O que mais dói é ver a Primavera
a fugir de nós, quando sempre a celebrámos como garantia de renovação da
vida, pelo menos para mais um ano, ou cem, tudo dependia do sol, das flores e
das folhas tenras que, a cada manhã, nos amparavam o ânimo.
As folhas e as flores aí estão,
serenas, sem vaidades, como sempre. Nós é que não estamos com os mesmos olhos
da alma, que se fica triste como a noite ou se deixa tomar pela raiva que
transparece sempre da resignação, mesmo se sabemos que o que acontece tem ou
há-de ter uma explicação racional e se não nos tivéssemos deixado enredar no
comodismo, na displicência, na lassidão, poderíamos estar a encarar a
situação com outra tranquilidade.
De facto, pelo menos os mais
informados, sabíamos que havia grande probabilidade de que surgissem pandemias,
porque a natureza é como é. Alguns foram alertando para ciclos observáveis ao
longo do tempo e não faltou quem dissesse que cada século traria algumas
perturbações, mais ou menos tremendas.
Até se fizeram filmes sobre o
assunto, que agitaram as gentes, abriram os portões da adrenalina, provocaram
arrepios e respirações ofegantes. Ao mesmo tempo alimentou-se difusa ideia de
que poderia haver gente maléfica, a mandar em parte do mundo, ou nele todo,
que estaria a dar-se a caprichos diabólicos e a deliciar-se com uma situação
do género. Mais uma forma de tentar iludir as probabilidades reais de um
fenómeno que, objectivamente, poderíamos ter sob um controle preventivo mais
apertado e, por isso, mais eficaz.
Poderíamos, naturalmente, todos
os que estamos por este mundo, mesmo se temos que reconhecer que há bastante
tempo não se conheciam tão notórios retrocessos nos modelos de gestão política
das comunidades, dos estados e, por consequência, na dificuldade de encontrar
soluções solidárias, num mundo que esperávamos estivesse a encaminhar-se
para mais dignidade, depois de experiências, do último século, que demonstraram
as misérias de que somos capazes.
Quando chegam notícias da
verdadeira selva que têm sido, a nível internacional, os negócios dos
equipamentos de apoio à recuperação e de prevenção da infecção, não estamos
longe do aguçar das unhas e do arreganhar dos dentes entre grupos rivais de
símios numa qualquer floresta, real ou imaginária.
Os protagonistas são quase
sempre os mesmos, mas o inquietante é que recolhem o apoio de milhões de trogloditas
que os legitimaram, em sistemas confundíveis com esse modelo nobre, construído
penosamente ao longo de séculos, a que chamamos democracia.
Entretanto, continuamos a
confrontar-nos, todos os dias, com notória dificuldade de acesso a informação
sólida, o que prejudica a serenidade, talvez a arma fundamental para não
darmos campo ao pânico e à instalação do caos, que não aproveitam a ninguém.
Esperemos que os procedimentos
dos responsáveis nacionais nos levem a porto seguro, donde nos seja possível
encarar o horizonte com a profundidade que impeça o florescimento da desconfiança,
o avolumar dos temores e, principalmente, que não nos deixe tomar pelo desespero
.
Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste
Retirado de www.jornalnordeste.com
Sem comentários:
Enviar um comentário