Até a neve veio fazer
pirraça, escarnecendo da nossa impossibilidade de lhe sentir a essência fofa e
a frescura que arrepia, depois de um Inverno sonso, mais quente do que é
habitual. Bem diz o povo que Fevereiro quente traz o diabo no ventre, expressão
do empirismo semi-racional que foi guiando as gentes durante milénios, sempre
sem garantir explicações sólidas das dinâmicas que a natureza nos vai impondo.
Verdade, verdadinha é que
anda tudo meio atarantado, a disfarçar cagaços para garantir a satisfação de
necessidades básicas, inadiáveis, que permitem subsistir, mas também se podem
transformarem ratoeiras infames, pelo menos são as novidades de todos os dias,
conduzindo à quase paranóia, com efeitos de que só conheceremos os resultados
se e quando a coisa parar ou se encontrar uma solução definitivamente
tranquilizadora para estes humanos que vão tomando consciência da sua
insignificância no cosmos, apesar das vaidadezinhas com que queremos encobrir
as misérias.
Pelos vistos resta-nos
esperar que a precaução, a disciplina e a comiseração nos ajudem e que tenhamos
tido sorte nessa roleta que é a genética, para virmos a atingir novos verões de
todos os contentamentos.
Depois alguém há-de
perceber que é estranho termos atingido os níveis conhecidos de desenvolvimento
técnico e científico e não desenvolvermos métodos de prevenção de situações que
sabemos possíveis, mesmo prováveis, tendo em conta o registo histórico.
Chegando-nos agora a uma
observação mais próxima da condição dos ocupantes que restam deste interior, onde
múltiplas tragédias nos têm assolado secularmente, havemos de confirmar o que gostaríamos
de ver reconhecido pelos responsáveis políticos: já não há forma de iludir o
estado a que isto chegou.
A população mais
vulnerável está aqui, os meios de contenção e combate à pandemia são, por cá,
os mais elementares e, pior, a concentração de idosos em verdadeiros
entrepostos de armazenamento, um problema grave há muito conhecido, pode
redundar agora, como se tem visto na Itália e na Espanha, numa situação que nos
inquieta e envergonha.
A solução para o fim do
percurso não devia ser tal amontoado de padecimentos, ansiedades e angústias.
Por outro lado, a
prolongada ausência de investimento na saúde nestes territórios coloca-nos
agora perante a impossibilidade de fazer o quer que seja, esperando pela
misericórdia divina que, provavelmente, não alimentará muitas ilusões.
À semelhança do que acontece
por esse mundo, onde se vão ouvindo vozes, torpes ou cruéis, a desvalorizar o
impacto da pandemia, suportadas na convicção de que o mundo não estará para
velhos, também poderá acontecer que de forma mais clara ou subreptícia, se vá
instalando o mesmo discurso a caminho de justificar o injustificável.
O tempo de Páscoa que
aí vem ainda era, em muitos casos, o momento de retorno às raízes, às
tradições, aos afectos das gerações que estão a chegar ao fim do caminho. Já
era ténue, mas ainda deixava marcas para vidas inteiras.
Neste ano e daqui em diante
podem estar a coser-se as razões para, a par do individualismo radical, se
perderem referências fundamentais para que possamos continuar a falar de
comunidades humanas e mesmo da própria humanidade.
Escrito
por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste
Retirado
de www.jornalnordeste.com
Sem comentários:
Enviar um comentário