Tia Aurora, outrora
vendedora encartada de hortaliças, ovos e similares e, no momento da toma,
apenas vendedora improvisada à porta da sua casa no Loreto de cima, um pouco
antes do soto do Sr. Marcelino, um dos primeiros "Super" de Bragança.
Tia Aurora, quantas meias
aquela mulher fez... e desde o princípio ao fim do processo: desde acomodar a
lã na roca, fazer com destreza o fio e, com a mesma intrepidez, e sem perder o
fio à própria conversa, fazer mais um par de meias de autêntica lã de ovelha.
Ali estava, frequentemente à
porta, naquele mágico Loreto dos anos 60 e 70: O Loreto dos bailes à compita
com os da Vila, anunciados pelo altifalante do Reis velho que dava três voltas
à cidade na sua carrinha em altos e amplificados brados; O Loreto da oficina do
Barril com os "raters" secos dos testes às decrépitas motorizadas
Famel e Sachs, com o Feijão e outros, quase meninos, em aprendizagem e
enfarruscado labor; o Loreto da taberna da "Fessíssima", mulher do
Paulo, que amiúde cascava nela por dar cá aquela palha; do carpinteiro Neto,
que com a sua colorida e enérgica esposa e filhos, por si sós, faziam
autênticos acontecimentos de festa ou doméstica tragédia; do barbeiro Carvalho,
ex polícia, que barafustava amiúde e descaradamente com os jovens de cabelo
comprido que passassem à sua porta e não fossem cortar "aquelas melenas de
maricas" e que, a dada altura, conta-se, terá deixado por longo tempo a
meia barba por fazer de um cliente, ainda com a outra meia fortemente
ensaboada, para acudir presto ao assobio do alfaiate fronteiro que o convidava
para o "chá" da praxe - um copito ou dois na taberna do
"Cantinho", claro, com o cliente zarpando da barbearia naquela meia
figura.
Um Loreto aonde poucos
carros passavam para além da carreira do Jerónimo em direção a Vinhais, e aonde
os jovens jogavam à bola e aos remates contra os portões de lata de um armazém
dos "Pereiras", ou, descansando, jogavam à moedinha às portas do café
Primavera, ou então iam achinar o prego ao chão em jogo de inverno no larguito
dos Negrilhos, extremo mais ou menos formal desta mesma rua.
Um Loreto das bonitas filhas
da "Manhuça" e também outras beldades que por lá havia e que
embeiçavam vários dos muitos adolescentes e jovens que ali cresciam.
Um Loreto cheio de vida e
matizado por famílias ou pessoas muito diferentes mas cúmplices de uma aproximação
humana que hoje não tem igual. Havia pobres, havia ricos, também figuras com
carisma físico e comportamental dignos de registo.
Tia Aurora era um desses
personagens, mas havia muitos mais.
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