sábado, 16 de novembro de 2024

Entrevista Professor Eng. Luís Manuel Cavaleiro Queijo

Começo por lhe perguntar, nasceu no Porto e veio para Bragança com 8 anos. Fale-nos dessa mudança e do que significou para si.

Bem, essa mudança deu-se porque as minhas raízes são daqui da região. Os meus pais são daqui da região e na altura viviam no Porto e os meus avós estavam aqui na zona, portanto, no sentido de dar mais apoio porque estavam a ficar mais idosos, portanto, viemos para Bragança viver e foi uma integração normalíssima, como qualquer outra, porque nos 8 anos essas mudanças não se sentem assim tanto, de forma tão intensa. Até porque os amigos ainda não são assim tão... Exatamente. E é por todas as condicionantes naturais dessa idade.

O Porto é uma cidade grande, condiciona-nos muito mais em termos de vivências enquanto somos crianças e aqui há sempre muito mais à vontade e possibilidade de brincar na rua, coisas que vão sendo cada vez mais raras nos nossos dias, não é?

 Como foi a sua vida de estudante até ir para a Universidade?

A minha vida de estudante foi, penso eu, bastante normal, portanto, eu frequentei primeiro o Liceu, quem é aqui da região conhece-os dessa forma, o Liceu. No meu décimo ano vi-me obrigado a transitar para a Escola Secundária da Sé porque queria seguir Química ou Tecnológica e no Liceu não havia. Na Escola Secundária da Sé fiz o décimo, décimo primeiro, décimo segundo anos. Decorreu tudo dentro da normalidade e deu-se o ingresso na Universidade do Minho, concretamente, em Engenharia Mecânica, o curso que eu tinha escolhido.

Nessa altura havia também aquelas rivalidades do Liceu com a escola industrial?

Exatamente, havia essas rivalidades, mas a área tecnológica era mais conotada com a escola industrial e as humanísticas com o Liceu, portanto, acho que foi uma mudança normalíssima como qualquer outra.

Como atrás referido, foi para a Universidade do Minho. Como foi esse período da sua vida?

Esse período da minha vida foi ótimo. Penso que são os melhores tempos das nossas vidas, quem por lá passa, que mais nos marca possivelmente, onde fazemos novos amigos, onde finalmente saímos de casa, tantas vezes ambicionado, não é? O sair de casa, sair da alçada dos pais e, portanto, no fundo, começámos a viver, a voar com as nossas asas. E a ser responsáveis por todos os atos. E a ser responsáveis por todos os nossos atos, exatamente.

Ingressou no mercado de trabalho antes de concluir-se a licenciatura, porquê?

Porque a prática normal da Universidade do Minho é conseguir estágios para os alunos que são finalistas. O último semestre da licenciatura, dos antigos 5 anos que agora são só 3, mas dos antigos 5 anos, o último semestre era dedicado a um estágio realizado em contexto de trabalho, o que acontecia muitas das vezes, e precisamente porque é uma região com uma forte pendente industrial, acontecia que havia bastantes estágios a serem facultados pela Universidade. Os alunos iam estagiar e acabavam por ficar mais a trabalhar do que propriamente a estagiar.

Portanto, relegando para o segundo plano a questão do estágio em si. O que acontecia é que as pessoas ingressavam no mercado de trabalho muito mais cedo do que acabavam os cursos, porque depois ia-se protelando a entrega do relatório de estágio. E a licenciatura, que devia ter sido acabada em 94, acabou por ser só acabada em 95.

Fale-nos da sua experiência laboral na empresa José Júlio Jordão Limitada, em Guimarães.

José Júlio Jordão é uma empresa, uma pequena/média empresa, como é a maior parte do nosso tecido empresarial, mas é uma empresa muito bem organizada e deu-me muito à vontade relativamente ao contexto laboral. Aprendi com as minhas quedas, tive pessoas a apoiarem-me bastante e, portanto, deu para ficar com uma ideia bastante grande do que é a índole industrial e como é que funcionam as empresas e penso que foi uma grande escola.

Acima de tudo, uma grande escola para complementar os aspectos técnicos, a bagagem técnica que já trazia do curso, tinha tirado, não é?

Deu-me possibilidade de aplicar esses conhecimentos e foi uma grande escola nesse sentido, não só da aplicação dos conhecimentos, mas mesmo com as próprias relações interpessoais com os funcionários. Era uma empresa que tinha 150 funcionários na altura, a faturar na casa de um milhão de contos, portanto, não era uma empresazinha pequenina, e deu-me precisamente esse à vontade, a facilidade de trato com as pessoas, saber quais são os problemas… Tínhamos pessoas com variadíssimos níveis de formação, portanto, era preciso lidar de forma igual e aprender a lidar com essas pessoas, pessoas que trabalhavam há 30 anos na casa, e não tinham experiência técnica, ou melhor, não tinham experiência técnica, não. Não tinham os conhecimentos técnicos, mas tinham a experiência prática, que muitas das vezes é superior aos conhecimentos técnicos e dava para complementar perfeitamente as duas vertentes. Com certeza.

Em 1997, ingressa na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Bragança. Fale-nos das razões que o levaram a regressar à nossa cidade.

As razões que me levaram a regressar, eu penso que é normal, como qualquer pessoa, regressar à terra, regressar às origens. Na altura, a minha namorada estava cá a trabalhar. Casámos, ainda eu estava a trabalhar em Guimarães. Ela estava cá e eu em Guimarães, e o mais normal é regressar à terra, tentar construir uma vida juntos, não é? E isso foi uma das razões que me levou a concorrer para o Instituto Politécnico de Bragança.

O facto de gostar de dar aulas também e pesou nessa ponderação. Foi feito, como é lógico, e o que é certo, é que consegui entrar. Não era fácil na altura, mas consegui entrar, portanto, a partir daí, o meu percurso profissional tem-se desenvolvido na Escola Superior de Tecnologia e Gestão.

Muito bem, fale-nos da Escola Superior de Tecnologia e Gestão e dos projetos que ali se desenvolvem.

A Escola Superior de Tecnologia e Gestão é uma escola bastante jovem, acima de tudo. Eu penso que é uma escola excelente na panorâmica nacional, precisamente pelos recursos humanos que são, possivelmente, a mais-valia daquela escola. Obviamente, têm equipamentos de laboratório ótimos, têm condições ótimas a nível da instituição, mas os recursos humanos são, possivelmente, aquilo que a transforma na escola exemplar que é, uma vez que todo o corpo docente, bem como o corpo de funcionários, são pessoas bastante jovens, têm uma proximidade com os alunos muito elevada, digamos que geram um clima de cumplicidade, e não há propriamente aquele tipo de relacionamento que se vê nas instituições de ensino superior, de professores de um lado, alunos do outro, portanto há uma integração muito mais fácil, o que motiva os alunos a trabalhar muito mais e faz-nos crescer também a nós.

E os projetos que se fazem dentro da escola?

Os projetos que se fazem dentro da escola procuram ser sempre vocacionados para solidificar, cimentar os conhecimentos técnicos e teóricos que são aprendidos durante as aulas.

Procuramos sempre desenvolver projetos de índole prática, no fundo que ponham os alunos, passe a expressão, com a mão na massa, de forma a que eles consigam aperceber-se daquilo que estão a fazer, dos conhecimentos teóricos e qual a aplicabilidade desses conhecimentos teóricos que foram apreendidos.

Como é que a tecnologia pode ajudar-se no desenvolvimento de Trás-os-Montes e Alto Douro?

A tecnologia pode ajudar de várias formas o desenvolvimento desta região, concretamente neste aspecto da aeronáutica, e entrando já no ano, se calhar adiantando um bocado aquilo de que nós vamos falar, pode ajudar-nos bastante porque somos uma região que tem características fabulosas para a prática de voo, à semelhança do resto do interior do país, mas como é lógico estamos a falar da nossa região em particular que nos é tão querida e, portanto, no intuito de captar investimento, coisas desse género, para trazer empresas desse ramo para esta região. A tecnologia pode ajudar nesse sentido. Inclusive a própria escola pode criar os tais clusters de que vão falando tanto ultimamente, tanto as sinergias entre empresa e universidade, neste caso entre empresa e ensino superior, que podem ser aproveitadas e complementar conhecimentos.

Juntamente com dois alunos, finalistas do curso de Engenharia Mecânica, Carlos Cortinhas e Luís Miguel Correia, recebeu um prémio de aeronáutica e aeromodelismo. Fale-nos do projeto e do processo que conduziu a esta distinção.

Bem, esse projeto surgiu no seguimento da necessidade que esses dois alunos tinham de elaborar o seu projeto de fim de curso, chamado Projeto Integrado, que é desenvolvido ao longo do último ano da licenciatura em Engenharia Mecânica e mostraram algum interesse pela área da aeronáutica e surgiu na altura esse concurso.

Esse concurso vem no seguimento de um outro que existiu previamente, organizado pelo Instituto Superior Técnico, que era o Air Cargo Challenge . Esse concurso teve um interregno de um ano, porque estiveram a reformular os regulamentos técnicos, etc. (15:00) E, entretanto, a FEUPA conseguiu pôr no terreno a organização do chamado Desafio NAMA, ao qual nós decidimos concorrer, como é óbvio, e resolvemos começar a idealizar e projetar um avião, um aeromodelo, concretamente, para participar nesse concurso.

Obviamente, esse concurso obedece a uma série de regras técnicas, as quais têm de ser cumpridas, se não dá lugar a uma penalização, literal, e a uma desqualificação e, portanto, todo o projeto do avião é desenvolvido, ou do aeromodelo, eu tenho por hábito de chamar-lhe avião, porque é um avião em miniatura, portanto, todo o projeto do aeromodelo é desenvolvido com essas condicionantes apontadas pelo regulamento técnico.

Fale-nos, mais concretamente, desse avião e da forma como se desenvolveu todo esse concurso.

Sim. Esse avião é um aeromodelo rádio controlado que, supostamente, já deve ter visto nos festivais aéreos que passaram por Bragança, quem gosta da aeronáutica e, portanto, de aviões, já viu, com certeza, aeromodelos rádio controlados.

No fundo, são aviões que têm autonomia, ou melhor, voam controlados através de um operador que fica em terra, que através de dois joysticks, controla os movimentos do avião. Portanto, esses sinais são enviados via frequência rádio para um receptorzinho no interior do avião, que depois aciona os comandos e permite-nos direcioná-lo para onde nós pretendemos. O aeromodelo em si, levou a, ou melhor, é o resultado da aplicação dos conhecimentos teóricos aprendidos em disciplinas como a mecânica dos fluidos.

Tem partes da aeronáutica, inclusivamente, motores térmicos, são disciplinas que são lecionadas no âmbito da licenciatura em Engenharia Mecânica, aqui na Escola Superior de Tecnologia de Gestão. Que levou a que os alunos pusessem em prática esses conhecimentos adquiridos e fizessem todo o projeto desde a ideia base. Concluindo, todo o desenho do próprio avião foi desenvolvido por eles, foi uma ideia criada por eles. E o projeto, com todo o dimensionamento do avião, o suporte das asas, a carga ao ar, o próprio trem de aterragem… É um avião que tem algumas condicionantes porque o intuito do próprio concurso é o levantamento de peso, e há estruturas que têm que ser muito mais reforçadas com vista, precisamente, a esse levantamento de peso porque a inércia dessas cargas é muito elevada.

O avião surgiu nesse contexto, no desenvolvimento desse projeto. No fim, como objetivo último, conferir a esses alunos a licenciatura em Engenharia Mecânica, como é lógico.

O avião tem, portanto, de ser frágil na aparência, mas robusto...

Eu não diria frágil, o avião tem de ser leve, acima de tudo leve. O intuito do concurso são dois objetivos.

Um é provar a capacidade de planeio do avião. Esta capacidade de planeio entende-se porquê? Pela capacidade que o avião tem, sem motor, de conseguir voar. À semelhança dos planadores, à semelhança dos pássaros que também não têm motor, não é? Se nós observarmos gaivotas, cegonhas, aves de rapina, são excelentes planadores. Portanto, são pássaros que conseguem manter-se tempos infindos no ar, aproveitando única e exclusivamente as correntes de ar que existem na atmosfera.

As chamadas térmicas, quem está mais por dentro do assunto são as térmicas, porque são diferenças de temperatura entre massas de ar que geram correntes ascendentes ou correntes descendentes nesse ar. Portanto, isso é o que dá a capacidade de planeio aos pássaros e aos aviões, diretamente. Um outro objetivo é carregar o máximo de peso possível.

Portanto, isto leva-nos a uma situação de compromisso. Se um avião que plane bem tem de ter determinadas características: a asa comprida, a asa larga, tem de ter características muito próprias, o levantamento de peso obriga a que ele seja todo reforçado. Porquê? Porque para um avião que pesa, no caso do nosso concretamente 5,5 kg, o intuito é levantar o dobro desse peso, o que nos dá uma massa total, um peso total de 15 kg.

Quinze quilogramas em estruturas tão frágeis, é muito complicado. E isso leva-nos à tal situação de compromisso, de criar um avião que seja, simultaneamente, bastante leve, com fraca resistência, como estava a referir, e com resistência suficiente a suportar, precisamente, os baques desses pesos.

Imagino o que é, na aterragem, 15 kg a baterem na pista…

É muito complicado e leva-nos a essa situação de compromisso. O avião, apesar de pesar pouco, é bastante largo. O avião, este aeromodelo, tem 3 m de envergadura e tem 1,75 m de comprimento.

Portanto, a configuração é que é todo incomum, chamemos de incomum. Esse foi um dos objetivos, não só o levantamento de peso e não só o planeio, uma das exigências que eu próprio fiz aos alunos foi, criem-me alguma coisa que não tenha sido vista. Ou seja, nós estamos aqui também para inovar.

Um dos objetivos deste tipo de concursos, que é o conceito do learn by doing é, precisamente, criar soluções construtivas que possam ser aproveitadas pela indústria aeronáutica, concretamente, tanto ao nível de materiais como da própria configuração dos aeromodelos. E, portanto, eu acho que se inova, precisamente, com as ideias loucas. E daí levou-nos à construção deste avião, que não tem nada a ver com os outros que estavam no concurso. Portanto, tem uma configuração muito própria.

Ou seja, as asas são viradas para a frente, a extremidade das asas é virada para a frente, imaginemo-nos em forma do bastante leve, e a ponta das asas, normalmente, são voltadas para cima, neste caso, são voltadas para baixo. Isto leva-nos a outras questões técnicas. Há várias teorias acerca do assunto.

Uns dizem que voa mal, outros dizem que voa bem. O que é certo, é que ele provou em voo que, efetivamente, é eficiente, é eficaz, e, portanto, nos deixou bastante orgulhosos dele, como é lógico.

E que implicações práticas têm estes estudos e estes projetos?

Estes estudos têm como implicações práticas o tentar transmitir, o tentar desenvolver novas tendências, no caso do design, concretamente. No caso dos materiais, novas soluções para a indústria aeronáutica. Nós, no caso, e como somos estreantes ou fomos estreantes neste concurso, utilizámos os materiais mais simples de utilizar, que se utilizam no aeromodelismo, ou seja, madeira de balsa, poliestireno, o vulgar esferovite, todo o avião é construído em vulgar esferovite, que é um material bastante leve e que nos confere alguma resistência. Neste momento, em termos de materiais, digamos que o desenvolvimento que nós tivemos na parte dos materiais foi bastante limitado. Nós apostámos mais na configuração, propriamente dita, e no formato da asa e, portanto, do corpo do avião.

Este ano estamos a dar seguimento a esse mesmo projeto. Estamos a vocacionar-nos muito mais para os materiais. Ou seja, nós conseguimos uma configuração bastante otimizada no ano passado, portanto, não vamos mexer na estrutura do avião. Vamos mexer sim, nos materiais utilizados. Vamos deixar de utilizar a madeira de balsa e a esferovite e vamos passar para os materiais compósitos, neste caso, para a fibra de vidro, muito possivelmente e, quem sabe, um dia mais tarde, para a fibra de carbono ou qualquer coisa do género. São materiais muito leves e muito resistentes. Portanto, o que se tenta com este tipo de projetos é desenvolver novas aplicações para esse tipo de materiais, novas configurações e novas aplicações em termos de materiais que possam ser aproveitadas pela indústria aeronáutica. Basicamente, é isso que se pretende.

E em termos de novas aplicações que possam favorecer outro tipo de projetos dentro da região, existe alguma coisa já trabalhada neste sentido?

Eu gostava de acreditar que este projeto nos pudesse abrir algumas portas relativamente ao entusiasmo, porque, repare. Isto são projetos, no fundo, que associam uma componente lúdica a uma componente tecnológica. Não é um concurso que seja único, exclusivamente, de alunos do ensino superior. Aliás, há duas classes precisamente por causa disso. Uma relativamente aos alunos do ensino superior é a classe de aero especialistas, e há uma classe geral aberta a todas as pessoas: entusiastas, aeromodelistas, experimentadas, não experimentadas, que é a classe de aerodinâmicos.

A única diferença que há entre as classes é que, na classe de aero especialistas, é obrigatória a apresentação de um relatório técnico, ou seja, para além de termos um avião apto que cumpra os requisitos impostos pelo regulamento, temos que ter também um relatório técnico detalhado que nos diga como é que o avião foi projetado, quais foram as considerações técnicas que foram adotadas, com os desenhos detalhados de todo o avião, tudo isso tem que ser apresentado perante um júri de especialistas na área. Foi o nosso caso. Foi apresentado a um painel de cinco pessoas especialistas na área, bastante experimentadas na área da aeronáutica, o que nos valeu o tal segundo lugar neste concurso. Foi uma apresentação ótima, inclusivamente o representante da Universidade do Minho que foi quem ganhou o concurso, o professor Heitor Almeida, que é possivelmente uma das maiores sumidades do país em termos da aerodinâmica, elogiou muitíssimo o projeto, elogiou muitíssimo os nossos dois alunos, concretamente. De salientar que a equipa da Universidade do Minho é constituída por 10 pessoas que trabalharam durante todo o ano para o desenvolvimento do aeromodelo deles, e nós tivemos duas pessoas a trabalhar a tempo inteiro, quer dizer, tempo inteiro no projeto, e à parte isso fizeram as disciplinas que lhe cometia, porque eles, quando acabou o ano, tinham o curso literalmente acabado. A prova disso é que neste momento estão no mercado de trabalho, estão a trabalhar, o que nos satisfaz muitíssimo, não é? E portanto, com todas essas condicionantes conseguimos elaborar esse aeromodelo e pô-lo a voar eficazmente, como eu estava a dizer ainda há um bocado. E lá estarão para o ano. E lá estaremos para o ano, se Deus quiser, para trazer o primeiro lugar.

É assim mesmo. O aeromodelismo é uma atividade cada vez mais praticada em Portugal, fale-nos brevemente da sua experiência.

A minha experiência como aeromodelista é bastante reduzida, eu sou modelista já com quase 12 anos de experiência.

Comecei nos carros. Era muito mais fácil, porque andam no chão e não caem, não se partem, como é lógico e, portanto, comecei nos carros. Se bem que a técnica utilizada é basicamente a mesma, porque o complicado no modelismo muitas das vezes acaba por ser o motor. E os motores são semelhantes, não são iguais, mas são semelhantes nos carros e nos aviões, o que nos dá um traquejo bastante grande para fazer afinações, para fazer modificações, portanto, no fundo, para inventar um bocadinho aquilo que é a essência do aeromodelista, desenrascar.

Como aeromodelista, a minha experiência vem de há um ano para cá. Eu sempre tive a paixão dos aviões, já desde os meus tempos de secundária. É através destes projetos, através do aeromodelismo e, principalmente porque estou integrado numa associação bastante recente da cidade, onde aproveito para divulgar que é a Associação de Rádio Controlo de Bragança, que tem uma pista em Cabeça Boa, onde nos encontramos ao fim de semana para voar e para nos divertirmos um bocado. É uma associação que presta apoio a qualquer pessoa que lá apareça, e que tem como finalidade fazer a divulgação, precisamente, do aeromodelismo na nossa cidade. Pena é que não haja tanta gente entusiasta como nós gostaríamos mas, de qualquer das formas, quem tiver o bichinho, como se costuma dizer, passe por lá ao fim de semana, um dos fins de semana em que o São Pedro permita voar. Passem por lá e certamente vão desfrutar. Podem aproveitar e fazer o batismo de voo. Ninguém se nega a emprestar um avião e a ajudar.

Há sistemas que permitem ligar um rádio ao outro, para quem tem menos experiência não deixar a cair o avião já que temos aeromodelistas bastante experimentados. Queria aproveitar para deixar um agradecimento muito especial ao Victor Meles, que é o nosso piloto. Não faz parte da Escola Superior de Tecnologia e Gestão, mas é o presidente da Associação de Rádio Controle de Bragança. É, sem dúvida, um aeromodelista bastante experimentado, sem o qual não teria sido possível desenvolver todo este projeto, em primeiro lugar porque não teríamos quem voasse o avião tão bem como ele faz e em segundo lugar pelas questões técnicas que muitas vezes se prendem, de associar as tais soluções construtivas com o aspecto técnico, e ele sempre teve a sua dicazinha para nos dar na altura ideal. Relativamente ao aeromodelismo, quem gostar mesmo dessa atividade, que apareça por lá, em Cabeça Boa ao fim de semana.

Há já algum tempo, entrevistámos o engenheiro Aurélio Araújo e os alunos Carlos Mesquita e Luís Correia, que também receberam um prémio com um protótipo de um carro elétrico. Nestes tempos em que tanto se fala na escassez de recursos, entre eles o petróleo e na defesa do ambiente, não acha que é no desenvolvimento das novas tecnologias não agressivas e não poluentes que está o futuro?

Eu penso que sim. Aliás, se nós não nos apoiarmos precisamente nessas tecnologias para tentar resolver os nossos problemas, a tecnologia não tem razão de existir.

A tecnologia tem como único propósito, facilitar as nossas vidas, supostamente. Claro está, que com o progresso da tecnologia, muitas das vezes acabam por se criar mais problemas do que aqueles que já existiam anteriormente.

Há quem chame consequência, há quem chame azar de percurso. Há as duas visões. Mas penso que é na tecnologia que nós nos devemos apoiar fortemente se queremos evoluir enquanto mundo civilizado, chamemos-lhe assim e enquanto mundo que faz alguma coisa por si próprio.

Porque os recursos estão a esgotar-se cada vez mais rapidamente e se nós não nos apoiarmos, precisamente no progresso, na evolução da tecnologia, para aclimatar essa falha de recursos, mal da raça humana, porque somos predadores de nós próprios.

Estão muito na moda os híbridos, os carros meio elétricos, meio gasolina, é por aí que passa o seu futuro?

Eu penso que sim, neste momento conseguem-se situações de compromisso bastante boas relativamente aos consumos de combustíveis, precisamente com esses híbridos, em que fazem parte do percurso com o motor convencional em funcionamento que, simultaneamente põe em movimento o veículo que faz a carga de baterias e quando as exigências não são muito elevadas põe em acionamento um motor elétrico que é muito mais limitado, como é lógico, mas consegue o mesmo objetivo que consegue um motor convencional, um motor de combustão.

Penso que passa precisamente por aí. A falta de recursos petrolíferos, neste caso, passa precisamente pelo desenvolvimento da tecnologia que recorre aos sistemas elétricos, chamemos-lhe assim, e passa bastante por aí. Se calhar sacrificando um bocado as performances dos veículos, mas também penso que é preferível sacrificar essas performances, salvaguardando o ambiente.

É possível que o IPB, consiga desenvolver novas tecnologias não poluentes para utilização mundial em automóveis, aviões, etc.?

Eu penso que sim. Repare, as tecnologias não se fazem por grosso.

O progresso da tecnologia é feito aos bocadinhos e com muitos bocadinhos. Ou seja, para o desenvolvimento de uma tecnologia que atualmente está nos veículos híbridos, é preciso desenvolver uma série de pequenas tecnologias, as baterias, os motores elétricos, etc. que são pequenas partes que fazem um todo. Claro que a Escola Superior de Tecnologia e Gestão está presente no desenvolvimento da tecnologia neste país, não só ao nível das energias, mas em muitos outros assuntos, muitos outros campos, no campo da química, da mecânica, da eletrotecnia e mesmo das soluções adotadas para a construção civil. Está na vanguarda. É uma instituição que não fica aquém de qualquer outra instituição do país. Continua a contribuir, a dar o seu contributo para o desenvolvimento dessas tecnologias, de todas as formas possíveis e, claro está, vamos continuar a trabalhar nesse sentido.

Que contributos podem advir desse trabalho para o desenvolvimento da nossa região?

Isso pode contribuir através do chamar de novas empresas para a região, de tentar recolher investimento. Somos uma região bastante carente em termos de indústria. Normalmente a indústria tem tendência a posicionar-se mais no litoral do que propriamente no interior do país, muito possivelmente porque os empresários, os investidores, os empreendedores, que é um termo que está muito na moda ultimamente, os empreendedores acham que no litoral é que está o futuro. Eu, pessoalmente, e se me é permitido dar a minha visão pessoal deste assunto, entendo que é um erro crasso, crassíssimo, um erro estratégico, porque o interior é o interior do nosso país, mas estamos muito mais próximos da Europa do que propriamente do litoral. Isto se calhar é a minha costela transmontana a falar, mas é a minha visão das coisas e,  se queremos desenvolver, vamos desenvolver com a Europa e não isoladamente.

“Nós estamos muito mais perto da Europa do que propriamente do litoral.” Seria ambicioso o futuro de uma empresa ligada a automóveis elétricos, por exemplo, entre nós?

Eu penso que não. Repare, numa altura em que temos Évora, por exemplo, que é interior do país, a posicionar-se na indústria aeronáutica, coisa em que nós tínhamos condições tão boas ou melhores que Évora para o fazer, só mostra que é mais um problema de vontades. E essas vontades passam por uma série de concessões, como é lógico.

Eu não sou político, não sou empreendedor, portanto, não me cabe a mim apontar qual é o caminho, mas gostava imenso de ver a nossa região, por exemplo, acolher a indústria aeronáutica. Se não for indústria aeronáutica… repare, nós temos neste momento uma indústria automóvel implantada ou, pelo menos, de componentes automóveis, implantada na nossa região. É uma empresa bastante forte e gostava de ter muitas mais, como é lógico. Se me pergunta se eu gostava de ver isto desenvolver-se em termos industriais, é óbvio que gostava, por todos os motivos e mais alguns.

E penso que temos capacidade para o fazer. Agora tudo passa por uma questão de vontades e de conjugar sinergias, no fundo. Julgo que passa por aí, o caminho é por aí e vamos lá chegar. Quero acreditar que vamos lá chegar.

O IPB tem capacidade de fornecer engenheiros e pessoal especializado?

O IPB tem capacidade para fornecer pessoal especializado e mais ainda, tem capacidade para estar presente nesses projetos de implementação de qualquer tipo de indústria, através da transferência de tecnologia, que é outra das coisas que está muito em voga ultimamente. A transferência de tecnologia gerada nas instituições de ensino superior, nos institutos de investigação e a passagem dessa tecnologia para empresas privadas, como é óbvio, mas que a aproveitem. O Instituto Politécnico de Bragança tem mais capacidade para estar nesse grupo e para colaborar com qualquer tipo de indústria que se resolva implantar na região.

Será possível desenvolver-se um parque industrial de tecnologia não poluente nesta região para tirar partido das nossas características e dos nossos produtos?

 Mais uma vez quero acreditar que sim. Repare, isso está mais uma vez condicionado ao facto de haver quem queira investir nesta região, como é lógico.

Se nós quisermos fazer aquilo que é feito em vários sítios deste país, já é o caso de Évora na aeronáutica, o caso de Lisboa na área da biotecnologia, por exemplo, penso que nós temos capacidades também para ter o nosso clusterzinho de tecnologia. Se for não poluente, ótimo, melhor. Se for poluente, nós é que temos de arranjar soluções para tornar não poluente ou pelo menos para minimizar o impacto que possa ter na nossa região. Aliás, só temos que o fazer.

Temos uma região que, possivelmente, a maior riqueza que tem é precisamente o ambiente, por não ser industrializada, e temos que a preservar a todo custo, como é lógico. Um parque biológico. Um parque biológico, possivelmente.

Para terminar, que personalidade ou personalidades o marcaram ao longo da sua vida?

Personalidades que me marcaram ao longo da minha vida? Isso é uma pergunta muito complicada de responder. Eu acho que toda a gente nos marca de uma forma ou de outra. E mesmo quem nos marca negativamente não quer dizer que não nos faça andar para a frente.

Não aprendemos só com as coisas boas, aprendemos se calhar muito mais com as coisas más que nos acontecem. Mesmo quem nos marca negativamente faz parte da nossa personalidade. Obviamente, os meus pais, o maior condicionante, a minha mulher e a minha filha tão pequenininha com quem eu tenho tanto que aprender e tenho aprendido tanto. Os meus colegas de todos os lados, da empresa onde eu estive, daqui da escola, Superior Tecnologia e Gestão, todos eles nos marcam.

Os meus alunos… Todos eles nos marcam. Eu costumo dizer que dar aulas não é propriamente passar informação. No fundo é uma troca de informação deles para mim e de mim para eles. Acho que passa muito por aí. No fundo é uma troca de experiências. Não são só os alunos que têm que aprender com os docentes. Os docentes também têm que aprender alguma coisa com eles. Quem está no ensino sabe que é assim que tem que acontecer. (17:14) Todas essas pessoas, todos esses fragmentos passam por nós no decorrer da nossa vida.

Não é justo nem é legítimo estar a dizer esta personalidade, aquela personalidade marcou-nos. Penso que não é justo fazer isso.

Muito obrigado pela sua entrevista ao Nordeste com Carinho.

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