Nasceu numa pequena aldeia
de Vinhais, Fresulfe. Como era ser criança no seu tempo no meio natural e
rural?
Bom,
suponho que era igual a todas as outras crianças. Estamos a falar de... Há quatro décadas atrás, portanto, era tudo
diferente. Estamos a falar de um meio rural. Eu era uma criança como todas as outras,
que ia à escola, tinha a sorte de a professora ser a minha mãe.
Sorte ou azar? (Risos)
Sorte ou azar, sim, talvez, porque tinha de
me comportar mais direitinho. Portanto, desse ponto de vista, digamos, talvez
não fosse uma criança tão igual como as outras.
E as
brincadeiras, nessa altura, como é que eram?
As brincadeiras? Que engraçado, eu não tenho
grandes memórias da minha infância. As brincadeiras… o que é que eu me posso
lembrar? Eram brincadeiras normais. Por exemplo, na altura não havia bicicletas,
não havia televisão, não havia nada disso. Eram as brincadeiras normais, ao
esconde-esconde e ao apanha. Já nem me lembro dos jogos, veja lá, eu estou tão
velha que nem me lembro dos jogos, do nome dos jogos. Mas eram as brincadeiras
normais, entre crianças.
Como
foi a sua vida de estudante?
Eu comecei por fazer a escola primária na
pequenina aldeia de Fresulfe, onde nasci, até à terceira classe com a minha
mãe. Depois, por irónico que possa parecer, a minha mãe achou que eu não teria
preparação suficiente, porque ela era regente escolar e não professora
primária, digamos, com o diploma normal de professora primária, e que eu
deveria ir fazer a quarta classe para Bragança e assim foi. Vim fazer a quarta
classe em Bragança. Por acaso, eu cheguei à conclusão que realmente a
professora primária, realmente professora com diploma, não sabia mais do que a minha
mãe. Mas pronto, fiz aqui a quarta classe. Depois continuei o meu percurso
normal, fiz o ciclo preparatório na antiga escola Augusto Moreno e fiz só o
primeiro ano no Liceu Nacional de Bragança, na altura Liceu Nacional de
Bragança, agora Escola Secundária Emídio Garcia.
Depois tive um pequeno percurso por Braga,
que foi muito curto mesmo, e finalmente, a partir do 9º ano, fui para Viana do
Castelo, de onde tenho muito boas recordações. Fiz, a partir daí, todo o
secundário, até ao, na altura, ano propedêutico. Sou uma cobaia do propedêutico.
Em Portugal, os estudos costumam mudar, consta-se muito, muito... Sim,
especialmente nessa época. Estamos a falar de poucos anos depois de 25 de
Abril, em que fizeram várias experiências, como se continuam a fazer, não é? Mas,
na altura, instituiu-se pela primeira vez o ano propedêutico e devo dizer que
foi complicado, porque não havia apoio, as aulas eram dadas pela televisão, não
sei se terá recordação desses tempos.
Foi um ano interessante, é engraçado, porque
apesar das dificuldades, das aulas serem dadas pela televisão, não tínhamos
qualquer apoio, a não ser dos professores que, com boa vontade, nos ajudavam. Por
exemplo, em Viana do Castelo, na disciplina de Física, havia uma professora
ainda bastante nova, que se reunia connosco regularmente para nos tirar dúvidas
mas, por exemplo, em Matemática, não havia porque os professores já tinham
alguma idade e já não estavam a par daquelas matérias novas que foram
introduzidas no ano propedêutico. Por isso, criou-se uma espécie de solidariedade
entre os alunos, e eu lembro-me bem, por exemplo, que nos reuníamos no liceu,
periodicamente, em que os melhores alunos ajudavam os alunos com mais dificuldades.
Lembro-me, perfeitamente, de ter feito conjuntos completos de sebentas, de
exercícios resolvidos, que depois eram copiados. Não quer dizer que eles
estivessem 100% certos, mas era melhor do que nada. É precisamente nessas alturas
de dificuldades que se nota que há mais união e mais solidariedade.
E,
continuando a falar de estudos, o seu primeiro amor foi a Matemática, não é?
Eu acho que sim, eu acho que sim. Desde pequenina,
queria ser professora de Matemática, talvez porque, enfim, a Matemática era uma
área base e eu gostava naturalmente de Matemática. Gostava de brincar com a
Matemática. Estudar Matemática não era propriamente um trabalho. Era brincar. Brincar
com os exercícios, brincar com os números. Portanto, eu posso dizer que sim, que
o meu primeiro amor foi a Matemática, que depois se alterou ligeiramente.
Então,
a matemática nunca foi um bicho-de-sete-cabeças?
Não, não é. Eu acho que a Matemática é um
pouco... Eu costumo dizer que é um pouco como o pepino, ou se adora ou se
detesta. Mas para quem gosta naturalmente de Matemática, trabalhar com
Matemática é como brincar.
É uma pena que se incuta desde muito pequenas,
às crianças que a Matemática é um bicho-de-sete-cabeças, porque acho que isso é
o primeiro passo para elas terem medo da Matemática. É completamente errado. Nota-se
até, pela grande participação nacional, todos os anos, dos alunos nas
Olimpíadas de Matemática, que há imensa gente em Portugal a gostar de
Matemática e a ter um jeito natural para a Matemática. Quando eu digo
Matemática, quero dizer, também, as ciências exatas.