quinta-feira, 27 de março de 2025

Transparência


O sol, serenamente, aquece horas vãs
que insistentemente presenteiam as manhãs
que não são minhas nem tuas...
não são de ninguém
 
De mãos dadas, caminho, talvez, mais um dia
fecho os olhos como se fosse dormir...
Espero. Não sei o que devo esperar
se a infinitude do tempo
se uma hora de magia...

E a água, lampeira, galga pequenos remansos
do pequeno rio que corre apressado
coberto de diamantes,
 lapidados pelas fadas das fontes

Onde ficam as minas das almas risonhas,
que querem ser colares de gotas transparentes?

 Se a transparência existe
porque é que insiste, este meu coração,
continuar triste, quando eu digo que não?

Fotografia e texto: Maria Cepeda

quarta-feira, 12 de março de 2025

Continuação da entrevista realizada ao Dr. Fernando Calado


          (F.C.): Eu disse-lhe, por favor, tenho sete anos de música no seminário, mal será que eu não saiba ensinar uma nota. “Queres vir para Bragança?” No dia seguinte estava em Bragança a leccionar Música. Entretanto, na Escola do Magistério, faltava um professor. Não arranjavam um professor de Movimento e Drama. Ninguém sabia muito bem o que era isso.

(M.C.): Acho que aí está o teatro, não é? (Risos)

(F.C.): O teatro de Milhão, mais o curso de teatro que eu tinha feito com a Seiva Trupe no Porto.

(M.C.): Ah! A vida é cheia de coincidências. Estava tudo preparado para calcorrear o caminho. Maravilha! 

(F. C.): Encontro o diretor do Magistério Primário e dou-lhe a informação sobre a minha ligação ao teatro. Ele diz-me que também tenho que pedir ao Padre Marcelino para ir para o Magistério. Deixo o ciclo, onde dei três ou quatro horas e fui para o Magistério. Então, essa é a minha vida profissional com o curso de movimento e drama no Magistério. Entretanto, comecei no ensino oficial. Corri meio mundo. Um professor no ensino... O ensino no ciclo preparatório, no ensino secundário. No Penedono, Macedo de Cavaleiros, Valpaços, Chaves. Meio mundo. 

(M.C.): É o que acontece aos professores, não é?

(F.C.): O que aconteceu é que eu estava na escola secundária Abade de Baçal que se chamava Escola Secundária da Sé e no ano seguinte abriu o estágio. Comecei a trabalhar no estágio que se chamava Formação em Exercício. Ao cabo de dois anos, tinha o estágio feito. Pedi uma vaga para professor e disse ao diretor que se eu fosse para a Escola Secundária da Sé, agora Abade de Baçal, que eu iria abraçar a profissão de professor, como professor efetivo.

(M.C.): E na sua área?

(F.C.): E na minha área eu seria o mestre. Andei lá vários anos até que fui convidado a exercer o cargo de Delegado dos Assuntos Consulares.

(M.C.): E o que é que faz um Delegado dos Assuntos Consulares?

(F.C:): Sobretudo acompanhava as questões da imigração. Os imigrantes, ao invés de tratarem determinados assuntos nos consulados da Europa ou nas embaixadas, podiam tratar aqui em Bragança na Delegação dos Assuntos Consulares. 

(M.C.): Podiam fazer o mesmo agora… 

(F.C.): Exatamente. E portanto, sobretudo no verão fazíamos uma ação interessantíssima com algum regionalismo (24:05) na fronteira de Quintanilha. Comprávamos uma vitela e estávamos lá oito dias recebendo os imigrantes, fazendo publicidade, dando cartazes, dando informações e oferecendo a carne assada. (24:24) 

(M.C.): Eu recordo-me disso. Falavam sempre na rádio e na televisão. Foi uma ação extremamente interessante porque os imigrantes sentiam-se acarinhados, não é?

(F.C.): Era uma organização pequeníssima. Só era eu como Delegado e uma secretária que funcionava na Almirante Reis. Mas foi importante porque era um espaço onde os imigrantes podiam tratar, não de todos os assuntos, mas de determinados assuntos. Entretanto, a Dr.ª Olema que era a Coordenadora do Centro da Área Educativa de Bragança (CAE) aposentou-se e convidou-me para aceitar o lugar. Aceitei e estive cinco anos no CAE como Coordenador. A partir daí voltei ao ensino e fui para a Escola do Magistério onde estive quatro ou cinco anos como professor de pedagogia. Fui para o Instituto Piaget também a lecionar durante alguns anos. Acabei por regressar à escola Abade de Baçal até que me propuseram ir para o Centro de Formação Profissional (CFP) organizar o serviço. Dar alguma ajuda e eu aceitei. Só que em vez de ter sido meio ano, foram oito anos como diretor de uma empresa.

Entretanto, cheguei à fase, em que, pela idade,  me podia aposentar. Regressei à escola secundária Abade de Baçal onde me aposentei e terminei a minha vida académica.

Portanto, além da atividade como docente e em várias rádios, também dirigi uma revista que o Marcolino tão bem conheceu e onde tanto trabalhou, Os “Amigos de Bragança”, onde colaborei assiduamente no “Mensageiro de Bragança” com artigos de opinião, enfim… Tive uma boa vida no concelho da Bragança. Enfim, foi uma vida bastante preenchida, muito rica. 

(M.C.): Sem dúvida uma vida muito interessante. Os seus dias deviam ter mais horas do que os nossos. Foi uma vida bastante intensa. Publicou com assiduidade artigos de opinião e textos literários em vários jornais e revistas. Participou em programas de rádio, realizou diversas palestras, conferências, ações de formação e foi ainda diretor e proprietário da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”. Fale-nos dessa experiência…

(F.C.): De facto, a minha vida literária começou, efetivamente, no “Mensageiro de Bragança”. Na faculdade, publiquei um livrinho pequenino, de poesia “Bragança” que me trouxe alguns dissabores… fui considerado revolucionário para a altura. A doutrina social da igreja, que, efetivamente, na altura, tinha alguma dinâmica que depois chamaríamos… censura(?)Depois disso, colaborei com assiduidade no “Mensageiro de Bragança”, e, mais tarde, fiz os “Amigos de Bragança” que teve uma história interessantíssima e que se perdeu. 

CONTINUA...

domingo, 9 de março de 2025

Continuação da entrevista realizada ao Doutor Fernando Calado

(F.C.): Vinte contos era uma fortuna!

(M.C.): Uma fortuna!

(F.C.): Nós ficámos com o cheque, mas ninguém acreditou que aquilo tivesse algum valor. Só quando vimos o dinheiro na mão é que acreditámos. Portanto, foi, de facto, a raridade. Portanto, em Trás-os-Montes não havia tantos grupos de teatro assim, o que significava que era uma raridade. E, portanto, foi um património importante na aldeia. Ainda hoje, os mais idosos falam no teatro e na saudade que têm desse tempo do teatro.

Hoje, com o progresso que temos, com as possibilidades que há, não seria possível manter um grupo de teatro em vez de uma cadeia? Na altura era uma pequena fortuna. Mas é pena que não haja quem pegue outra vez na ideia. Aliás, há um organismo que capitulou e teve uma importância enorme na divulgação do teatro e da cultura em Trás-os-Montes, que foi o FAOJ (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis). E o FAOJ foi, de facto, um organismo que criou muitos grupos de teatro, muitos grupos folclóricos, muitos grupos de leitura, mas não só. Hoje, praticamente, a dimensão cultural, a divulgação cultural é inexistente nas nossas aldeias.

O que é que existe? Uma casa do povo, com um bar, com umas festanças, com umas jantaradas, com um pouco mais do que isso. 

(M.C.): Faz-se a festa dos santos que são os oragos e mais nada.  

(F.C.): O aspecto cultural, praticamente, é inexistente.

(M.C.): O que é uma pena. Era bom que alguém lhe pegasse novamente.

(F.C.): Que lhe incutisse uma dimensão cultural, uma política de dimensão cultural… Não há. É uma pena. 

(M.C.): Continuando. Enveredou pela Filosofia, como já disse. O que o levou a seguir esse caminho, veio do Seminário? 

(F.C.): Sim, sim. Aliás, o seminário tinha três secções. Quando se entrava para o seminário, fazia-se o curso de humanidades. No sexto ano passava-se para a secção de filosofia. Portanto, sexto, sétimo, filosofia. Depois, oitavo, nono, décimo segundo, filosofia. Portanto, embora a filosofia que se ensinava nos seminários, embora fosse uma filosofia tomista, ou seja, a filosofia de São Tomás de Aquino, na tradição aristotélica, mas era levada muito a sério. E não há dúvida nenhuma que, embora a filosofia fosse inspirada na filosofia grega, mas dava muita bagagem em termos de formação filosófica. E, portanto, para mim, era mais do que natural tendo eu o sétimo ano do seminário, que a saída natural seria ir para a Faculdade de Filosofia de Braga, onde fiz o primeiro ano. Com a bagagem que eu levava do seminário, consegui fazer num ano, em Braga, dez cadeiras. O que significa que no segundo ano pedi transferência para o Porto e a grande maioria das cadeiras da Faculdade de Filosofia do Porto já as tinha feitas, o que significa que depois passei mais quatro anos no Porto e vim fazendo umas cadeiras ou seminários, etc.

Mas a minha formação verdadeira foi o Seminário e a Faculdade Filosofia de Braga dos Jesuítas, que é onde se aprende Filosofia.

(M.C.): Também os jesuítas. Ora, muito nos ensinou já. Permita-me que passe à próxima pergunta. A sua vida profissional está profundamente ligada ao ensino e à coordenação de órgãos diretivos relacionados com a sua formação académica, mas não só. Fale-nos do seu riquíssimo percurso. 

(F.C.): Eu terminei o curso na Faculdade de Filosofia do Porto. Entretanto, interrompi para ir fazer o Serviço Militar e quando saí do Serviço Militar, ainda me faltava uma cadeira ou duas para ter a licenciatura. Já tinha o bacharelado. Portanto, fui terminar a licenciatura e foi curioso como comecei a minha vida profissional. Estava no Porto a terminar o curso e apareceu lá o Padre Marcelino, o Diretor do Ciclo Preparatório que não era capaz de arranjar um professor de música.


CONTINUA

quinta-feira, 6 de março de 2025

Dr. Jorge Ferreira lança dia 13 de março mais um livro...

 Jorge José Alves Ferreira nasceu em 18 de janeiro de 1959, na aldeia de Dorna, na freguesia de Póvoa de Agrações, concelho de Chaves. 



quarta-feira, 5 de março de 2025

O PÃO BRAGANÇANO (DEIXAR O PÃO FALAR)Texto e fotografias retirados de: www.cm-braganca.pt

O Auditório Paulo Quintela foi palco, esta manhã (2025/03/03), da Conferência “Pão Bragançano - Deixar o Pão Falar”, uma iniciativa que reuniu especialistas, padeiros e chefs para debater o presente e o futuro da panificação em Portugal.

Integrado no Festival do Butelo e das Casulas & Carnaval dos Caretos, o debate destacou o papel essencial do pão na cultura e identidade nacional, com particular destaque para a tradição do pão transmontano.

A sessão de abertura contou com a intervenção de Miguel Abrunhosa, Vereador da Câmara Municipal de Bragança. Seguiu-se uma entrevista conduzida por Paulo Amado a Elisabete Ferreira, recentemente distinguida como “Melhor Padeira do Mundo”, pela União Internacional de Panificação e Pastelaria, e galardoada com a Medalha Municipal de Mérito, pelo Município de Bragança. Depois, teve lugar uma apresentação do investigador e gastrónomo transmontano Virgílio Gomes, sob o mote “O Pão Bragançano”. Posteriormente, André Magalhães moderou uma conversa com Amândio Pimenta, membro dos Ambassadeurs du Pain. O encerramento ficou marcado pelo debate “Pensar o Pão em Portugal”, moderado pela jornalista Catarina Moura, com um painel de especialistas, composto por Olga Cavaleiro (investigadora de gastronomia), Luís Afonso (proprietário da Moagem do Loreto) e Lídia Brás (chefe do Stramuntana, em Vila Nova de Gaia, com raízes em Miranda do Douro).

A iniciativa procurou reforçar a importância do pão, não apenas como alimento, mas como património cultural, cuja preservação e valorização são fundamentais para a identidade gastronómica das regiões.



 

 



DEIXAR O PÃO FALAR

Organização Edições do Gosto com o apoio da Câmara Municipal de Bragança


terça-feira, 4 de março de 2025

Jorge Morais - Personagens (12) - Carnaval 1997



Acho oportuno regressar a um carnaval de há quase 30 anos aqui em Bragança (exatamente do ano de 1997): São pessoas locais com atitudes ou poses de participação, cansaço ou resignação após uma grande folia.

Jorge Morais



Carnaval 1997 - Foto1

    Neste animado carnaval na Bragança dos anos 90, aonde ainda havia amostras de carnaval popular de características mais ou menos espontâneas, fotografei este rosto espreitando do interior de um grande saiote de flanela preta que correspondia à parte inferior de um enorme gigantone que o portador fazia agora descansar em plena praça Cavaleiro de Ferreira. Quis o transportador, nesse momento, certamente também apreciar o que se passava à sua volta, aonde havia outros protagonistas e povo que observava com interesse, embora, ele próprio mostrasse um certo recolhimento ao encobrir todo o resto do seu corpo. Este Bragançano fazia-se notar amiúde pela sua militância nas festividades da cidade e, muitas vezes, incentivado ou angariado para tal fim pela própria Câmara Municipal de Bragança. 

    Uma pessoa também criativa que um dia me abordou e, delicadamente me entregou um cartão pessoal bem impresso e concebido em que se apresentava como executor de serviços de "limpa-chaminés". E esta?... Talvez o primeiro que formalmente se apresentava como tal numa cidade aonde as procuras e as ofertas neste sector de serviços domésticos a particulares eram tipo passa-palavra.




Carnaval 1997 - Foto 2

    Para esta foto e a seguinte ocorreu-me de imediato um título para elas: "Restos". Efetivamente era quase o final da tarde fria daquela terça-feira de há 27 anos quando este personagem, de que não sei a identidade, após correr e esgalhoufar pelas ruas da cidade foi, finalmente, ancorar o costado e o rabo num grande vaso de cimento que servia de separador mais do que de floreira ou base de um raquítico arbusto. A sua atitude corporal, com a fatiota e a máscara simiesca, em conjunto, denotando um certo e estranho alheamento à sua volta e cansaço também, o que parecia até contraditório, com o espírito de um dia de carnaval (talvez não tanto assim, pois que a quaresma está à porta e há quase que um aviso de pecado ou soturnidade associado também ao dia e tempo, que quase sempre aqui em Bragança estás climaticamente careta - falemos então de uma ressaca do próprio tempo de carnaval...). 
    Este sentir e observar despoletou em mim, num reflexo, o interesse visual desse antagonismo, acrescentado ainda pela atitude do fotografado olhar para o tomador da imagem também contraditoriamente: patenteando um certo laxismo do corpo em repouso mas, ao mesmo tempo, um enfoque frontal da sua máscara algo intimidatória e remetendo-me para o universo de algum filme como "O Planeta dos Macacos", aonde pululam grupos de macacos agressivos (embora também outros grupos civilizados, diríamos).




Carnaval 1997 - Foto 3


    Esta foto é aquela que mais me conduz para o título de "Restos". Efetivamente o rosto da criança e o molho de serpentinas que a mesma angariou lentamente do chão da praça, fala-nos de uma certa apatia emocional talvez abandono e que aquele molho parece suprir na condição de um pequeno troféu festivo. Efetivamente era uma criança que se via muitas vezes sozinha.
 

No momento certo, na hora exata!
              
Três imagens elucidativas do carnaval de outros tempos, feito com o que se podia arranjar e com o intuito de brincar, esquecendo regras.

Era preciso ser feliz pelo menos três dias por ano. Na quarta feira de cinzas haveria a penitência e o perdão. "És pó e em pó te tornarás".

Obrigado Jorge pela contextualização das fotografias. É muito interessante a forma como "nos explicas" estas imagens cheias de pormenores significativos que nos transportam, sem dúvida nenhuma, para outros tempos tão diferentes dos de agora.  

Maria e Marcolino Cepeda

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

25/02/25


Se hoje não fosse o dia 25/02/25 com a musicalidade inerente às repetições sonoras... não escreveria isto.

Amanhã não escreverei com certeza sobre o mesmo. 

O dia é outro, novo, único ou não, se houver coincidências. 

Mesmo assim, não será irmão.

Não demora a meia-noite neste país, agora. No Brasil, quatro horas demora ainda. 

Poderei falar com a minha prima Armandina que vai jantar agora... mas não será o mesmo, não.

Aqui é inverno. 

Lá é verão. 

Tenho saudades dela e do seu irmão. 

Tenho saudades do verão.


Maria Cepeda

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Jorge Morais - Personagens (11) - Jovens pastores no parque de Montesinho


Numa destas manhãs gloriosas de geadas e até neve a luzir no cume do monte espanhol próximo de "La Tejera", apanhei estes dois jovens pastores das aldeias de Maçãs e Fontes Transbaceiro que se amparavam ao respetivo cajado enquanto o sol intentava romper a bruma dessa manhã gélida. 

A simetria dinâmica com que se encostavam chamou-me de imediato a atenção e, apresentando-me, pedi-lhes se podia tirar-lhes a foto o que aceitaram sem se descomporem, isto é, ficaram tal como estavam, o que foi bom. 

Digo com franqueza que o momento lumínico e ambiental vivido era ainda muito mais cativante do que a foto poderá transmitir. A geada no chão mais branca e texturada, o sol de nascente e muito baixo iluminando o rosto dos jovens, as varas e o dorso das ovelhas com muito contraste, as árvores do souto no montículo de fundo apresentando a evidência de alguma neve criavam uma atmosfera tipicamente do nosso reino, quer dizer do Trás-os-Montes a sério, aquele a que desde há muito nos habituáramos.

Os rostos e o corpo dos jovens também caracterialmente e compositivamente interessantes. A postura muito semelhante em ambos embora em contraponto, destacando-se ainda o modo como replicam o mesmo modo de sujeitar o cajado por debaixo dos braços cruzados; no rosto, o mais velho, evidencia um sorriso frontal e de confiança (apesar do pau na mão...); o outro, mais novo, ligeiramente atrás, não consegue desmascarar um olhar mais franzido e semblante algo carregado, como que perguntando: 

- Quem é este? 

Pois bem este era o Jorge Morais com a sua velha nikon FM2 que quis madrugar tanto, pelo menos, como estes pastores, e digo, estava um frio de rachar. Felizmente a máquina era robusta e o filme que eu próprio revelei minimamente cumpriu.

Jorge Morais


P.S.: Olá meninos, aí vai uma foto a combinar com os tempos de inverno que agora aparece, nomeadamente a geada e a neve. Espero que gosteis. (Jorge Morais)

Olá Jorge. Linda fotografia. Conseguiste captar o momento exato, perfeito, único da inocência camuflada de uma manhã gélida, na franqueza do olhar ofertado pelos dois jovens pastores. Assim nascem momentos únicos que fazem a diferença e nos tornam felizes e agradecidos pelo privilégio de estarmos aqui. (Maria e Marcolino Cepeda)

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Continuação da entrevista realizada ao Dr. Fernando Calado



Recordo-me, na minha juventude, quando o Carlos Pires, no Cantinho dos mais Jovens, publicava uma poesia minha, para mim tinha um valor, um património, um reconhecimento para além do que seria normal. Eu escrevia imenso no Mensageiro, mas era mais uma peça que não valorizava. Não valorizava tanto.

Quando a poesiazinha saía pela mão do Carlos Pires, para mim tinha um valor enorme. Porquê, efetivamente, já tinha letra redonda no jornal. E o jornal valia.

Conto, a propósito do jornal, o caso do tio José Maria, da minha aldeia que comprava o jornal todos os meses, e num desses jornais vinha o rapto do navio Santa Maria pelo Henrique Galvão. Leu-se na aldeia a notícia no jornal, mas o tio José Maria não voltou à cidade tão depressa. Portanto, para a comunidade de Milhão, o barco nunca mais apareceu. Porque nunca leram o jornal que dizia que o barco tinha sido resgatado. Naquele tempo o valor que tinha a imprensa era incrível. Na altura dizia-se: "Veio no jornal!" E ninguém duvidava que tinha vindo no jornal e que era verdade.

Mas, se calhar, isso fez uma diferença muito grande para muita gente. O jornal “Mensageiro de Bragança” foi, de facto, uma escola importantíssima na construção, na visualização e na divulgação de muita gente que hoje está no mundo das letras. Foi aí, que fez a sua aprendizagem. 

(M.C.): Sim. Eu não sabia, não conhecia o jornal “Mensageiro de Bragança”. Aprendi com o Marcolino que me falou do “Mensageiro” e de toda a juventude ligada a ele. Tudo o que vocês fizeram, do que escreviam e daquilo que se publicava. Numa determinada altura, por indicação do Padre Sampaio, foi obrigado a escrever com pseudónimo, porque tinha publicado qualquer coisa no jornal que o Senhor Ministro do Interior, Dr. Rapazote, entendeu que não era adequado.

(F.C.): No meu caso, ainda era mais difícil publicar no jornal porque era seminarista. Significa que era preciso ter, por um lado, cuidado com questões políticas, por outro lado, com questões da sexualidade, nomeadamente do amor.

O que quer dizer que publicar um poema amoroso podia ser motivo de expulsão. Portanto, era, de facto, um seminário conservador onde eu vivi alguns anos. Fiz uma grande aprendizagem. Na minha idade, por várias razões. Na literatura, onde se lia muito, porque não havia televisão, nem havia entretenimento. Ao nível da filosofia, e, na minha idade, a camaradagem. É que nós éramos os primeiros a enunciar coisas que eram próprias da época e que, mais tarde, teve efeito. 

(M.C.): Sim. Foi uma escola, sem dúvida. O meu marido, Marcolino Cepeda, recorda-se de uma peça de teatro de que gostou muito, levada a cabo em milhão, a que assistiu com o Padre Sampaio, em que todas as personagens eram representadas por homens, a exemplo do teatro grego, e que ele, com o pseudónimo de José Valverde, escreveu um artigo no jornal Mensageiro de Bragança. Lembra-se? 

(F.C.): Sim. Milhão foi uma das poucas aldeias que nessa altura, teve um grupo de teatro, que foi dirigido por mim, como estudante, como seminarista, e como pessoa que gostava de teatro. Portanto, durante meia dúzia de anos ou mais, tivemos um grupo de teatro ativo, que só funcionava no verão. Mas, no verão, corríamos várias localidades a apresentarmos esse teatro, chegando a vir à Torralta. No início, Marcolino tem razão, é só um grupo de teatro de homens. Porque não era muito saudável, muito reconhecido, que as mulheres tivessem uma exposição pública dentro deste machismo bem transmontano.

Finalmente, conseguimos abrir esse preconceito e chegamos a representar peças que entravam nas cenas de filmes, nomeadamente a “Casa de Pais”, grandes dramalhões, com a plateia toda a debulhar-se em lágrimas. E o teatro chegou a ter tanta importância que, quando foi, no 25 de Abril, nas célebres campanhas de dinamização cultural do MFA (Movimento das Forças Armadas), foram um tenente  e umas praças a Milhão a saber do grupo de teatro, porque lhe tinham dito que era um grupo de teatro revolucionário e eles precisavam de um grupo de teatro para as campanhas de dinamização cultural.

O tenente perguntou: “Quem é o responsável pelo teatro? Respondi: “Sou eu.” “Quanto é que o camarada precisa para manter este teatro?” Respondi: “Precisamos de dois ou três contos.” Disse o tenente a um dos praças: “Passa aí um cheque de 20 contos ao camarada.”  

CONTINUA

Maria e Marcolino Cepeda

45ª edição da Feira do Fumeiro de Vinhais superou expectativas (Publicado em 10/02/2025) (Escrito por Brigantia; Jornalista: Cindy Tomé)


Com várias toneladas de fumeiro vendidas, ultrapassando até os números do ano anterior, o certame confirmou, mais uma vez, a sua importância no panorama gastronómico nacional

A 45ª edição da Feira do Fumeiro de Vinhais voltou a ser um sucesso. Com várias toneladas de fumeiro vendidas, ultrapassando até os números do ano anterior, o certame confirmou, mais uma vez, a sua importância no panorama gastronómico nacional.

Entre os 70 produtores de enchidos presentes no certame, dos quais 50 são do concelho de Vinhais, o balanço das vendas revelou-se muito positivo.

Iara Monteiro contou que por volta das 15h já tinha “quase tudo vendido” e acrescentou que “a feira ultrapassou as expectativas”.

“Quinta e sexta-feira são sempre dois dias mais calmos, mas depois sábado e domingo são dois dias excelentes. É uma feira onde se vende bastante produto”, contou outro dos produtores que expôs os seus enchidos.

Já Diogo Pires afirma que, no sábado, esteve “acima das expectativas”. “Acho que foi uma grande aposta do município escolherem o Tony Carreira porque acabou por atrair muita gente, mas está a ser muito bom e está a cumprir as expectativas, até a superá-las. As alheiras estão, praticamente esgotadas, ainda temos de tudo, mas as vendas correram bem e é isso que nós faz vir até aqui”, contou.

O presidente da Câmara Municipal, Luís Fernandes, afirma que o número de visitantes foi elevado e garante que o número de vendas superou os valores do ano anterior.

“O balanço é extremamente positivo, não só pelo número de pessoas que vieram à feira, mas também pelas vendas, pela forma como decorreu a feira. Repare, ainda faltam quatro ou cinco horas para o encerramento da feira, e já há muitos locais que estão completamente esgotados. Isso é o melhor sinal. Correu bem, as pessoas venderam e, portanto, é, cada vez mais, um sucesso. Não temos ainda, digamos, um balanço completamente correto, sabemos é que foram vendidas várias toneladas de fumeiro, mais do que no ano anterior, e, se houvesse mais, mais se venderia, com certeza”, contou o autarca.

A Feira do Fumeiro de Vinhais deste ano começou na passada quinta-feira e terminou ontem. Contou com as atuações musicais de Ana Moura, Tony Carreira e DJ Kura.



segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

José Mário Leite apresentou “O Terceiro Milagre das Rosas” (Publicado no jornal "Mensageiro de Bragança")

 


O livro, de autoria de José Mário Leite, o Milagre das Rosas, é sobre Vila Flor, pessoas e história, e foi pretexto para homenagear o Pe. Leite, tio do autor, contando com a presença de Dom Delfim, Bispo Auxiliar de Braga, amigo próximo do homenageado. A apresentação aconteceu no dia em que se assinalaram 700 anos da morte de Dom Dinis.

Dom Dinis é figura central na história de Vila Flor, a ele se deve o seu nome que, batizando em 1286 a antiga “Póvoa d’Além Sabor” de Vila Flor.

O Rei Poeta, juntamente com a sua mulher, rainha Dona Isabel, são as figuras centrais do “Terceiro Milagre das Rosas”, uma narrativa que mistura factos e personagens reais com fabulação, fé e religiosidade com fantasia e premonições.

“A ideia original foi do meu tio, padre Joaquim Leite, que já não teve tempo de escrever a história e me incumbiu a mim dessa tarefa”, contou o autor, José Mário Leite na apresentação desta obra. “Ainda discutimos muito qual seria o título, o meu tio não era dado a exageros, tinha horror ao ridículo e eu tentei convencê-lo, recorrendo aos autores clássicos, que mais vale ‘o impossível que persuade, do que o possível que não persuade’, mas não o convenci”, recorda. A responsabilidade ficou nas mãos de José Mário Leite: “agora és tu que tens de descalçar a bota”, refere o autor recordando as palavras do tio.

E assim fez, usou “um milagre” altamente mediático para contar a história de amor de Dom Dinis e Dona Isabel de Aragão, com todo o exagero que de forma explícita sugere a recriação da “renovação dos votos de amor” entre os monarcas, num episódio que foi encenado pelo Grupo de Teatro Filandorra e apresentado durante o lançamento do livro.

Esta apresentação, para além da referência ao septingentésimo aniversário do Rei Dom Dinis, assumiu especial significado pela homenagem prestada ao autor da ideia do livro, o padre Joaquim Leite, figura muito estimada em Vila Flor, onde passou os últimos 16 anos da sua vida. Dom Delfim Gomes, Bispo Auxiliar de Braga, amigo próximo do Pe Leite, participou nesta homenagem, com um emotivo relado sobre a relação de amizade, companheiros e cumplicidade que existia entre ambos. “Era um Homem do Povo, que trabalhou para o povo, se inseriu na comunidade e viveu intensamente a sua cultura; era um Homem de Deus, uma pessoa singular; e era um Homem de Deus para os outros”, afirmou.

Este livro contou com o apoio da Câmara Municipal de Vila Flor. O presidente do Município, Pedro Lima, manifestou profunda “gratidão” a um homem que caracteriza pela “imensa bondade, disponibilidade e entrega absoluta”. Do legado que o Pe Leite deixou, o autarca destaca o “Hino da Nossa Senhora da Assunção” e também a concretização de um sonho, a aquisição de um órgão de tubos para o Santuário de Nossa Senhora da Assunção, onde atualmente as crianças do Concelho aprendem a tocar.

Homem de letras e da música, Pedro Lima refere que esta pequena homenagem foi mais uma forma de manter viva a memória do Pe. Leite recordado em Vila Flor pela sua alegria, simplicidade e bondade.


Retirado de www.mdb.pt

GNR avança com “e-Guard” para socorro à população sénior (Retirado de www.mdb.pt)


O comando territorial da GNR de Bragança vai implementar ao longo de 2025 o projeto “e-Guard”, de forma a prestar o auxílio imediato à população mais idosa que vive isolada ou em situação vulnerável neste distrito.

“O projeto ‘e-Guard’ está inserido numa estratégia que está no alinhamento da Guarda Nacional Republicana (GNR) para o ano de 2025, no distrito de Bragança, que está focada nas pessoas, no âmbito da prevenção criminal e policiamento comunitário, como prioridades”, indicou o oficial de relações públicas do comando da GNR com sede em Bragança, Vítor Romualdo.

O projeto “e-Guard” assenta num equipamento eletrónico que procura desenvolver uma resposta integrada de segurança, ação social e saúde, especialmente dirigido às pessoas mais vulneráveis, como “uma resposta eficaz no socorro e apoio aos maiores de 65 anos”. “Este projeto já se encontra implementado em alguns comandos distritais da GNR, havendo agendamentos para alguns municípios dos distritos de Bragança, para o mês de fevereiro. A seleção das pessoas vai ao encontro dos idosos sinalizados durante a operação anual Censos Sénior, respondendo a critérios de dependência, incapacidade, solidão ou isolamento”, vincou este oficial da GNR.


Publicado por Francisco Pinto, 2025-02-06

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

REZINGA - Escritos dispersos (Livro publicado em 1999, composto por artigos de opinião, publicados em jornais da região)

Olá! Iniciarei, hoje, a publicação de alguns artigos do livro supracitado. O primeiro "Bairrismo", foi publicado no jornal "O Mensageiro de Bragança" em 19/11/93. A minha intenção é poder definir se ainda terão atualidade passados tantos anos. 

Esperamos feedback. Obrigado.

Marcolino Cepeda


BARRISMO

Diz-se de Bragança não ser bairrista, como se se tratasse de uma característica muito intrínseca, senão mesmo biológica, da sua população.

Parece-nos um tema interessante, não exatamente para aqui dissecar e aprofundar ou alongar com laivos de algum pretensiosismo de ordem psicológica ou social, mas antes para apontar determinados aspetos ou pormenores que, do nosso ponto de vista, poderão contribuir para uma análise mais alargada e que reputamos cada vez mais indispensável face aos tempos que correm e aos que virão e nos quais o nosso bairrismo está a ser posto à prova, de forma particularmente incisiva mas cuidada e objetiva e, provavelmente, determinante.

Obviamente não estamos a falar do bairrismo de bons e maus.

Também não nos referimos ao conceito de bairrismo ditado por uma expressão, de todos nós conhecida e que se me afigura ingénua e totalmente infundada.

Vamos ocupar-nos do esforço de uma região em vencer, por si própria, toda a espécie de dificuldades, a juntar às que lhe são impostas pela situação geográfica e pelos desfavores da natureza.

O que para nós é absolutamente fundamental é que, a partir de determinada altura, Bragança agitou-se, venceu o marasmo para que se tinha deixado arrastar e iniciou um percurso de desenvolvimento a vários níveis.

E é então que, a juntar-se àqueles que nunca se tinham conformado, surgem muitos outros e convictamente se começa a revitalizar e afirmar o nosso bairrismo. Revela-se um espírito verdadeiramente empreendedor, que se mantém, apesar de adversidades de vária ordem.

É a este dinamismo, a esta capacidade de gestão e de perspetiva, progredindo e fazendo progredir, que podemos chamar bairrismo.

Podemos chamar bairrismo a esforços individuais verdadeiramente notáveis, a juntar ao alargamento de implantação e o despontar de organismos e coletividades, todos eles voltados para a defesa dos melhores interesses da região.

Não sendo necessário recuar muito no tempo, surgem-nos exemplos bem significativos.

Desde finais do século passado, Bragança viu nascer ou acolheu personalidades marcantes das letras, das artes e do pensamento que impulsionaram o seu desenvolvimento a impor Bragança nos centros de decisão.

Muitos houve que, no seu esforço anónimo e desinteressado contribuíram para o desenvolvimento da sua terra.

E são esses esforços, a par de outros que, por qualquer motivo, mais se possam notabilizar, que constituem o verdadeiro suporte, a força que está sempre presente.

As décadas passadas marcaram o aparecimento de escritores que, pelo seu talento, se têm vindo a impor a nível nacional. É aqui, também, de assinalar os esforços que em várias ocasiões foram feitos para impor publicações cuja atribuição fundamental era a defesa da nossa terra.

Mas, num esforço de participação e empenhamento a vários níveis, outras coletividades têm surgido e se mantêm, por vezes, de forma atribulada o que é, aliás, comum, mas tendo sempre presente a necessidade de agrupar e trabalhar numa causa que torne mais agradável e útil o nosso quotidiano.

Tentamos, apenas, fazer uma breve abordagem ao esforço de muitos bragançanos que, ao longo dos anos se têm empenhado profundamente e têm dado o seu melhor na valorização deste espaço.

Muito desse esforço resultou inglório e tantas vezes mal compreendido. Mas, o que ficou é bastante e há de servir-nos sempre e, sobretudo como incentivo.

Continuemos, ainda, a falar do nosso bairrismo, aquele que entronca com a nossa personalidade coletiva, com a nossa forma de ser e de estar.

Por tudo isto, defendemos que bairrismo é lutar contra a mentalidade centralista e provinciana, que continua a imperar e a impor-nos receitas inadequadas e fora de prazo. Bairrismo é, por isso mesmo, a consciencialização de todos na assunção e defesa das nossas potencialidades, dos valores culturais que nos são próprios e que nos moldaram.

Bairrismo é, ainda, o sentimento comunitário das nossas aldeias que há que preservar, não como uma coisa fechada, mas procurando o equilíbrio com o progresso e o bem-estar convencional, mas ao qual, pensamos, se deve exigir que as populações tenham pleno acesso.  

Devemos ser bairristas na procura de uma melhor saúde, de um melhor ensino, de um desenvolvimento tecnológico e científico que permitam uma melhoria significativa das condições de vida das populações.

Assim, em jeito de conclusão, bairrismo é o sentimento comum pela nossa terra, entendido numa perspetiva de defesa das nossas potencialidades e valores culturais.


Amanhã



AMANHÃ

Amanhã de manhã acordarei antes que o alarme do telemóvel chame por mim.

É sempre assim... Acordo sempre antes de ti. 

Como todas as manhãs, far-te-ei um breve gesto de carinho.

Rir-te-ás, ao de leve, antes de dizeres: "Bom dia amor!"

Um efémero beijo nos lábios e levanto-me a sorrir como quem acorda num cálido dia de primavera.

Um duche rápido, visto-me confortavelmente para mais um dia de trabalho.

O sol brilha na janela, a geada espraia-se pelo espaço exterior. Lindo!

Levanta-te dorminhoco. O dia espera por ti. Há muito que fazer. Há muito que sorrir...

Anseio por dias felizes, por almas puras, por horas maduras...

Somos o sim onde impera o não.

Somos o bem onde vinga o mal...

Pergunto-te o que fazer e dizes: Não sei!

Não te preocupes. Juntos saberemos, talvez, dar-nos uma resposta.

Divago... Divagamos os dois como os grandes génios que nos suplantam, esses com mais certezas do que nós. Quem sabe?

O mundo, o nosso mundo segue o seu caminho.

Para onde? Não sei.

Será que se esconde? Onde?

Só o tempo o dirá…


(Texto e fotografia)

Maria Cepeda



sábado, 25 de janeiro de 2025

Entrevista com Dr. Fernando Calado (Excerto)

Maria Cepeda (M.C.): Estamos hoje, 13/01/2025, numa das salas do Centro de Fotografia Georges Dussaud para entrevistar o Dr. Fernando Calado, professor aposentado, jornalista, escritor, entre muitas outras atividades.

"O Centro de Fotografia Georges Dussaud, inaugurado em 2013, ocupa todo o primeiro andar do edifício Paulo Quintela. A já vasta coleção do centro integra fotografias oferecidas pelo fotógrafo francês resultantes de trabalhos realizados a solicitação do Município de Bragança, na sua totalidade a preto e branco. Este acervo fotográfico conta com retratos, de onde sobressaem histórias de vida, povoadas de homens, mulheres e crianças, mas também de lugares, de olhares, de gestos, de instantes irrepetíveis registados a cada rigoroso disparo da máquina fotográfica. O centro possui um espaço para a realização de exposições temporárias de fotografia." (Retirado do site da Câmara Municipal de Bragança".

Cabe-nos agradecer, à Câmara Municipal de Bragança, a cedência do espaço na pessoa do Dr. Alexandre.

Boa tarde Dr. Fernando Calado. Antes de mais, deixe-nos dizer que é para nós uma honra tê-lo cá. Agradecemos-lhe por ter aceitado dar-nos esta entrevista.

Dr. Fernando Calado (F.C.): Eu lembro-lhe que o Marcolino é um amigo de sempre e, portanto, está sempre no meu imaginário. Eu manifesto os meus agradecimentos à Mara e ao Marcolino. Portanto, é uma honra para mim ter esta entrevista.

(M.C.): Obrigado. Vou apenas apresentar os seus dados biográficos e depois avançamos para as perguntas. 

Fernando do Nascimento Rodrigues Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto, tendo cursado Doutoramento em Sociologia. É Professor aposentado de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal, em Bragança, e foi ainda docente na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional), em Bragança.

Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários jornais e revistas, e participou em programas de rádio. Realizou diversas palestras, conferências e ações de formação. Foi diretor e proprietário da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.

Obras publicadas

Poesia: Verdes de Sangue – 1973; Teatro: A última esperança – 1990; Coordenação de Biografias: O Bispo da Catedral – 2002; 50 anos de Jornalista – 2002; Prosa: O dito e o feito – 1996; Há homens atrás dos montes – 1998; E já não havia rosas – 2014; O Milagre de Bragança – 2015; Quando as mães saíram à rua – 2016; Foste-me embora – 2017; Pão Centeio – 2017; A Sacerdotisa da Irmandade – 2019; Quarenta noites – 2021; José Jorge  - 2023; O pequeno mundo da nossa taberna – 2024. Tradução para Castelhano - El Milagro de Bragança  - 2018.

1º Prémio Adriano Moreira – Casa de Trás-os-Montes – Lisboa.

“José Jorge” foi galardoado com o prémio literário Adriano Moreira – pela Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro

(M.C.): Avancemos, então, com a nossa primeira pergunta. Nasceu na aldeia de Milhão, concelho de Bragança. Que recordações guarda da sua meninice e da sua juventude?

Dr. Fernando Calado (F.C.): Nascer em Milhão foi um privilégio. Sou filho de uma ninhada de seis, o mais novo, o que significa que fui mimado por todos os irmãos, que de alguma forma eram, também, protetores. Além disso, o meu pai tinha um estabelecimento comercial chamado Soto, Soto das Aldeias, por onde passava toda a aldeia.

Ora bem, isso deu-me algum privilégio no meio da garotada da minha idade em Milhão, que me apoiavam, me estimavam e que me ofereceram, ao fim e ao cabo, entre a agricultura, entre as memórias dos aldeãos, entre os mitos dos dias lentos, entre os responsáveis pelo conceito, entre a religião que é poderosa, ainda, nas nossas aldeias, todas essas recordações. 

Portanto, isso era para mim o protótipo do aldeão transmontano com todas as alegrias, tristezas, festas, lutos, todo o imaginário transmontano que eu adquiri no seio de uma família tradicional, profundamente religiosa, temente a Deus, e daí o debate que é desenvolvido nesse ambiente.

A minha educação escolar foi feita essencialmente pelas minhas irmãs que eram professoras do ensino primário. O que me permitia também ter alguma relevância no meio da comunidade escolar, porque era irmão da senhora professora, embora que para as minhas irmãs não tivesse privilégio nenhum, porque eu era dos mais castigados, porque tinha que ser o melhor aluno.

Esse facto tornou-me um bom estudante no primeiro ciclo, até que vim para o liceu de Bragança, onde iniciei o primeiro ano do liceu logo como “adulto”. Porquê? Vindo de uma educação repressiva, deparei-me com toda a liberdade, a mata de São Sebastião aqui tão perto, as companhias, os matraquilhos no Almeida, o café, o quiosque onde vendiam cigarros a tostão. Portanto, tudo isso fez-me um jovem adolescente.

(M.C.): Quer dizer então, que saiu de Milhão, daquele ambiente protegido e aqui soltou-se… (Risos)

(F.C.): Tive, de facto, a grande necessidade de tudo aquilo que tinha que acontecer. Daí, de facto, os meus pais viram que esse não era o caminho.

Felizmente tinha um primo, Nuno Galvão, poeta, que frequentava o seminário, que morreu na Guerra Colonial em Moçambique, que veio com os irmãos para o seminário onde se lia muito, se estudava muito, onde se era padre, que depois dava um estatuto muito elevado.  Entretanto, abandonei o seminário, abandonei o liceu logo no segundo ano e fui para o seminário onde fiz toda a minha formação humanística e filosófica mais tarde.

Portanto, a minha juventude, de facto, desenrolou-se depois num ambiente escolástico, num seminário ainda muito do Conselho de Trento, muito conservador, até que houve, já no sétimo ano, a abertura dos seminários, com a vinda do Dr. Sobrinho e do Dr. Pinela, de Roma, que abriram muito o seminários e a maior parte dos seminaristas decidiram ir para a faculdade e, no meu caso, para a faculdade Filosofia. 

(M.C.): Muito bem. Teve um percurso muito interessante. Passemos, então, para a segunda pergunta. De que forma o facto de ter nascido na nossa região o marcou? 

(F.C.): Marcou-me, sobretudo, no aspecto dos valores. Nas nossas aldeias, na minha infância, utilizava-se muito a palavra dada. O respeito pelos idosos, a aprendizagem com os idosos. Quer dizer, ainda não havia grande conflito de gerações no meu tempo. O jovem tinha que entender que estava em aprendizagem e aprendia com os mais velhos. E o respeito que se tinha... Para os mais velhos.

A minha mãe dizia muitas vezes, ou estudas, ou vais aprender a ter a profissão do teu tio, sapateiro que também é uma profissão honrada, mas que não oferece o privilégio de estudar e poder ascender no âmbito da mobilidade social. Porque atualmente a escola dá uma grande mobilidade social, daí a conflitualidade que há entre os jovens e os seus pais, muitas vezes. Porque a escola projeta-te num nível social, muito rapidamente, quanto ao que me aconteceu no passado, em que o jovem aprendia com os mais velhos. E que a comunidade não proibisse. 

(M.C.): Que papel desempenhou o jornal “O Mensageiro de Bragança”, na sua juventude?

(F.C.): O Mensageiro de Bragança foi o meu escudo. Para mim, houve muitas pessoas que me marcaram. Entre elas, Carlos Pires, Marcolino Cepeda, Ernesto Rodrigues, já numa fase posterior; Mário Leite, Teófilo Vaz. Foram pessoas que marcaram a minha vida académica pela positiva. Constituiu-se, sobretudo, um grupo académico de discussão da cidade, de valorização do património, e, sobretudo, do gosto pela escrita e pela leitura. Se não tivessem sido, se calhar, o Carlos Pires, o Marcolino Cepeda, o Padre Sampaio, eu hoje não seria a pessoa que sou em termos literários e em termos de valorização do nosso património.

Continua...

P. S.: Esta entrevista foi realizada, como acima está exposto, no dia 13 do corrente mês. 

Mara e Marcolino Cepeda