Entre
as aplicações do materialismo dialéctico, com resultados úteis na observação da
realidade, encontramos o modelo de análise do processo de interacção entre a
superestrutura político-ideológica e a realidade profunda, resistente à
mudança, mas sempre em transformação imperceptível, que designamos por
infra-estrutural.
Uma
observação cuidada permite-nos concluir que os voluntarismos radicais agitam a
realidade à superfície, podem até gerar sobressaltos pontuais, mas tendem a ser
absorvidos, mais cedo ou mais tarde, pelo esmagador peso da inércia do que não
é racionalizável em termos individuais, mas condiciona e determina cada vida
concreta, no tempo curto da sua passagem pelo mundo.
Naturalmente,
as intervenções na realidade superestrutural não são inócuas e os seus efeitos
também podem estar relacionados com aquilo a que chamamos as conquistas
civilizacionais, com reflexos evidentes nos modos de relação social e nos
modelos políticos que fomos conhecendo.
Mas,
também sabemos que as dinâmicas de mudança enfrentaram prolongados tempos de
diluição e, nalguns casos, vários milénios depois ainda não demonstram estar
definitivamente consolidadas. Não que isto tenha que nos conduzir à demissão
resignada, como se nada houvesse a fazer perante um determinismo inexorável. A
humanidade é mesmo o resultado de miríades de actos inspirados nas mais
diversas utopias, mas que não devem perder as referências fundamentais da
racionalidade e do pragmatismo.
Nos
tempos que vivemos temos assistido à consagração, em múltiplos países, de
normativos legais, resultantes da acção denodada de grupos de pressão, tornados
paladinos de novas moralidades, que tendem a tornar-se outras formas de
totalitarismo, reclamando-se como os únicos politicamente correctos e
condenando tudo o resto à condição de broncos infames.
De
facto, a partir de capacidades inauditas de intervenção na superestrutura
político-jurídica, vão-se impondo autênticas redes de novos inquisidores,
puritanos q.b. de determinados dogmas, que diabolizam todos os que se
questionam sobre caminhos abertos por entre os matagais de dúvidas que nos
enchem a vida.
A
construção de novos tempos gratificantes não parece poder-se atingir com
rupturas espaventosas, resultantes da acção de egos caprichosos, sem nenhum
sentido pragmático, convencidos que o mundo se virará do avesso no minuto
seguinte.
O
resultado tem sido espantosos fenómenos de refluxo, expressos em
fundamentalismos religiosos e populismos enraivecidos, que ameaçam arrasar os
feminismos obtusos ou serenos, as proclamações de quase divinização de
determinadas opções de orientação sexual, a erecção de alguns animais em novos
ídolos, com todos os efeitos trágicos que se adivinham em consequência de
reacções que podem ser mais violentas do que a arrogância de quem demonstra não
se orientar pela sensatez poderia imaginar.
O
fenómeno Trump pode ter sido só o primeiro sinal.
Escrito por: Teófilo Vaz,
Diretor do Jornal Nordeste
Retirado de www.jornalnordeste.com
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