Recordo-me, na minha
juventude, quando o Carlos Pires, no Cantinho dos mais Jovens, publicava
uma poesia minha, para mim tinha um valor, um património, um
reconhecimento para além do que seria normal. Eu escrevia imenso no Mensageiro, mas era mais uma peça que não valorizava. Não valorizava
tanto.
Quando a poesiazinha saía pela
mão do Carlos Pires, para mim tinha um valor enorme. Porquê, efetivamente, já
tinha letra redonda no jornal. E o jornal valia.
Conto, a propósito do jornal, o
caso do tio José Maria, da minha aldeia que comprava o jornal todos os
meses, e num desses jornais vinha o rapto do navio Santa Maria pelo
Henrique Galvão. Leu-se na aldeia a notícia no jornal, mas o
tio José Maria não voltou à cidade tão depressa. Portanto, para a
comunidade de Milhão, o barco nunca mais apareceu. Porque nunca leram o jornal que dizia que o barco tinha sido resgatado. Naquele tempo o valor que
tinha a imprensa era incrível. Na altura dizia-se: "Veio no jornal!" E ninguém duvidava que
tinha vindo no jornal e que era verdade.
Mas, se calhar, isso fez uma
diferença muito grande para muita gente. O jornal “Mensageiro de
Bragança” foi, de facto, uma escola importantíssima na construção, na
visualização e na divulgação de muita gente que hoje está no mundo das
letras. Foi aí, que fez a sua aprendizagem.
(M.C.): Sim. Eu não sabia, não conhecia o jornal “Mensageiro de
Bragança”. Aprendi com o Marcolino que me falou do “Mensageiro” e de toda a
juventude ligada a ele. Tudo o que vocês fizeram, do que escreviam e
daquilo que se publicava. Numa determinada altura, por indicação do Padre
Sampaio, foi obrigado a escrever com pseudónimo, porque tinha publicado qualquer
coisa no jornal que o Senhor Ministro do Interior, Dr. Rapazote, entendeu que não
era adequado.
(F.C.): No meu caso, ainda era mais difícil publicar no jornal porque era seminarista. Significa que era preciso ter, por um lado, cuidado com questões políticas, por outro lado, com questões da sexualidade, nomeadamente do amor.
O que quer dizer que publicar um poema
amoroso podia ser motivo de expulsão. Portanto, era, de facto, um
seminário conservador onde eu vivi alguns anos. Fiz uma grande
aprendizagem. Na minha idade, por várias razões. Na literatura, onde se lia muito,
porque não havia televisão, nem havia entretenimento. Ao nível da filosofia, e,
na minha idade, a camaradagem. É que nós éramos os primeiros a enunciar
coisas que eram próprias da época e que, mais tarde, teve efeito.
(M.C.): Sim. Foi uma escola, sem dúvida. O meu marido,
Marcolino Cepeda, recorda-se de uma peça de teatro de que gostou muito, levada
a cabo em milhão, a que assistiu com o Padre Sampaio, em que todas as
personagens eram representadas por homens, a exemplo do teatro grego, e
que ele, com o pseudónimo de José Valverde, escreveu um artigo no
jornal Mensageiro de Bragança. Lembra-se?
(F.C.): Sim. Milhão foi uma das poucas aldeias que nessa
altura, teve um grupo de teatro, que foi dirigido por mim, como
estudante, como seminarista, e como pessoa que gostava de teatro. Portanto,
durante meia dúzia de anos ou mais, tivemos um grupo de teatro ativo, que só
funcionava no verão. Mas, no verão, corríamos várias localidades a
apresentarmos esse teatro, chegando a vir à Torralta. No início, Marcolino
tem razão, é só um grupo de teatro de homens. Porque não era muito
saudável, muito reconhecido, que as mulheres tivessem uma exposição
pública dentro deste machismo bem transmontano.
Finalmente, conseguimos abrir esse
preconceito e chegamos a representar peças que entravam nas cenas de
filmes, nomeadamente a “Casa de Pais”, grandes dramalhões, com a
plateia toda a debulhar-se em lágrimas. E o teatro chegou a ter tanta
importância que, quando foi, no 25 de Abril, nas célebres campanhas de
dinamização cultural do MFA (Movimento das Forças Armadas), foram um
tenente e umas praças a Milhão a saber do grupo de teatro, porque lhe
tinham dito que era um grupo de teatro revolucionário e eles precisavam de um grupo
de teatro para as campanhas de dinamização cultural.
O tenente perguntou: “Quem é
o responsável pelo teatro? Respondi: “Sou eu.” “Quanto é que o camarada
precisa para manter este teatro?” Respondi: “Precisamos de dois ou três
contos.” Disse o tenente a um dos praças: “Passa aí um cheque de 20 contos ao
camarada.”
CONTINUA
Maria e Marcolino Cepeda
Sem comentários:
Enviar um comentário