força, tem a posição e a
inteligência e é por isso que a nossa diplomacia tem de ser muito boa e é muito
boa, muito competente! Mas já fui bastante claro sobre a nossa fragilidade,
neste momento.
Entrev. Não, não é.
O senhor professor é um sábio. Há pouquíssimos homens como o senhor professor.
Sinceramente, acho que já não há.
Prof. Doutor A.M.: Então estão a acabar. Com os
anos que eu tenho…
Entrev. O Museu da Língua Portuguesa é um projeto muito interessante e poderá
ser uma mais-valia a nível nacional e internacional no que à lusofonia diz
respeito. Gostaríamos de conhecer a opinião do Senhor Professor sobre este
assunto.
Prof. Doutor A.M.: Olhe, eu defendi muito essa
ideia antes de ser posta em prática. Até reuni dois congressos das comunidades
portuguesas no estrangeiro… uma foi cá em Portugal com iniciativa da Sociedade
de Geografia, e Coimbra e Braga. Criei a União das Comunidades Portuguesas no Estrangeiro.
Um foi cá em Portugal. Houve sessões excelentes. E agora há o grande problema
da língua. Veja a guerra civil que há aí por causa do acordo? Eu sou contra o
acordo, mas cumpro-o. Mas sabe porquê? Eu era Presidente da Academia das
Ciências, tinha que obedecer à lei. Mas protestei, porque “a língua não é
nossa, também é nossa”.
Entrev.: Eu também.
Eu sou professora e tenho que ensinar a norma.
Prof. Doutor A.M.: E eu representante da Academia,
responsável, não me dá jeito escrever de duas maneiras. De qualquer modo, fiz
um discurso muito firme. Penso muito seguro. Eu disse o seguinte: A língua não
é nossa. A língua, também é nossa. Porquê? A língua, consoante o lugar onde é implantada,
mistura-se com valores locais. E até tem como que regras. Quando há escravatura,
por exemplo, as vogais abrem-se para que o escravo perceba. Mas se ele
deturpar, o patrão, como o primeiro objetivo é ser obedecido, adota a
deturpação. Depois as comunidades não contactam com a mesma realidade. O Brasil
tem valores italianos, valores alemães, valores japoneses… e nós não temos.
Quando chegarmos ao Oriente, é a mesma conversa, mas a língua não é nossa. A
língua também é nossa. Nós transmontanos, temos palavras que os outros não
sabem. De maneira que eu encontrei esta regra que me parece verdadeira. A
língua não é nossa, também é nossa.
(Continua...)
Entrevista realizada por Maria e Marcolino Cepeda e Lídia Machado dos Santos
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