terça-feira, 26 de novembro de 2024

Conselho Raiano debateu o associativismo para reforçar a democracia (jornalista Cindy Tomé)

“O associativismo é a ferramenta mais importante para lutar contra os populismos e reforçar as democracias”, afirmou Francisco Alves, presidente da RIONOR, durante o evento ‘RIONOR: Que Associativismo?’, realizado em Bragança, no sábado, numa oportunidade para discutir o papel vital do associativismo na construção de uma sociedade mais justa.

A associação RIONOR, que está a celebrar 10 anos de atividade, reuniu associados, cidadãos e especialistas para debater um tema que considera essencial para a consolidação das democracias: a participação cativa e cívica por meio das associações.

Francisco Alves ressalvou que, tanto em Portugal como em Espanha, os índices de participação associativa são “alarmantemente baixos” e destacou que a verdadeira força das associações reside no seu impacto direto na sociedade. Segundo disse, o associativismo não se resume a um simples pagamento de cotas. Exige sim um compromisso ativo por parte dos cidadãos. “As pessoas têm de ter consciência da importância da participação cívica para o reforço da democracia, não estar à espera que os outros todos façam tudo”, completou.

No sábado, as questões centrais foram a necessidade de fortalecer as associações e incentivar uma maior participação cívica, promovendo um associativismo que seja democrático, transparente e voltado para o bem comum.

Para Francisco Alves, uma associação não pode ser apenas uma entidade financeira, mas sim um espaço de ação e de propostas concretas. “Uma associação sem atividades morre”, afirmou, explicando que o associativismo deve ter um propósito claro de mudança e alinhar-se com as necessidades da comunidade.

Um dos principais focos foi o modelo de associativismo que se deseja para o futuro. O evento abordou os métodos que devem ser implementados para tornar as associações mais influentes, não só em termos de apoio social, mas também na formulação de políticas públicas. Francisco Alves defendeu um modelo de associativismo que promova a solidariedade, o voluntariado e a participação ativa dos cidadãos. “Tem de haver transparência nas contas, os sócios têm de saber para onde é que vai o dinheiro”, afirmou, dizendo que uma gestão clara e democrática é essencial para garantir a confiança dos membros e a efetividade da associação.

Outro tema fundamental discutido foi a cooperação entre as zonas fronteiriças de Portugal e Espanha, áreas onde o associativismo tem um papel crucial na superação de desafios comuns.

Francisco Alves lembrou que, apesar da falta de comunicação e de recursos adequados, é necessário transformar essas regiões em áreas de oportunidades e afirmou que, embora haja um consenso geral entre os governos sobre a importância dessas áreas, muitas vezes as políticas públicas e os recursos não chegam de forma eficaz aos locais que mais necessitam.

Além disso, a falta de mobilização da população também foi identificada como um obstáculo ao fortalecimento do associativismo. O responsável lamentou que muitas associações enfrentem dificuldades para manter o envolvimento dos cidadãos, especialmente após a pandemia, que, segundo ele, afectou profundamente o associativismo. “Os sócios quase não pagam as cotas, e os que pagam limitam-se a fazê-lo e não aparecem”, terminou.

 

Retirado de www.jornalnordeste.com

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

As nossas entrevistas

Olá! Aqui estou para agradecer quem nos vai acompanhando, seguindo sem se inscreverem o que, de alguma forma, nos deixa um pouco tristes. 

Os seguidores são, para nós, muito importantes. São um incentivo para continuar. As entrevistas que aqui temos deixado, significam muito trabalho e muita dedicação. 

Temos conhecido gente muitíssimo interessante, que gosta muito de Trás-os-Montes, assim como nós gostamos.

Todos demonstraram amor por esta região tão abandonada, tão negligenciada, pela qual todos lutamos. 

Todas as entrevistas são interessantes, umas mais do que outras obviamente... É mesmo assim que tem de ser. 

Entrevistámos pessoas das mais várias áreas do conhecimento e da cultura, desde Adriano Moreira, de todos nós conhecido como uma das figuras mais proeminentes de Portugal, até Felisberto Lourenço, artesão de miniaturas... Alguns, infelizmente, já partiram para a sua última morada, outros continuam a pugnar pelo bem de todos nós. 

Agradecemos que nos vão seguindo. Agradecemos, também, que nos vão dando sugestões de melhoria. As nossas intenções são as melhores, sempre foram.

A este blogue dedicamos muitas horas. Dedicamos muito amor. Somos aprendizes e gostamos de aprender. 

Obrigado por estarem connosco há tantos anos.


Maria e Marcolino Cepeda

   

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Entrevista com Salomão Fernandes, aluno e Maria Antónia Martins, professora


Entrevista com Salomão Fernandes, aluno e, Maria Antónia Pires Martins professora, vencedores do primeiro prémio nas olimpíadas nacionais de ambiente.

Salomão Assis Campos Fernandes nascido a 10 de março de 1992 em Bragança, filho de António Joaquim Fernandes e de Branca Maria Ribeiro de Almeida Campos. Frequentou a EB1 de Nogueira e frequenta o 9º ano da EB2 3 Paulo Quintela. Vive em Nogueira, Bragança. Ocupa os tempos livres com a prática da natação, gosta de ir ao cinema, de ver televisão, de estar com os amigos e, de ouvir música. Ganhou o primeiro prémio da final nacional das décimas segundas olimpíadas do ambiente.

Maria Antónia Pires Martins, natural de Bragança, freguesia da Sé, casada, frequentou a escola do Toural. Escola Preparatória Augusto Moreno, secundária Abade de Baçal do 7º ao 9º ano, secundária Emídio Garcia do 10º ao 12º ano na área de ciências. Concluiu a licenciatura em geografia em 1988, na faculdade de letras do Porto. Foi professora nas escolas Miguel Torga, Emílio Garcia e Carvalhais. Lecciona na escola EB 2 3 Paulo Quintela desde o ano de 1997. Foi a professora responsável pela participação dos alunos da escola nas olimpíadas nacionais do ambiente.

Salomão, a primeira pergunta é para ti. Tu sempre viveste em Nogueira?

Sempre.

E gostas de viver no meio rural?

Gosto por alguns motivos, não gosto por outros. Gosto do contacto com a natureza, o campo. Mas na minha idade gosto da cidade por outras razões. Em Nogueira não há muita gente, os meus amigos vivem todos na cidade e, nas aldeias não tenho tanto contacto com eles.

Tem convenientes e inconvenientes, não é? E neste momento para ti que tens 15 anos?

Preferia viver na cidade.

O que é que no teu entender tem de especial a EB 2 3 Paulo Quintela?

É uma escola boa, tem boas condições. Sim, tem o facto de eu andar lá. Foi lá que eu recebi o prémio.

E isso já é uma marca, não é?

Sim, não me esqueço mais dela.

Agora, professora, comparando a sua infância e juventude com as crianças de hoje, quais são, as principais diferenças?

Bom, o acesso à informação que nós não tínhamos, nomeadamente a Internet, a televisão por cabo e satélite, que dão acesso a informação que nós não tínhamos. Depois, também há outros malefícios, andávamos muito mais à vontade na rua, brincávamos na rua, íamos para a escola sozinhos, coisa que hoje em dia os pais não deixam os filhos fazer.

A sua vida está intimamente ligada à região. Apenas esteve fora durante a licenciatura...

Sim, durante o curso.

Como é que foi esse período?

Não gostei sinceramente. Nunca me adaptei ao Porto, nem ao clima do Porto, nem à vivência do Porto e, sempre que podia vinha a Bragança. Mal acabei o curso, vim para cá trabalhar em 1988.

E porquê a geografia?

Olhe, foi uma professora que me fez gostar de geografia no 9º ano e, nesse ano decidi ser professora de geografia e assim foi. Professora que ainda hoje lecciona na escola secundária Miguel Torga foi minha professora na Abade Baçal e, foi ela que me fez tomar o gosto pela geografia.

Porque escolheu trabalhar em Bragança?

Porque sempre gostei de Bragança. Saí e, se calhar, a experiência fora de Bragança, não foi a melhor. Não me adaptei ao Porto e decidi voltar novamente às raízes. Tinha cá a minha família e acabei por voltar para Bragança.

E sempre quis ser professora?

A partir dessa altura, em que eu gostei de geografia no 9º ano, decidi que queria ser professora e, gosto de ser professora, muito.

Agora vamos falar do concurso propriamente dito. Porque é que vocês os dois e, outros alunos da EB 2 3, porque é que resolveram concorrer?

Salomão: Eu já participei o ano passado, fui logo eliminado na 1ª fase. Gosto destes temas relacionados com o ambiente, acho importante e, nem tinha conhecimento destas olimpíadas antes de chegar à escola e, mal tomei conhecimento decidi participar. O ano passado e este ano outra vez.

Professora: O ano passado decidi inscrever a escola, à volta de Novembro e incentivei os meus alunos, entre eles, o Salomão, a participarem. Este ano voltei novamente a inscrever. O Salomão estando no 9º ano, grande parte do programa do 9º ano é sobre o ambiente, o Salomão está a gostar da matéria e participou, e outros alunos obviamente.

domingo, 17 de novembro de 2024

Entrevista Professora Doutora Maria Joana Fernandes

Nasceu numa pequena aldeia de Vinhais, Fresulfe. Como era ser criança no seu tempo no meio natural e rural?

Bom, suponho que era igual a todas as outras crianças. Estamos a falar de... Há quatro décadas atrás, portanto, era tudo diferente. Estamos a falar de um meio rural. Eu era uma criança como todas as outras, que ia à escola, tinha a sorte de a professora ser a minha mãe. 

Sorte ou azar? (Risos)

Sorte ou azar, sim, talvez, porque tinha de me comportar mais direitinho. Portanto, desse ponto de vista, digamos, talvez não fosse uma criança tão igual como as outras.

E as brincadeiras, nessa altura, como é que eram?

As brincadeiras? Que engraçado, eu não tenho grandes memórias da minha infância. As brincadeiras… o que é que eu me posso lembrar? Eram brincadeiras normais. Por exemplo, na altura não havia bicicletas, não havia televisão, não havia nada disso. Eram as brincadeiras normais, ao esconde-esconde e ao apanha. Já nem me lembro dos jogos, veja lá, eu estou tão velha que nem me lembro dos jogos, do nome dos jogos. Mas eram as brincadeiras normais, entre crianças.

Como foi a sua vida de estudante?

Eu comecei por fazer a escola primária na pequenina aldeia de Fresulfe, onde nasci, até à terceira classe com a minha mãe. Depois, por irónico que possa parecer, a minha mãe achou que eu não teria preparação suficiente, porque ela era regente escolar e não professora primária, digamos, com o diploma normal de professora primária, e que eu deveria ir fazer a quarta classe para Bragança e assim foi. Vim fazer a quarta classe em Bragança. Por acaso, eu cheguei à conclusão que realmente a professora primária, realmente professora com diploma, não sabia mais do que a minha mãe. Mas pronto, fiz aqui a quarta classe. Depois continuei o meu percurso normal, fiz o ciclo preparatório na antiga escola Augusto Moreno e fiz só o primeiro ano no Liceu Nacional de Bragança, na altura Liceu Nacional de Bragança, agora Escola Secundária Emídio Garcia.

Depois tive um pequeno percurso por Braga, que foi muito curto mesmo, e finalmente, a partir do 9º ano, fui para Viana do Castelo, de onde tenho muito boas recordações. Fiz, a partir daí, todo o secundário, até ao, na altura, ano propedêutico. Sou uma cobaia do propedêutico. Em Portugal, os estudos costumam mudar, consta-se muito, muito... Sim, especialmente nessa época. Estamos a falar de poucos anos depois de 25 de Abril, em que fizeram várias experiências, como se continuam a fazer, não é? Mas, na altura, instituiu-se pela primeira vez o ano propedêutico e devo dizer que foi complicado, porque não havia apoio, as aulas eram dadas pela televisão, não sei se terá recordação desses tempos.

Foi um ano interessante, é engraçado, porque apesar das dificuldades, das aulas serem dadas pela televisão, não tínhamos qualquer apoio, a não ser dos professores que, com boa vontade, nos ajudavam. Por exemplo, em Viana do Castelo, na disciplina de Física, havia uma professora ainda bastante nova, que se reunia connosco regularmente para nos tirar dúvidas mas, por exemplo, em Matemática, não havia porque os professores já tinham alguma idade e já não estavam a par daquelas matérias novas que foram introduzidas no ano propedêutico. Por isso, criou-se uma espécie de solidariedade entre os alunos, e eu lembro-me bem, por exemplo, que nos reuníamos no liceu, periodicamente, em que os melhores alunos ajudavam os alunos com mais dificuldades. Lembro-me, perfeitamente, de ter feito conjuntos completos de sebentas, de exercícios resolvidos, que depois eram copiados. Não quer dizer que eles estivessem 100% certos, mas era melhor do que nada. É precisamente nessas alturas de dificuldades que se nota que há mais união e mais solidariedade.

E, continuando a falar de estudos, o seu primeiro amor foi a Matemática, não é?

Eu acho que sim, eu acho que sim. Desde pequenina, queria ser professora de Matemática, talvez porque, enfim, a Matemática era uma área base e eu gostava naturalmente de Matemática. Gostava de brincar com a Matemática. Estudar Matemática não era propriamente um trabalho. Era brincar. Brincar com os exercícios, brincar com os números. Portanto, eu posso dizer que sim, que o meu primeiro amor foi a Matemática, que depois se alterou ligeiramente.

Então, a matemática nunca foi um bicho-de-sete-cabeças?

Não, não é. Eu acho que a Matemática é um pouco... Eu costumo dizer que é um pouco como o pepino, ou se adora ou se detesta. Mas para quem gosta naturalmente de Matemática, trabalhar com Matemática é como brincar.

É uma pena que se incuta desde muito pequenas, às crianças que a Matemática é um bicho-de-sete-cabeças, porque acho que isso é o primeiro passo para elas terem medo da Matemática. É completamente errado. Nota-se até, pela grande participação nacional, todos os anos, dos alunos nas Olimpíadas de Matemática, que há imensa gente em Portugal a gostar de Matemática e a ter um jeito natural para a Matemática. Quando eu digo Matemática, quero dizer, também, as ciências exatas.

sábado, 16 de novembro de 2024

VAZIO

Andava eu, como quem não quer pensar em nada, por este jardim atapetado de folhas de muitas cores.

Parei. 

Não sei porque o fiz. 

Apenas parei a olhar para o infinito, se é que o infinito estava para me aturar o olhar descarado, abusado de quem não se importa.

Roboticamente segui caminho, olhando para a direita e para a esquerda e para trás como quem foge ou se sente perseguido. 

Não sei o que procurava. Nada vi que me pudesse, de alguma forma, atingir a não ser a beleza das árvores, quase despidas, sem pudor. 

O rio corria mais caudaloso, com alguma pressa, que o mar ainda é longe, mas há de lá chegar, nem que seja em fio ou em pequenas gotículas, dádiva das inesperadas nuvens.

Era uma manhã sombria que o jardim tentava animar sem grandes retornos no olhar ou nos olhares de quem lentamente se vai despedindo. 

Sim. Havia pessoas sentadas nos bancos do jardim, tristes, ávidas do vício que não conseguem largar.

Noutros bancos, sentados, o olhar perdido na Capela da Nossa Senhora da Piedade, havia quem fosse lendo um qualquer livro mais ligeiro ou interessante para o leitor ou leitora.

A necessidade tornava-se premente. A hora não tarda. O vício vence, dinheiro não há. Uma moeda para comer alguma coisa, para tomar um café...

Depressa fugiam, uns atrás dos outros, não sei para onde.

Os bancos esvaziavam-se. As sombras deambulavam por caminhos só seus, escondidos ou às claras, para matar a necessidade ou para se matarem a si próprios como náufragos em terra seca.

Era uma manhã de outono, fria, sem coração, sem esperança... Já não existia o vazio nem o caos. Apenas as sombras deambulavam por ali. 


Fotografia e texto de Maria Cepeda


Jorge Morais: Personagens (8) - Tia Aurora à porta de casa no Loreto


Tia Aurora no Loreto a fiar.

Tia Aurora no Loreto a fazer meias

Tia Aurora, outrora vendedora encartada de hortaliças, ovos e similares e, no momento da toma, apenas vendedora improvisada à porta da sua casa no Loreto de cima, um pouco antes do soto do Sr. Marcelino, um dos primeiros "Super" de Bragança.

Tia Aurora, quantas meias aquela mulher fez... e desde o princípio ao fim do processo: desde acomodar a lã na roca, fazer com destreza o fio e, com a mesma intrepidez, e sem perder o fio à própria conversa, fazer mais um par de meias de autêntica lã de ovelha.

Ali estava, frequentemente à porta, naquele mágico Loreto dos anos 60 e 70: O Loreto dos bailes à compita com os da Vila, anunciados pelo altifalante do Reis velho que dava três voltas à cidade na sua carrinha em altos e amplificados brados; O Loreto da oficina do Barril com os "raters" secos dos testes às decrépitas motorizadas Famel e Sachs, com o Feijão e outros, quase meninos, em aprendizagem e enfarruscado labor; o Loreto da taberna da "Fessíssima", mulher do Paulos, que amiúde cascava nela por dar cá aquela palha; do carpinteiro Neto, que com a sua colorida e enérgica esposa e filhos, por si sós, faziam autênticos acontecimentos de festa ou doméstica tragédia; do barbeiro Carvalho, ex polícia, que barafustava amiúde e descaradamente com os jovens de cabelo comprido que passassem à sua porta e não fossem cortar "aquelas melenas de maricas" e que, a dada altura, conta-se, terá deixado por longo tempo a meia barba por fazer de um cliente, ainda com a outra meia fortemente ensaboada, para acudir presto ao assobio do alfaiate fronteiro que o convidava para o "chá" da praxe - um copito ou dois na taberna do "Cantinho", claro, com o cliente zarpando da barbearia naquela meia figura.

Um Loreto aonde poucos carros passavam para além da carreira do Jerónimo em direção a Vinhais, e aonde os jovens jogavam à bola e aos remates contra os portões de lata de um armazém dos "Pereiras", ou, descansando, jogavam à moedinha às portas do café Primavera, ou então iam achinar o prego ao chão em jogo de inverno no larguito dos Negrilhos, extremo mais ou menos formal desta mesma rua.

Um Loreto das bonitas filhas da "Manhuça" e também outras beldades que por lá havia e que embeiçavam vários dos muitos adolescentes e jovens que ali cresciam.

Um Loreto cheio de vida e matizado por famílias ou pessoas muito diferentes mas cúmplices de uma aproximação humana que hoje não tem igual. Havia pobres, havia ricos, também figuras com carisma físico e comportamental dignos de registo.

Tia Aurora era um desses personagens, mas havia muitos mais.



Fotografia e texto de Jorge Morais

Entrevista Professor Eng. Luís Manuel Cavaleiro Queijo

Começo por lhe perguntar, nasceu no Porto e veio para Bragança com 8 anos. Fale-nos dessa mudança e do que significou para si.

Bem, essa mudança deu-se porque as minhas raízes são daqui da região. Os meus pais são daqui da região e na altura viviam no Porto e os meus avós estavam aqui na zona, portanto, no sentido de dar mais apoio porque estavam a ficar mais idosos, portanto, viemos para Bragança viver e foi uma integração normalíssima, como qualquer outra, porque nos 8 anos essas mudanças não se sentem assim tanto, de forma tão intensa. Até porque os amigos ainda não são assim tão... Exatamente. E é por todas as condicionantes naturais dessa idade.

O Porto é uma cidade grande, condiciona-nos muito mais em termos de vivências enquanto somos crianças e aqui há sempre muito mais à vontade e possibilidade de brincar na rua, coisas que vão sendo cada vez mais raras nos nossos dias, não é?

 Como foi a sua vida de estudante até ir para a Universidade?

A minha vida de estudante foi, penso eu, bastante normal, portanto, eu frequentei primeiro o Liceu, quem é aqui da região conhece-os dessa forma, o Liceu. No meu décimo ano vi-me obrigado a transitar para a Escola Secundária da Sé porque queria seguir Química ou Tecnológica e no Liceu não havia. Na Escola Secundária da Sé fiz o décimo, décimo primeiro, décimo segundo anos. Decorreu tudo dentro da normalidade e deu-se o ingresso na Universidade do Minho, concretamente, em Engenharia Mecânica, o curso que eu tinha escolhido.

Nessa altura havia também aquelas rivalidades do Liceu com a escola industrial?

Exatamente, havia essas rivalidades, mas a área tecnológica era mais conotada com a escola industrial e as humanísticas com o Liceu, portanto, acho que foi uma mudança normalíssima como qualquer outra.

Como atrás referido, foi para a Universidade do Minho. Como foi esse período da sua vida?

Esse período da minha vida foi ótimo. Penso que são os melhores tempos das nossas vidas, quem por lá passa, que mais nos marca possivelmente, onde fazemos novos amigos, onde finalmente saímos de casa, tantas vezes ambicionado, não é? O sair de casa, sair da alçada dos pais e, portanto, no fundo, começámos a viver, a voar com as nossas asas. E a ser responsáveis por todos os atos. E a ser responsáveis por todos os nossos atos, exatamente.

Ingressou no mercado de trabalho antes de concluir-se a licenciatura, porquê?

Porque a prática normal da Universidade do Minho é conseguir estágios para os alunos que são finalistas. O último semestre da licenciatura, dos antigos 5 anos que agora são só 3, mas dos antigos 5 anos, o último semestre era dedicado a um estágio realizado em contexto de trabalho, o que acontecia muitas das vezes, e precisamente porque é uma região com uma forte pendente industrial, acontecia que havia bastantes estágios a serem facultados pela Universidade. Os alunos iam estagiar e acabavam por ficar mais a trabalhar do que propriamente a estagiar.

Portanto, relegando para o segundo plano a questão do estágio em si. O que acontecia é que as pessoas ingressavam no mercado de trabalho muito mais cedo do que acabavam os cursos, porque depois ia-se protelando a entrega do relatório de estágio. E a licenciatura, que devia ter sido acabada em 94, acabou por ser só acabada em 95.

Fale-nos da sua experiência laboral na empresa José Júlio Jordão Limitada, em Guimarães.

José Júlio Jordão é uma empresa, uma pequena/média empresa, como é a maior parte do nosso tecido empresarial, mas é uma empresa muito bem organizada e deu-me muito à vontade relativamente ao contexto laboral. Aprendi com as minhas quedas, tive pessoas a apoiarem-me bastante e, portanto, deu para ficar com uma ideia bastante grande do que é a índole industrial e como é que funcionam as empresas e penso que foi uma grande escola.

Acima de tudo, uma grande escola para complementar os aspectos técnicos, a bagagem técnica que já trazia do curso, tinha tirado, não é?

Deu-me possibilidade de aplicar esses conhecimentos e foi uma grande escola nesse sentido, não só da aplicação dos conhecimentos, mas mesmo com as próprias relações interpessoais com os funcionários. Era uma empresa que tinha 150 funcionários na altura, a faturar na casa de um milhão de contos, portanto, não era uma empresazinha pequenina, e deu-me precisamente esse à vontade, a facilidade de trato com as pessoas, saber quais são os problemas… Tínhamos pessoas com variadíssimos níveis de formação, portanto, era preciso lidar de forma igual e aprender a lidar com essas pessoas, pessoas que trabalhavam há 30 anos na casa, e não tinham experiência técnica, ou melhor, não tinham experiência técnica, não. Não tinham os conhecimentos técnicos, mas tinham a experiência prática, que muitas das vezes é superior aos conhecimentos técnicos e dava para complementar perfeitamente as duas vertentes. Com certeza.

Em 1997, ingressa na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Bragança. Fale-nos das razões que o levaram a regressar à nossa cidade. 

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Entrevista Doutora Susana Maria Salgado Pires

Entrevista de hoje com Doutora Susana Maria Salgado Pires, natural de Bragança, licenciada em microbiologia pela Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa. Em 2002 foi um dos elementos seleccionados para o Programa Nove Contacto Estágios Internacionais de Jovens Quadros sendo a entidade gestora do programa a ICEP Portugal, através do qual passou um ano no Instituto de Genoma da Empresa de Biotecnologia Novartis em San Diego, Estados Unidos da América e do qual resultou a publicação de um artigo científico na Revista Science. A partir de 2003 até 2007 frequentou o Programa de Doutoramento Graduado em Áreas da Biologia Básica e Aplicada (ABBA), organizado pela Universidade do Porto, Faculdade de Ciência e Medicina, Instituto Biomédico Abel Salazar. A sua tese visa dar continuidade ao trabalho desenvolvido nos Estados Unidos da América, Estrutura e Função da Melanopsina. A melanopsina é uma proteína que permite distinguir o dia da noite num ciclo de 24 horas. Neste momento encontra-se em Oxford University, Oxford, Reino Unido.

Nasceu em Bragança há 28 anos. Que recordações guarda da sua infância?

Imensas e que afectam sem dúvida, a pessoa que sou. Eu passei a maior parte da minha vida em Bragança até ingressar na universidade. Usufruí, ao máximo, daquilo que a cidade e a região me tinham para dar. Muita gente, ainda hoje fica surpreendida com o facto de eu saber fazer coisas, como abrir um frango ou plantar uma planta, coisas desse género. As pessoas ficam extremamente surpreendidas e eu devo isso à minha infância um pouco rural. Apesar de viver em Bragança a minha mãe tem casa na aldeia e eu tirei o máximo proveito da minha infância em Trás-os-Montes. Gosto imenso de Trás-os-Montes. Ainda hoje, cada vez que passo o Marão, o meu semblante muda. Aproveitei outras coisas que a cidade tinha para me dar, fiz aulas de ballet, fiz aulas de pino, ginástica, passeei com os meus amigos, corri na rua… coisas que hoje muitas crianças não podem aspirar fazer. Eu posso dizer que fui mais influenciada na minha personalidade pela infância que passei aqui do que depois pela formação académica, creio eu e com orgulho.

Fale-nos brevemente da sua vida de estudante.

Eu fui para o Porto para a Universidade Católica por um acidente de percurso, porque não me foi possível, num ano de muitas transformações e reformas educativas, ingressar no ensino público nos cursos que eu queria e dos quais não quis abrir mão. Fui para a Católica e foi uma agradabilíssima surpresa. É um curso extremamente aplicado com muita qualidade de ensino que, ainda hoje, eu admiro apesar de estar numa universidade internacionalmente com mais renome. Admiro a formação que tive na Católica e despertou-me o gosto por fazer as coisas, mais do que aprender nos livros, por fazer experiências, por fazer investigação, por me questionar mais do que decorar. Sem dúvida, despertou o meu interesse por descobrir por mim própria, coisas novas. Quando acabei a minha formação universitária experimentei trabalhar e foi uma experiência óptima. Mostrou-me como é a vida real, como trabalham 99% dos portugueses, mas faltava-me qualquer coisa. Sentia que aos 21, 22 anos estava a estagnar e que não era isso que eu queria. Apesar de ter tido um percurso diferente daquele que eu tinha desejado para mim, que como se costuma dizer: “Deus escreve direito por linhas tortas.” e acabou por me encaminhar para uma área que tem muito mais a ver com a minha personalidade.

Depois de acabar a licenciatura em Biotecnologia foi selecionada pelo Programa Contacto. Fale-nos dessa experiência.

O Programa Contacto é uma pena que não seja mais divulgado e é para isso que nós estamos aqui. É um programa do ICEP que envia jovens quadros licenciados portugueses para o estrangeiro para adquirirem conhecimentos, regressando ao país, por exemplo, para ajudar empresas portuguesas em vias de internacionalização ou já em processo de internacionalização. Como infelizmente não temos muitas empresas de biotecnologia em Portugal, eles enviam mesmo assim jovens quadros na área da biotecnologia para que estejam formados. Quando tivermos empresas de biotecnologia dignas desse nome preparadas para se expandir para o estrangeiro, já existirão no nosso país, pessoas prontas para dar apoio a essas empresas que saibam de biotecnologia, ciências e até um bocadinho de gestão. O Programa Contacto começa com um curso full time de duas semanas em gestão internacional. Tive as minhas primeiras noções de gestão nesse curso, em que se aborda, não só gestão mas também linguística, história de Portugal… É um curso extremamente complexo e completo com nomes de renome, comentadores políticos que toda a gente conhece, ex-primeiros ministros etc… De facto somos preparados para ir lá para fora para dar uma boa imagem de Portugal, adquirir o maior número de informação e a ideia é regressar a Portugal para aplicar esses conhecimentos. No meu caso não foi possível porque como disse estamos um pouco à frente do nosso tempo nesse sentido ainda não há empresas onde eu possa aplicar os conhecimentos que adquiri nos Estados Unidos pelo que decidi prolongar a minha formação e continuar para doutoramento.

A publicação desse estudo da Revista Science que foi mencionado no jornal Público abriu-lhe algumas portas?

Sim muitas. Por isso mesmo é mencionado no Público. De outra forma não seria. A Revista Science juntamente com a Revista Nature são as revistas de maior impacto em ciência. Eu tive a sorte de, quando cheguei aos Estados Unidos, apanhar este estudo numa fase muito interessante. Nós estamos a fazer experiências em ratinhos. É a fase final de provar que uma hipótese que nós tínhamos no papel, de facto, tinha um efeito num organismo vivo, num mamífero que não é tão diferente de nós assim. Foi-me dada a responsabilidade de fazer uma série de experiências extremamente interessantes e bem concebidas e tivemos um resultado muito bom e importante nessa área e foi então publicado. Na minha área, uma publicação numa revista como a Science, abre mais as portas. Põe no papel uma informação que vai mudar aquela área e que é tida como certa e há um grande reconhecimento para o grupo que publica nesta revista. No meu caso quando eu concorri para o Programa GABBA reconhecerem que as experiências que eu tinha feito eram interessantes e que merecia a hipótese de ter uma bolsa de doutoramento portuguesa e assim foi. Estou na Universidade Oxford com uma bolsa portuguesa. Agradeço imenso ao meu país ter investido em mim nesse aspecto. Espero não desapontar quem me escolheu para este programa.

Um dia colherão frutos desse investimento…

Eu farei os possíveis. Aliás eu gosto imenso de estar lá fora mas um dia tenho planeado e desejo voltar a Portugal se o país estiver pronto para me dar uma oportunidade na minha área. De outra forma não fará sentido, depois de estar a investir tanto na minha formação, regressar para fazer uma coisa que não estimule o meu interesse e me motive.

Foi difícil viver nos Estados Unidos?

Foi um pouco, como é difícil viver noutro país que não o nosso. Lá fora é muito interessante, é muito divertido quando se está de férias, mas quando se vive nós somos completamente uns estranhos. Por melhor integrados que estejamos, ser um emigrante é não pertencer àquele país. No meu caso, acho que me adaptei facilmente em todos os aspectos excepto as saudades que é uma palavra que como só existe em português. Só nós compreendemos. Fui muito bem recebida. Tive uma óptima relação com os meus colegas, no entanto, de vez em quando, faziam-me lembrar que eu não pertencia ali. Obviamente lá é muito difícil, muito competitivo, muitas diferenças entre europeus e americanos. Aparentemente somos iguais, mas parece que evoluímos em planetas diferentes e se quiser eu conto uma história para exemplificar isto. É uma história que eu lembro com carinho: o meu orientador era indiano. Um indiano que foi para os Estados Unidos e fez imenso sucesso. Não tem de dar provas a ninguém. É mais do que reconhecido na minha área. Cheguei a este grupo em que tinha um chefe americano, este chefe indiano e mais dois pares de óculos e eu, que na prática, era a única pessoa a trabalhar na bancada, apesar de ser um grupo que produz imensos resultados, foi-me dado um canto da bancada, aproximadamente 70 cm onde eu podia por os meus materiais e trabalhar mas, ao fim de um tempo, constatei que sendo a única pessoa a fazer experiências em várias áreas eu podia ter um resultado das experiências de um lado e expandir pelo resto da bancada para fazer, para trabalhar com outras coisas, tecido, etc. Acontece que passado três meses o meu chefe decidiu trabalhar na bancada e viu que eu tinha tomado conta de toda a bancada, não com má intenção, porque o trabalho era para todos, mas ele olhou para mim, olhou para a bancada e exclamou: ”Susana, tu és mesmo portuguesa! Eu como indiano dei-te um bocadinho de território e tu conquistaste a bancada inteira.” Eu achei graça porque ele fez questão de me relembrar que como portuguesa há coisas que nunca mudam e que eles estrangeiros estão sempre atentos para detectar as nossas pequenas características.

Em última instância, que vantagens traz o Programa Contacto para Portugal?

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Entrevista Pintora Graça Morais

Esta entrevista foi realizada em 2004, se não estou em erro, há precisamente 20 anos. 

Combinámos com Graça Morais, ir buscá-la ao Teatro Municipal de Bragança. Assim fizemos e à hora marcada, com muita alegria e alguma ansiedade pela responsabilidade de entrevistar uma das mais importantes e talentosas pintoras portuguesas, de renome internacional, com obras espalhadas pelo mundo inteiro, fomos buscá-la e seguimos para a rádio RBA, que já não existe. 

Esperava-nos o Rui Mouta, locutor, grande amigo, excelente profissional e a voz escolhida para grande parte das entrevistas que levámos a cabo. 

À chegada, entreguei o guião ao Rui, como sempre que íamos à rádio, apresentei-lhe a nossa convidada que a recebeu com a simpatia que lhe é natural. 

Com o formigueiro nervoso próprio dos grandes momentos, demos início à conversa que aqui plasmamos.    


ENTREVISTA GRAÇA MORAIS

Nasceu numa pequena aldeia do nordeste transmontano, Vieiro. Indubitavelmente esse acaso marcou a sua vida… 

Completamente. Eu costumo dizer que tive a sorte de nascer numa aldeia perdida nos montes, porque na altura em que eu nasci, em 1948 essa aldeia que era o Vieiro, não tinha estrada, não tinha electricidade, não tinha telefone, e por isso esse isolamento em vez de ser considerado por mim hoje, a esta distância, uma falha, acho que foi um grande enriquecimento na minha infância, porque em vez de estar a olhar para fora, virei-me completamente para dentro. Todas as experiências foram intensamente vividas e fiquei de facto mergulhada nesse reino rural e a minha pintura tem muito a ver com isso.

Acabou por África, primeiro Moçambique depois Cabo Verde. Sente que essas vivências se refletem no seu dia-a-dia e também na sua alma?

Não. África como as viagens que fiz ao Japão… esses dois anos em Moçambique foram marcantes porque eu tinha sete anos, sete e nove anos são idades em que o ser humano atinge uma grande inteligência e de facto eu absorvi muito… África, na altura, estava muito à frente… Por exemplo, lá eu lia banda desenhada e aqui nas aldeias ainda não tinha chegado a banda desenhada, por isso tive contacto com a chiclete, com a banda desenhada, com a Coca-Cola, com modas que vinham da África do Sul, com outras pessoas e, sobretudo, com a população que tinha uma cultura diferente. Gostei muito. A minha facilidade de convívio com africanos vem dessa altura. Em breve vou fazer uma viagem, a convite do Centro Nacional de Cultura, a África. Disse logo que sim porque eu gosto muito de África, gosto dos africanos. Acho que são pessoas com uma grande generosidade. São países que vivem muito mal, sempre com muitas dificuldades e eu sinto-me sempre muito solidária com essa gente, por ter vivido no meio deles e dei-me sempre muito bem com todos.

Uma meninice errante, juventude arredada do ambiente familiar devido aos estudos. Mais fundas as raízes?

Meninice errante é relativamente, mas de facto muito cedo saí de casa porque tinha que ir estudar porque na altura o colégio em Vila Flor ficava a dois passos mas Bragança já ficava mais longe.

Eu lembro-me que vinha muitas vezes de comboio, naquele comboio que agora não chega cá, e eu estava hospedada nas freiras do arco e eu carregava a minha malinha e outras coisas e fazíamos isso tudo a pé. Hoje as crianças são um bocado mais mimadas, os pais levam-nos sempre à porta da escola e na altura nós fazíamos isso tudo com ar muito natural.

No caminho íamos encontrando também outras pessoas que vinham de outras aldeias, era um percurso diferente e por isso muito cedo me habituei a sair de casa mas, sempre com saudades de casa, porque a minha estava sempre casa era uma casa de lavradores estava sempre com a porta aberta e era uma casa sempre cheia de gente e eu tive também essa sorte de pertencer a uma grande família.

O meu avô tinha oito filhos e por isso na casa do meu avô que era um lavrador muito generoso havia sempre muita gente havia muitos obreiros e de facto aquilo tudo encheu-me a cabeça e quando comecei a ganhar consciência de mim como pessoas e comecei a decidir que agora realmente quero é pintar, as minhas pinturas começaram a falar dessas pessoas, dessa terra.

De facto eu acho que não foi de propósito acabou por acontecer. Se calhar é a minha missão e durante dois anos eu levei a minha filha comigo, na altura estava na segunda classe, foi frequentar a escola onde eu também andava quando era criança e foram dois anos muito difíceis mas ao mesmo tempo muito especiais porque foi a partir daí que a minha pintura começou a crescer.

O isolamento faz falta para um acto de criação e eu ali pude estar isolada e ao mesmo tempo em contacto com uma cultura rural, observando todos os dias o que é que acontece no campo desde manhã à noite, como é que as pessoas faziam os seus trabalhos. Não é que eu escrevesse ou que a minha pintura contasse isso, mas precisei de viver esse dia a dia e de falar com as pessoas. A pintura não é uma realidade, porque a minha pintura não é real nem é regionalista mas, realmente vive dessas emoções fortes, dessa relação.

É o que lhe vai na alma, essencialmente a pintura.

Bastante. Eu acho que é uma relação daquilo a que eu chamo mente e do meu corpo. Toda a minha pintura é feita com uma grande deturpação do momento que eu estou a viver.

A pintura não é só para decorar paredes, por acaso também pode ter essa função, mas quando um artista faz arte e não faz quadros… o que eu faço é uma grande relação comigo própria e com o mundo que me cerca. Por isso, quando estou a pintar, estou a pintar as minhas grandes inquietações sobre o que me rodeia e as minhas grandes felicidades. Não quero ficar com o carimbo de que só pinto pessoas de Trás-os-Montes, ou as mulheres de Trás-os-Montes, porque muitos dos meus quadros parecem cenas às vezes também ligadas ao terrorismo, àquilo que se passa no mundo e que me toca mais de perto. Às vezes são assuntos dramáticos e de uma grande injustiça.

Existe a melancolia do tempo que passou?

Não. Eu não sou uma pessoa melancólica. Vivo também a pensar no futuro. Acho que tenho tanto que fazer… e agora que já passei a barreira dos cinquenta anos, sinto que terei mais vinte anos com muita saúde se tiver sorte. E por isso a percepção do tempo começa a ser muito cruel, porque começo a sentir que cada vez tenho menos tempo para pintar e ainda tenho muita coisa para pintar ou desenhar. Ainda tenho muito para fazer e por isso não tenho tempo de olhar para trás. O que está atrás é o meu património que me serve como experiência, como amadurecimento. Eu acho que sou uma pessoa mais rica do que era há vinte anos porque tenho a experiência, muitas experiências negativas. Todos nós com a minha idade já sofreram perdas, já se perdeu um pai, outro já perdeu uma criança e isso tudo magoou, sofri mas não serve para me queixar porque o que eu quero é crescer e fazer cada vez mais e melhor.

Pintar cada vez mais e melhor.

terça-feira, 5 de novembro de 2024

OUTONO

                                 

Meu Deus! Que beleza!

Não tenho a certeza de aqui querer estar.

Ao mesmo tempo, anseio pelo atapetado 

Deste denso sentimento de serenidade...

Desta saudade pintalgada de folhas

Que parecem borboletas no seu voejar.


Que horas são neste acordar tardio?

Quero ir embora e ficar contigo.

Se sair agora, de olhar perdido

Não me encontrarei, não virás comigo.

Nada saberei desta vida incerta.

A cor do amor deve ser uma nova cor

De que cor é o OUTONO?


Respiro vida nestas belas cores.


Poema e fotografia

Maeia Cepeda