sábado, 16 de novembro de 2024

Jorge Morais: Personagens (8) - Tia Aurora à porta de casa no Loreto



Tia Aurora, outrora vendedora encartada de hortaliças, ovos e similares e, no momento da toma, apenas vendedora improvisada à porta da sua casa no Loreto de cima, um pouco antes do soto do Sr. Marcelino, um dos primeiros "Super" de Bragança.

Tia Aurora, quantas meias aquela mulher fez... e desde o princípio ao fim do processo: desde acomodar a lã na roca, fazer com destreza o fio e, com a mesma intrepidez, e sem perder o fio à própria conversa, fazer mais um par de meias de autêntica lã de ovelha.

Ali estava, frequentemente à porta, naquele mágico Loreto dos anos 60 e 70: O Loreto dos bailes à compita com os da Vila, anunciados pelo altifalante do Reis velho que dava três voltas à cidade na sua carrinha em altos e amplificados brados; O Loreto da oficina do Barril com os "raters" secos dos testes às decrépitas motorizadas Famel e Sachs, com o Feijão e outros, quase meninos, em aprendizagem e enfarruscado labor; o Loreto da taberna da "Fessíssima", mulher do Paulo, que amiúde cascava nela por dar cá aquela palha; do carpinteiro Neto, que com a sua colorida e enérgica esposa e filhos, por si sós, faziam autênticos acontecimentos de festa ou doméstica tragédia; do barbeiro Carvalho, ex polícia, que barafustava amiúde e descaradamente com os jovens de cabelo comprido que passassem à sua porta e não fossem cortar "aquelas melenas de maricas" e que, a dada altura, conta-se, terá deixado por longo tempo a meia barba por fazer de um cliente, ainda com a outra meia fortemente ensaboada, para acudir presto ao assobio do alfaiate fronteiro que o convidava para o "chá" da praxe - um copito ou dois na taberna do "Cantinho", claro, com o cliente zarpando da barbearia naquela meia figura.

Um Loreto aonde poucos carros passavam para além da carreira do Jerónimo em direção a Vinhais, e aonde os jovens jogavam à bola e aos remates contra os portões de lata de um armazém dos "Pereiras", ou, descansando, jogavam à moedinha às portas do café Primavera, ou então iam achinar o prego ao chão em jogo de inverno no larguito dos Negrilhos, extremo mais ou menos formal desta mesma rua.

Um Loreto das bonitas filhas da "Manhuça" e também outras beldades que por lá havia e que embeiçavam vários dos muitos adolescentes e jovens que ali cresciam.

Um Loreto cheio de vida e matizado por famílias ou pessoas muito diferentes mas cúmplices de uma aproximação humana que hoje não tem igual. Havia pobres, havia ricos, também figuras com carisma físico e comportamental dignos de registo.

Tia Aurora era um desses personagens, mas havia muitos mais.



Fotografia e texto de Jorge Morais

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