A cada novo dia os sinais de alívio diluem-se rapidamente numa
torrente de novas angústias, incertezas, perigos afinal desconhecidos, ameaças
de segundas, terceiras ou quartas vagas, ao mesmo tempo que se anunciam decisões
de progressiva retoma da economia, que sem pão estará tudo a ralhar, mas ninguém
com razão.
Nota-se cada vez mais que a pandemia não foi encarada, a
nível mundial, com a necessária atenção, havendo mesmo tendência para
desvalorizar o fenómeno. A própria China terá tido responsabilidades, eventualmente
manipulando a informação como, aliás, é habitual em regimes políticos
autocráticos, ainda por cima com o peso económico e geoestratégico que ali se
atingiu.
Mais inquietante é que, nas últimas décadas, da globalização
triunfante, o comodismo europeu e ocidental em geral foi permitindo que
actividades básicas, agora reconhecidas de necessidade imediata, foram
deslocalizadas por empreendedores de sucesso para aquelas paragens, chegando-se
à situação de simples máscaras, zaragatoas, viseiras de plástico, protecções
para médicos, enfermeiros e auxiliares terem que ser importadas precisamente da
China, onde o mercado afinal funciona segundo as velhas leis da natureza, sem
lugar para honra e dignidade.
Como se não bastasse, o potencial fornecedor está, ele próprio,
com dificuldades de responder às solicitações, já que viveu um tempo de
inactividade prolongada em muitos dos seus centros de produção.
Instalou-se então um rosário de anúncios de aquisição de
equipamentos para amanhã, seguido de lamentações por causa de atrasos, de desvios, de roubos descarados, o que só
ajuda a regar as ervas daninhas do descrédito e da dúvida insidiosa, abrindo as
portas a todas irracionalidades.
A saga das máscaras também vai contribuindo para a
desorientação. Finalmente serão, pelos vistos, obrigatórias em locais fechados.
Mas não as há. Voluntarismos que merecem aplauso estão a ajudar.
Alguns vêm dizer às gentes que as podem fazer em casa, sem
perceber que nas sociedades actuais, urbanizadas, habituadas a dispor de uma
multiplicidade de serviços, na maior parte dos casos as famílias não estão
equipadas com instrumentos básicos que eram característicos há meio século,
como seria o caso de máquinas de costura e, principalmente, ter aprendido a trabalhar
com elas, o que torna ridícula tal sugestão.
Ver-se-á, nos próximos dias, se os cidadãos poderão adquiri-las
ou se, mais uma vez, o caos lançará enigmático sorriso sobre o horizonte da
nossa melancolia.
Tendo em conta a informação possível parece que o país está
a conseguir, apesar de tudo, resultados melhores do que outros parceiros de
caminhada nesta Europa que não mostrou ser capaz do que dela se esperaria:
organização, solidariedade, estratégia concertada e investimento suficiente.
Assim, a pretensão de que neste extremo da Eurásia se atingiram
níveis civilizacionais exemplares e de que o mundo só ganharia em pôr os olhos
em nós, aparece como expressão de soberba enfatuada, que nos devia reconduzir ao
remorso e à reflexão séria sobre as responsabilidades que nos cabem antes,
durante e depois desta tragédia.
Escrito por Teófilo
Vaz, Diretor do Jornal Nordeste
Retirado de www.jornalnordeste.com
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