Um
jornal que sai à terça não pode alhear-se do carnaval, abanão milenar na ordem
social que, em cada tempo, vai enquadrando as sociedades.
Os
carnavais, para além da erupção controlada de “sulfurosos vapores infernais”,
têm vindo a ganhar também uma função de purgante, aliviador do imediato
político, que se traduz em fazer dos figurões responsáveis autênticos bombos da
festa.
Com
as exéquias de entrudos, momos, até do pobre bacalhau, o mundo parece querer
voltar à sua desejavelmente compassada marcha, ordenada e obediente, sejam quem
forem os mandadores.
Afinal,
viver o carnaval não é muito mais do que partilhar o sorriso, andar de braço
dado com o sarcasmo e sonhar com luxúrias e gulas, que esperamos vejam o mal
que fazem perdoado pelo bem que sabem.
Problema
mais complicado é quando vamos percebendo que já há quem não conceba a vida
senão como um permanente carnaval, realizando todos os dias permanentes
mascaradas, com farsantes a acudirem, frenéticos, a cada esquina. O mundo tende
a tornar-se uma verdadeira paranóia, onde não haverá condições para distinguir
a humanidade da selva, que é como quem diz a racionalidade do instinto ou a
construção do futuro do rebolar no esterco de uma pocilga roncante.
De
que outra coisa se poderá falar quando nos confrontamos com um episódio, à
primeira vista ridículo, como foi o desaparecimento, do Comando Nacional da
Polícia, de 57 armas, com os respectivos estojos, algumas encontradas nas mãos
de facínoras, por cá, outras por Espanha e até em Ceuta, a cidade que foi nossa
até 1580 e hoje continua sob administração de “nuestros hermanos”? Se não é um
passe carnavalesco, então a sociedade está doente a um ponto que já não
encontrará remédio. Só na América latina profunda, das repúblicas das bananas e
dos coronéis tapioca se poderá encontrar paralelo para semelhante humilhação do
Estado de Direito. Ou na África dos senhores da guerra, onde os instrumentos de
morte circulam ao ritmo macabro do genocídio.
Olhando
com atenção para o nosso contexto, de nada vale ficarmos de boca aberta, como
acontece aos patêgos. Este foi somente um sinal, entre muitos, da degradação a
que vemos chegar a comunidade. Quando um ex-primeiro ministro é suspeito de
tudo o que se tem ouvido, quando um ex-presidente da República e ex-primeiro
ministro fez carreira política de braço dado com gente sem escrúpulos, que se
serviu gulosamente das funções políticas para seu exclusivo proveito, quando os
deputados se ocupam na preparação de truques para iludir os cidadãos, em vez de
esclarecerem com frontalidade os actos e os efeitos das suas decisões e das do
governo do país, estamos a atingir o grau zero da dignidade e, por isso, não
admira que rapidamente se caminhe para o caos social.
Então
se perfilarão arautos de novas ordens que, a pretexto de travar o Carnaval
permanente, não deixarão lugar à liberdade, que é a condição primeira para uma
vida que valha a pena ser vivida.
Escrito por Teófilo Vaz
(Diretor do Jornal Nordeste)
Retirado de www.jornalnordeste.com
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